quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

FELIZ ANO NOVO !

      Vamos desdobrar o título acima. Feliz pressupõe felicidade. Aqui já começamos a ter um problema. O que é ser feliz? Depende de muitas variáveis como idade, situação econômica, estado civil, saúde. Uma criança poderia ser feliz com um sorvete. Um jovem com uma bike. Um adulto com um abraço da pessoa amada. Um idoso com um almoço com a família. Das cavernas até agora, nossa percepção de felicidade tem mudado drasticamente.
       O que é mesmo ser feliz hoje? Voltemos ao título. Um ano são 365 dias. Óbvio? Nem tanto, pois vivemos o aqui e agora. O passado não existe a não ser quando voltamos a ele para aprender com nossos acertos e erros. O futuro não veio a não ser quando sonhamos e planejamos. Qual o tempo que interessa para a nossa felicidade? Quantos minutos, horas, são necessários para que vivenciemos um sentir-se feliz? Nós queremos a felicidade todo o ano ou quando possível?
       E a última palavra do título é a mais instigante pois nos mostra a necessidade de mu-
dança, de transformação, de reforma íntima, de renovação. O novo novamente! Meu dese-
jo é que cada um possa ser feliz do jeito que der. De preferência, com mais espiritualida- de. Com mais amorosidade pelo outro e por si. Contemplar o Universo e o átomo como essências de mesma causa. Ser feliz como os lírios do campo o são. Como os pássaros que nos encantam. E quando decidires pela felicidade, esse será o momento certo de acreditar mais em si, na potencialidade para mudar, na possibilidade de fazer o bem.
      Espero que, de novo, no próximo ano, prometas que vais realizar um monte de coisas.
Mas o meu desejo mesmo é de que pelo menos uma promessa possas cumprir: ser feliz!
Feliz Ano Novo!


           (José Otávio Binato – Diário de Santa  Maria, 27/12/2015)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O BOM SAMARITANO

  
     A maioria de nós já entrou em contato com a parábola do Evangelho que fala da caridade. Ela é de grande profundidade e, ao mesmo tempo, de uma simplicidade que a faz permanecer atualíssima para todos nós.
 Na parábola, os dois primeiros não percebem a oportunidade de fazer o bem. É o samarita-no que usa da piedade ao olhar aquele ser humano que sofrera o assalto e se encontrava com dores físicas e psíquicas, sem poder se levantar sozinho. Abandonado pelo caminho, como muitos de nós que estamos órfãos, carentes, sem afeto. Alguns de nós, estamos tão doentes que nem se doar ao próximo é uma possibilidade.

  Ficamos à beira do caminho, como dizia Erasmo Carlos, sentados, à espera de que um bom samaritano seja tocado de piedade e nos levante. Muitos, nesse momento, não tem noção de crise, de escândalos, de corrupção, de chacinas. O que desejam é alguém que lhes possa a-judar com um curativo de afeto. É claro que precisam de ajuda material. Mas todos estamos necessitando é de esperança, de tolerância, de amor, de perdão, de fé. E foi o que o nosso bom samaritano fez, não só colocando o irmão em sofrimento no aconchego da hospedaria, como deixou paga a estadia para vários dias. E disse-lhe: eu voltarei! Como Jesus tem voltado em todas as horas deste momento difícil e tem nos solicitado que não só o convidemos para o seu aniversário mas que permaneçamos com Ele em nossos corações e atitudes em todas as horas de nossas vidas. Jesus não mais na cruz do sofrimento, mas de braços abertos em direção ao próximo.
    Abra seus braços e sua alma nesse fim de ano e abrace a quantos puder. Deixe seu sorriso se confundir com o seu amor. Deixe-se embalar pela canção da esperança de um mundo melhor. Bom Natal!

