quarta-feira, 20 de abril de 2011

A SEXUALIDADE FUNCIONA PELA DIFERENÇA

      Entrevista do psicanalista Alberto Goldin,consultor de programas de TV, colaborador em roteiros cinematográficos, autor de livros para crianças, adolescentes e adultos, acabou virando um sujeito familiarizado com os problemas e mistérios das relações conjugais.Também escreve, há 13 anos, a coluna dominical Consultório, na revista do jornal O Globo, na qual responde perguntas de leitores. Estas colunas espelham como as pessoas tentam administrar suas relações amorosas no meio do tsumani das novas tecnologias, da nova estrutura familiar e da ascensão profissional das mulheres.  Nesta entrevista,ele fala de como os papéis de homens e mulheres se embaralharam.

Em todos esses anos como psicanalista. você percebe alguma mudança nas angústias amorosas das pessoas?
Em geral, as angústias são as mesmas - expectativas frustradas em relação aos parceiros, principalmente. Por tudo: porque eles traem, porque as abandonam, não dão atenção ou dão demais ... A única mudança significativa que ocorreu de lá para cá foi que a instituição casamento ficou mais frágil. As pessoas fazem mais o que querem e menos o que se esperam delas. Se não estão satisfeitas, terminam o casamento. O que vejo como um avanço.

Houve algum prejuízo nesse período? Está ocorrendo, por exemplo, uma confusão entre o masculino e o feminino?
Sim. A simetria maior entre homem e mulher, principalmente nas classes mais altas, trouxe enormes benefícios, tirando a mulher do papel de subalterna. Mas há desvantagens. A sexualidade funciona como a eletricidade, pela diferença. O homem mais masculino se dá melhor com a mulher mais feminina - e não se trata apenas do jeito de falar ou de se vestir, mas também da posição que ela ocupa na sociedade. Quando a mulher fica mais independente, a diferença diminui, e aí surgem os problemas. Talvez por isso os homens mantenham secretárias como amantes e procurem prostitutas. É errado, claro, mas de algum modo eles buscam a diferença que não existe mais com a esposa. Alguns, inclusive, simplesmente não querem nem saber dessas mulheres poderosas.

E que conselho você daria a essas mulheres?
É importante não masculinizar-se, não confundir o poder com a masculinidade. 0 homem que cozinha não fica feminino, assim como a mulher que comanda 100 funcionários não precisa ficar machona. A autoridade pode ser perfeitamente exercida dentro do contexto da feminilidade. Então, não estou dizendo que as mulheres devem tirar o uniforme ao chegar em casa e vestir o baby-doll. Não adianta. Tem de ser feminina sempre, inclusive no trabalho. Outra coisa é preservar a humildade: a poderosa de hoje pode ser a desempregada de amanhã.

As mulheres estão confusas com os papéis que desempenham?
 Se elas não estão confusas, a sociedade as confunde. Os próprios subalternos não tratam as poderosas como mulher. A mulher poderosa raramente é paquerada. Os homens têm medo. No erotismo masculino, a proteção pode ser um fator de grande sensualidade. O homem se sente excitado com a ideia de proteger a menina, a mulherzinha frágil. Ele se sente dono da história e dono de um pau enorme, poderoso.

O homem vem se desvirilizando diante dessas mulheres poderosas?
 Creio que está ocorrendo a virilização da mulher. Portanto e, relativamente, o homem perde o poder da masculinidade, da força e da potência. Não é algo racional. Se a mulher deixa o marido cuidando das crianças no fim de semana quando ela tem uma convenção da empresa, ele fica numa posição diferente. É difícil mesmo, para ele, ficar muito macho trocando fraldas, levando as crianças ao banheiro, dando comida ...

Tem jeito de evitar isso?
 Quando a mulher é bem equilibrada, o beneficio de ser independente é enorme. Tenho uma paciente que é jovem, juíza, casada também com um juiz, com filhos. Há uma simetria boa, eles recebem mais ou menos o mesmo salário. Há sintonia total. Apesar de ela ter urna posição de poder, conserva a feminilidade e a beleza que os homens tanto apreciam. Mas, se o marido tivesse um cargo muito inferior, eles teriam problemas. Quando a mulher ganha mais, manda o homem calar a boca porque é ela quem sustenta a casa. O  inverso não acontece, culturalmente a função de provedor é do homem. Além disso, quando a mulher está nessa posição superior, ela se sente no direito de ter amantes, diz que o marido é um bundão. Mulheres se ligam à inteligência, ao poder financeiro, à personalidade forte deles. Se eles não comparecem nesses requisitos, acabam deixando de ser admirados.

Mas não há saída possível quando ela ganha mais? Quais são as opções?
A separação é uma opção.Outra É arranjar um amante ou ganhar alguma deficiência para compensar sua superioridade - engordar, por exemplo. Mas a mulher pode também ajudar o marido a crescer - ela pode ser casada com um professor que ganha pouco, mas que é um cara admirável, inteligente. Todo casal encontra um ponto de equilíbrio, mesmo numa dinâmica neurótica. A vida social ajuda muito. Há casais que quase não fazem sexo, mas conseguem ficar juntos, porque convivem com amigos, viajam juntos, fazem diferentes atividades. Encontrar prazer nas atividades do dia a dia também ajuda.

E as mulheres bem-sucedidas ainda têm de buscar equilíbrio no resto da vida ...
É preciso ter um objetivo claro na vida, cumprir o que se propôs fazer: ter uma atividade física ou cultural, uma vida social. Sempre lembrando que respeito e admiração são conquistas, não dá para impor nada a ninguém. Quando as coisas são espontâneas, não é complicado, flui. O  homem também é sobrecarregado, a vida moderna sobrecarrega a todos. A mulher não á a vitima especial do momento.

Mas o tempo para essas mulheres é algo muito precioso. A sensação é que ele sempre falta, certo?
Uma boa agenda facilita a vida de todo mundo. Sei que não é fácil para quem tem filhos pequenos, mas planejar é imprescindível. Essa angústia da falta de tempo é um tema recorrente entre os meus pacientes. Normalmente, os homens são mais organizados. Mas insisto que as mulheres podem aprender a se planejar.

E a culpa? É um tema frequente também?
Sim, e aquelas que trabalham  muito são as que se sentem mais culpadas. Às vezes, a culpa tem mesmo fundamento, especialmente quando elas trocam a atividade maternal pela profissional. Os filhos precisam das mães. Não digo uma mãe que fique o dia inteiro lavando roupa. O filho precisa de uma mãe companheira, próxima. E elas se culpam porque o filho não é o melhor aluno,da escola ou porque ele experimenta álcool ou drogas. Um filho problemático, inexoravelmente, gera culpa na família. Mas a culpa é parte integrante do ser humano - para Freud, ela é essencial, faz parte da cultura do ser humano. De algum modo, todos os seres humanos têm aquele sentimento de que fizeram algo errado. Não necessariamente por causa da igreja. É algo que estÁ relacionado com a condição humana.

O que pode servir de alivio para essa culpa intrínseca ao ser humano?
Primeiro, relativizá-Ia, porque, quanto menos culpa sentimos, maior a capacidade de sermos felizes. Se a pessoa faz coisas boas para ela mesma, para a família e para os amigos, não há razão para a culpa Se a pessoa lê, estuda, se dedica à família, a culpa é menor. Uma coisa é certa: fazer o bem faz bem.
                                                                Revista LOLA, nº 7, abril de 2011.

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