          (José Otávio Binato - Diário de Santa Maria, 20/12/2015)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

CARTAS, MANOBRAS E CABEÇADAS: A PEQUENA POLÍTICA VENCEU

     
      A pequena política triunfou. O conceito cunhado pelo filósofo Antonio Gramsci explica o que se passa hoje no Brasil. Trata-se de um tipo de política engendrada nos corredores do Parlamento e dos palácios, às escondidas, em conluios obscuros, repleta de intrigas e traições, reduzida a uma luta de facções por cargos e nacos de poder. É a antípoda perfeita, o oposto absoluto da grande política, aquela que se propõe a discutir os fundamentos da ordem social e formular projetos estruturais para o país. Só a grande política seria capaz de refundar o Estado, com a proposição de uma nova visão de mundo         
     Em vez disso, a semana que passou nos deu a noção exata do grau de mediocridade da fornada de políticos mais tacanha e obtusa que o Brasil já produziu. Três episódios foram especialmente constrangedores, e têm apenas a vantagem de desmascarar seus protagonistas. A carta do vice-presidente da República, fingindo beicinho para conspirar, as manobras protelatórias do presidente da Câmara Federal, usando seu cargo para inviabilizar a investigação contra ele no Conselho de Ética da casa; e a escaramuça dos deputados durante a votação secreta para a eleição da comissão do impeachment, com troca de insultos, empurrões, sopapos e cabeçadas entre suas excelências.
    É importante deixar claro que a contraposição entre a pequena política e a grande política nada tem a ver com a distinção entre progressistas e retrógrados, ou entre esquerda e direita. O que se compara aqui é a ocultação de interesses e a disposição sincera ao diálogo, a indigência teórica e o brilho de novas formulações, a mera técnica de obtenção de maioria parlamentar e a elaboração de projetos de país. A vitória da pequena política tem um pouco a ver com a distinção feita por Max Weber entre os políticos que vivem "para a política" e os que vivem "da política". Basta olhar para o que se transformou, hoje, o PMDB. Um partido que já foi protagonista da mais alta política, sob o comando de líderes da estatura de um Ulysses Guimarães ou de um Miguel Arraes, é hoje capitaneado
por figuras como Eduardo Cunha e Renan Calheiros.
     O partido da presidente Dilma padece do mesmo mal. Para quem já teve um Florestan Fernandes ou um Plínio de Arruda Sampaio em seus quadros parlamentares, dá vontade
de chorar ao ouvir a retórica de "líderes" como Siba Machado e Delcídio do Amaral que, aliás, já saiu de cena pelas razões conhecidas. Ao aceitar as regras do jogo parlamentar do troca-troca, aderindo à pequena política como estratégia para governar, o PT de Dilma renunciou a qualquer projeto de transformação social, submetendo-se ao contrapeso de aliados interessados em perpetuar o atraso histórico que nos mantém atados à desigualdade iníqua que aprofunda o abismo entre ricos e pobres. É o preço que a presidente tem de pagar. Mesmo sem ter nenhuma prova contra ela, corre o risco de enfrentar um processo de impeachment. A não ser que se convença, finalmente, de que
só a grande política pode salvá-la.


  (Marcelo Canellas -  Diário de Santa Maria, 13/12/2015)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

100 ANOS DE UM MITO DA NOITE

    Se alguém contar a história dele, vão achar que é mentira. Afinal, nasceu em Santiago do Boqueirão, era branquelo de origem italiana, nunca conheceu o morro e, mesmo assim,
dizia ser sambista. Nunca tomou um porre, mas se considerava boêmio das noites estreladas, ou boêmio "de família". E foi inspirado na Lua, a qual chamou de Pandeiro de Prata, que ele provou o improvável: podia, sim, nascer no interior do Rio Grande do Sul um sambista de primeira. Nasceu, cresceu e brilhou, entrando para a história do samba e da música popular brasileira, misturando o tango de Gardel com o samba de Noel Rosa.Ele é o santiaguense T ülío Piva, que é considerado o segundo maior sambista gaúcho, ficando atrás apenas de seu amigo Lupicínio Rodrigues.

No Boqueirão de Santiago
   Tudo começou no inicio do século 20, em Santiago. Túlio era um dos quatro filhos do italiano José Piva com Almerinda Simas, prima de Adelmo Simas Genro, pai do ex- governador Tarso. Os Piva eram uma família próspera, dona de drogaria e de fábrica de sabonetes em um prédio novo, no Centro, ao lado do casarão da família, preservado até hoje.
    Túlio nasceu em 4 de dezembro de 1914 ou 1915. Na certidão, consta 1914, mas em todos os outros documentos, ele colocou 1915, não se sabe o motivo. Por isso, a família adotou 2015 para festejar seu centenário.

Primeiros passos na música
    O jovem começou a brincar com a música na infância, aprendendo gaita de boca aos oito anos, e flauta, aos 12. Túlio estudou um ano em Santa Maria, no Colégio Fontoura Ilha, e três anos em Porto Alegre, no Anchieta, onde começou a arranhar o violão, instrumento que aprendeu sozinho. Voltou para Santiago, onde trabalhava no comércio da família e aproveitava as horas livres para escutar tango em rádios argentinas, como a Belgrano.
   - Ele era amigo do médico e poeta Aureliano de Figueiredo Pinto. O Aureliano fazia os poemas, de madruga- da, e, pela manhã, entregava os originais, à mão, para o Túlio Piva escrever na máquina datilográfica. O Túlio me contou que fazia isso com uma condição, de que ficasse com os originais. Ele guardou isso por muito tempo e, quando o Aureliano morreu, entregou os escritos à mão para os filhos do Aureliano - conta Kenny Braga, ra- dialista e autor da biografia de T MO.

Os primeiros sambas
     Em Santiago, Túlio já participava de serenatas e concursos. Apaixona- do por tango, o santiaguense se maravilhou pelo samba ao ouvir, pela primeira vez, Noel Rosa, na Rádio
Nacional. Começou a compor sambas em 1938. E já em 1940, no ano em se casou, em Santiago, compôs seu primeiro samba famoso, sem nunca ter conhecido o morro: a música Tem Que Ter Mulata. Em 1942, veio sua primeira grande frustração. Enviou essa composição para um concurso da Rádio Nacional do Rio, que acabou respondendo com um selo de "Recusada". Isso mexeu com Túlio, mas foi essa a música que primeiro fez sucesso nacional, após ser gravada por Caco Velho, nos anos 1950. Depois, foi regravada
até na Rússia. Túlio contava que teve a grande emoção ao, andar por Montevidéu, num Carnaval, ouvir Tiene de tener mullata.
    - Ele tinha uma maneira de compor única. Tem Que Ter Mulata é um samba com marcação quase tangueira. A batida de violão dele, até hoje não vi ninguém fazer nada parecido. É uma batida cheia, percussiva, que preenche todos os elementos do samba. Essa é a grande marca do Túlio - diz o neto Rodrigo Piva, que vive em Florianópolis com o irmão Rogério, também músico.

De  Porto  Alegre  ao  estrelato
     Nos anos 1950, Túlio passou a viver cada vez mais dedicado à música. Aos 40 anos, como sabia que Santiago era pequena e longe demais das capitais para seu samba brilhar, ele convenceu a família a vender tudo e a se mudar, de mala e cuia, do Boqueirão para Porto Alegre. Em 1955, na Rua da Praia, abriram a Drogaria Piva, que passou a ser ponto de encontro de sambistas. Túlio compôs muitas músicas lá. Começou a participar de programas de rádio e, na Gaúcha, conheceu a também iniciante Elis Regina, que pouco depois gravou duas músicas de Túlio em seus primeiros discos: Silêncio e Mundo de Paz.

Pandeiro de Prata
    Em 1968, Túlio já ganhava fama e reconhecimento como compositor, mas foi esse o ano de sua maior emoção e de sua consagração. Inspirado na Lua, o boêmio cantou Pandeiro de Prata no 2º Festival Sul Brasileiro da Canção Popular, em Porto Alegre. Desde a primei-
ra apresentação, o público cantou junto. Mas na final, a multidão que lotava o ginásio cantou o bis três vezes. Túlio venceu ,e saiu carrega- do pelo povo. A vitória o classificou
à final nacional do concurso Brasil Canta no Rio, da TV Excelsior, no Maracanãzinho, no Rio. Tida como favorita, Pandeiro de Prata perdeu. Reza a lenda que o som foi "sabota- do" e o público mal ouviu a música. Mesmo assim, ele ficou conhecido no país. Vários cantores gravaram suas canções aqui e no Exterior. Fez muitos shows pelo interior. Em Santa Maria, o primo Adelmo Simas Genro arrumava os shows.

Gente da Noite
    Sambista famoso, nos anos 1970, Tulio chegou a concorrer a vereador da Capital, em 1972. Depois, decidiu viver só da música. Fechou a Drogaria Piva para se dedicar a dois bares. Primeiro, o Pandeiro de Prata e, de 1975 a 1985, comandou o Gente da Noite, na Cidade Baixa, que virou referência em samba. Os principais sambistas e músico do Brasil, quando iam a Porto Alegre, passavam por lá e acabavam dando uma palinha ou iam ver Túlio. Foi assim com Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Jamelão, Baden Powell, Germano Mathias, Luiz Vieira, Luiz Américo, Os Originais do Samba, Simonal, Demônios da Garoa, Nelson Ned e Benito de Paula.
    Nesses 10 anos, Tulio cantava no bar quase todas as noites junto a Eneida Martins, com quem gravou três de seus quatro discos. A casa lotava e chegava a abrigar 400 pessoas. Mas quando a esposa Eloíza mandava, ele ia embora sem chiar. O bar fechou em 1985, pois a rotina era desgastante.
    - Fechei porque cansei do dia. Eu tinha de fazer tudo: pagamentos, compras e aquilo me esgotava - disse Tulio, em 1988, à Zero Hora.

A luta contra o câncer
    No livro Aqui me Tens de Regresso - Contos e Causos de um Boêmio Safado, o genro e escritor Jayme Camargo Piva lembra emocionado dos últimos anos de vida de Túlio e da luta contra um câncer de intestino. Para preservar a família do sofrimento, só Jayme e Túlio sabiam da doença e da gravidade que o caso foi tomando. Após a cirurgia, Jayme o acompanhou às infindáveis sessões de químio e presenciou as tentativas desesperadas
de cura, em que Túlío tomava até chapoeiradas e procurava curandeiros. O sambista ainda cantou junto com os netos Rodrigo e Rogério, no show em sua homenagem, organizado pelo Bando Barato pra Cachorro, em 1991. Mas em 1993, foi internado no hospital São Lucas, da PUC, e, dias depois, faleceu.
     Jayme lembra, no livro, que, ao entrar no hospital, Túlio foi recebido com uma emocionante homenagem. Uma das enfermeiras era Maria Helena Andrade, grande cantora da noite gaúcha. Ao leva-lo para fazer um exame, ele foi recebido por um coro de funcionários do hospital, que cantou seus sambas para tentar alegrá-lo.


  (Deni   Zolin -  Diário de Santa  Maria, 28 /29 de novembro de 2015)

terça-feira, 27 de outubro de 2015

A DOR DO OUTRO


 Tirar o foco do próprio umbigo e perceber o sofrimento de quem está ao nosso lado tem poder transformador: nos leva à reflexão e ainda joga luz sobre nossas questões.
                                                                             IRACY PAULlNA
     Sabe quando nos olhamos no espelho para ver se a roupa ficou boa? O reflexo gera uma reflexão sobre o visual - que pode ser mudado ou mantido. Com nosso estado de espírito, o processo é semelhante. Às vezes, precisamos que um fator externo revele nossos sentimentos e nos leve a avaliar a vida. Um livro tem esse efeito, assim como um filme, mas, às vezes, é a dificuldade vivida por alguém próximo que causa o impacto. "Toda evolução pessoal acontece com base na troca. Ao olharmos para fora, damos de cara com o diferente e com a possibilidade de sermos melhores", afirma a psicoterapeuta Adelsa Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Psicodrama de São Paulo. O meca-nismo é simples: ouvir outro ponto de vista ou presenciar um jeito distinto de se comportar desencadeia questionamentos internos. É preciso estar aberta a essa interação, trabalhar a empatia. Ainda que sua história não seja igual à da ou- tra pessoa, há algo que as une. ''As ferramentas de superação costumam ser as mesmas, como persistência, coragem, senso de humor. E podemos aprender com alguém como lançar mão delas", explica a psicóloga Márcia Orsi, do Instituto Terapia Sistêmica, de São Jo- sé do Rio Preto, interior de São Paulo. Ao acompanhar o processo de cura do outro, você também inicia uma revo-lução interna. As histórias a seguir mostram como o exercício pode ser transformador.
             
"O suicídio do filho de uma amiga me aproximou da minha família"
      A assistente social Eroni Bóbbo da Silva, 47 anos, de São Francisco do Sul (SC), ex-
perimentava as preocupações típicas de uma mãe de dois adolescentes quando recebeu a ligação de uma amiga desesperada. O filho dela, com apenas 21 anos, tinha se suicidado. "Guardei minhas dores em uma gaveta e corri para ela", lembra. Eroni assumiu toda a parte burocrática do sepultamento. Depois, passou a visitar a amiga todos os dias e ajudou até a tocar os negócios da família. Elas tomavam café e almoçavam juntas. O filho da assistente social era muito amigo do menino que morrera. Cresceram juntos, tinham a mesma idade e até o mesmo nome. Ainda nos primeiros dias do pesadelo, sem conseguir
dormir, Eroni sentiu uma onda de gratidão por ter os filhos ao seu lado, saudáveis.
''A partir daí, mudei meus valores", assegura. Ela reduziu a caótica jornada de trabalho para desfrutar mais os momentos em família. "Retomei aquilo que sempre gostamos de fazer e que havíamos deixado de lado por falta de tempo, como ir ao cinema e viajar para o sítio dos avós. Também passei a dizer 'eu te amo' todos os dias", conta. "O ritmo frenético era uma tentativa de proporcionar conforto e bens materiais a eles, mas percebi que o mais importante é partilhar o amor", conclui. Embora hoje vivam em cidades diferentes, as amigas se veem com frequência e estão programando uma viagem.

“A mãe de duas crianças especiais dependentes dela dela me ajudou a valorizar minha rotina.”
     Por morar em Campinas e trabalhar na capital paulista, a representante comercial Karina Ferreira, 37 anos, vivia reclamando. Qualquer um que perguntasse a ela se estava tudo bem ouvia a mesma resposta: "Muito cansada". Ao se tornar voluntária da entidade social Unidos pelo Próximo, porém, a reclamação calou. Ali, conheceu Raquel, 49 anos, mãe de duas crianças especiais totalmente dependentes dela. Acompanhando o esforço daquela mãe para superar tantos desafios, Karina ajudou-a a construir uma rampa em casa para facilitar a circulação dos meninos e conseguiu um padrinho para eles que custeia todo mês as fraldas de que necessitam. As duas se tornaram grandes amigas. Diante de uma realidade tão dura, Karina ficou mais consciente da sorte de ter um filho independente e conseguir trabalhar. "Comecei a dar valor às pequenas coisas e a ser mais empática. Também aumentou minha motivação para realizar as atividades diárias e aproveitar melhor os meus dias", resume. Ela continua cumprindo longas jornadas, mas já não abre mão de encontrar os amigos ou de sair com o marido. "Precisamos aproveitar a vida", diz ela.

"Superei o luto ao conviver com outras viúvas.”
     Há dois anos, Gysele Godói de Oliveira, 55 anos, diretora de escola em São Paulo, perdeu o companheiro com quem vivera durante 26 anos. "Eu me vi completamente sozinha", afirma. Com a única filha já adulta e independente, o casal fazia tudo junto. Seu principal hobby era viajar. "A solidão me deixou desesperada", lembra. Ela então procurou ajuda na terapia. "Fui aconselhada a olhar à minha volta, obser- var quem passava por situações semelhantes." Uma amiga, por exemplo, além de ter perdido o marido, herdara dele muitas dívidas. "Fomos nos aproximando e cheguei a ajudá-Ia financeiramente até que ela se reestruturasse, cortasse alguns gastos e pagasse as contas mais urgentes'" conta a educadora. "Em um primeiro momento, saíamos para conversar sobre os problemas. "Sem conhecer a extensão da dor humana, não sabemos dimensionar quão felizes somos nem aprendemos a lidar com o que nos parece difícil", aponta a psicoterapeuta Adelsa Cunha. Depois, combinamos de mudar o foco, falar de assuntos menos sombrios . conhecer pessoas", diz. Era o toque de que Gisele precisava. Aos poucos, ela conseguiu forças para se recuperar da solidão. "Vi que muita gente estava viajando sozinha e conseguia se divertir. Resolvi me dar uma chance", conta.No começo, sentiu falta do marido, mas foi relaxando. "Hoje, já lido melhor com a situação", admite. O teste de fogo aconteceu há seis meses quando embarcou sem acompanhante em uma excursão que passaria por Paris, Veneza e Grécia. "Tive uma sensação de continuidade,  como se a vida estivesse seguindo seu caminho correto. E fiquei tão amiga da moça com quem  dividi quarto que já estamos planejando a  próxima aventura juntas", afirma Gysele.

‘Uma pessoa com limitações me fez mudar os hábitos de saúde"
     A nutricionista Beatriz Laus, 49 anos, nunca foi muito de reclamar. Catarinense radicada na Holanda com o marido e os dois filhos, ela levava a vida sem nenhuma grande exaltação até começar a fazer trabalho voluntário para a ONG Huvo, que oferece o serviço de passeador de cachorro para quem, por algum motivo, não pode sair com o próprio pet. Por mais de seis meses, Beatriz teve como cliente Susan, 30 anos, vítima de um acidente vascular cerebral que a deixou paraplégica. Toda manhã, a própria Beatriz
abria a porta da casa com a chave que havia recebido de Susan, colocava a coleira na cocker spaniel Moon e a levava para dar uma volta de 30 a 45 minutos. "Conversava pouco com Susan, mas dava para ver que Moon era a alegria de sua vida", lembra a nutricionista. "Depois do nosso encontro, dei mais valor a tudo que tenho, especialmente minha saúde", conta Beatriz, que repetiu o trabalho com outras pessoas atendidas pela ONG. Ela reforçou os cuidados com a alimentação e adotou um cardápio mais saudável.
Também passei a ser mais rigorosa com hábitos nocivos ao corpo, mesmo os pouco frequentes, como a ingestão de bebidas alcoólicas. "Liberdade, tempo e aptidão física são bens imensuráveis. O contato com Susan tornou essa percepção mais palpável", explica. "Comecei à me valorizar, mesmo estando acima do peso, porque vi que tenho sorte por conseguir reverter essa situação", diz. Apesar dos ajustes que fez em sua rotina, Beatriz considera que a maior transformação foi interior: "Hoje em dia, mesmo quando as coisas vão mal, consigo ser consciente e encontrar algo a que ser grata".

“O sofrimento de umagarota vulnerável me levou a querer uma família.”
A baiana Mariana Silva, 35 anos, tinha uma rotina corrida. Casada e sem filhos, se dividia entre três empregos, trabalhando de domingo a domingo. "Eu perseguia a ideia de uma aposentadoria tranquila e esquecia que era preciso ser feliz no presente", conta. Como assistente social na Instituição Beneficente Professor Macedo, que atende crianças que moram na rua, conheceu uma garota de 11 anos e quis adotá-Ia. "Até então, eu nem pensava em ser mãe, mas o sofrimento dela me fez valorizar laços familiares", lembra. Mariana conseguiu a guarda provisória e resolveu engravidar para dar à menina um irmão. A casa ficou mais alegre. Ela matriculou a criança em uma escola particular e em cursos de natação e violão. "Tínhamos uma convivência tranquila e, com o tempo, ela pas-
sou a me chamar de mãe", recorda. Depois de um ano de processo, a família biológica
ganhou de novo a guarda da garota. "Percebi que os sentimentos dela se dividiam entre voltar para casa e a gratidão por mim, mas não queria vê-Ia assim. Então, conversamos e eu disse que entenderia se ela fosse embora", revela a baiana, que não teve mais contato com a menina. Ao mesmo tempo, o casamento de Mariana chegou ao fim. Em vez de desanimar, ela resolveu reorganizar sua rotina ao lado do único filho. "Não achei certo me vitimizar se assistia os outros passando por problemas tão maiores", afirma. Hoje, mantém
apenas um emprego e, mesmo com o orçamento apertado, garante que ganhou qualidade de vida. "Fico mais tempo com meu filho e passei a cuidar de mim: faço ginástica, saio para dançar com os amigos, encaro tudo com mais leveza."

Novo olhar
Mesmo que você não tenha uma história para se inspirar, é possível transformar o modo de enxergar os problemas.

1.Olhe ao seu redor. "Ao perceber que o que acontece conosco não é exclusivo, deixamos de nos vitimizar", observa a psicoterapeuta Maura de Albanesi, de São Paulo.

2.Trabalhe sua empatia, coloque-se no lugar do outro. Valorize a experiência alheia, por mais diferente que ela seja. "A sua dor não é a única", lembra Adelsa Cunha.

3.Aprenda a ouvir. "O outro deve sentir que pode dividir com você o peso de um momento difícil", afirma a psicoterapeuta Sâmara Jorge, de São Paulo.

4.Faça trabalho voluntário. "Além de ajudar o outro, é uma forma de tirar os olhos de si mesma", indica a terapeuta Márcia Orsi.

                    (Revista CLAUDIA, outubro de 2015)






sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A RESPOSTA É SUA

 
   Apoiar-se em amigos é ótimo, mas jamais espere que solucionem seus problemas.

        Sem questionar, é comum depositar nossa salvação, nossa felicidade e nossa segurança no outro. Gostaria de propor a você uma reflexão sobre essa prática e conscientizá-la de que tudo na vida deriva das próprias escolhas. Apoiar-se em amigos e pessoas amadas é importante. Mas jamais espere encontrar neles a solução para seus problemas. Não importa quanto seu coração esteja partido, só você será responsável por consertá-lo.
Conte com seus amigos sempre, cultive suas amizades, mas sem expectativas maiores para sua felicidade. Eles enriquecem nossa vida, mas não podemos depender exclusivamente deles. Contente-se com o que podem oferecer reconheça o que existe de melhor em cada um. Sem fazer cobranças e sem julgamentos. Assim, você não corre o risco de se decepcionar com as pessoas quando não encontrar o que precisa nelas.
Vivemos em um mundo de aparências e condicionamentos que nos são impostos desde o nascimento. Ao nos vermos livres deles, conseguimos entender que os amigos são como nós: seres humanos sujeitos a transformações com o passar do tempo. De alma leve, geramos uma energia de retorno para que aqueles que amamos também nos aceitem como somos e aceitem nossas mudanças durante a vida. Aliás, nos modificamos porque crescemos, porque evoluímos, e esse é o objetivo final da vida, não é mesmo?
Ao controlar eu pensamentos, atos e ações em direção a esse entendimento profundo de que precisa ter amigos, que eles enriquecem sua vida, mas não pode exigir nem esperar nada deles, você aprende a ser autosuficiente. Segundo as antigas escritura indianas, os livros Vedas, a flexibilidade é o segredo da imortalidade. Quando entender que existem dois lados para toda e qualquer situação, você vai achar mais  simples e viável moldar-se à condições estabelecidas pelas circunstâncias.
Ao colocar-se do lado de quem dá apoio, é fundamental reconhecer a sutil diferença entre dar a mão para ajudar alguém e acorrentar essa alma. Sim, porque, se deixamos que outros nos aprisionem, nos tornando dependentes e submissas, muitas vezes fazemos o mesmo com quem está ao nosso redor.
    Portanto faça este exercício: aja e enfrente as consequências advindas de suas ações sem recorrer a ninguém. Treinar a paciência pode ajudá-Ia a seguir sozinha. Procure observar o que acontece à sua volta bem de perto. E também de longe, para depois enxergar os fatos sob outro ponto de vista. Quando menos esperar uma reação do outro, você pode ter grandes e agradáveis surpresas - que alegria sentir um braço amigo a apoiá-Ia, assim, do nada!
Não se esqueça: mais importante que acalentar amigos terrenos é acalentar seu maior amigo, aquele que habita seu coração, companheiro fiel de todas as horas. 

     (Marcia  de  Luca, revista CLAUDIA,  setembro de 2015)


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

CHORAR ERA BOM

        
        Hoje, nos defendemos a tal ponto que fingimos não sentir nada. E, de 

tanto fingir, não sentimos.


     Há quanto tempo você não chora? Muito? Como era bom chorar! Hoje, no máximo, os olhos se enchem de lágrimas - mas só em uma cena emocionante de um filme ou livro. Por nossos sofrimentos, quase não choramos. Às vezes, contando um sonho ao analista, nossos olhos até se enchem, mas aquele choro grande que terminava em soluços e sempre motivava alguém a nos dar um ombro - imediatamente aceito - e nos abraçar forte, esse choro faz tempo. E esse ombro e esse abraço também.
  Nunca se soluça sozinho: há sempre que ter alguém por perto para que o choro saia forte,
sem pudor, bem barulhento e sofrido. É a certeza de que haverá alguém para nos consolar
que permitirá que caiamos em prantos - a não ser quando se é muito jovem, o namorado
desfila com outra em uma festa e é preciso correr para chorar no banheiro.
Mas o tempo passa, e os mais atentos sabem que choramos cada vez menos. Será que é porque já vivemos - ou pelo menos vimos - tantas coisas tristes que chorar, ago- 

ra, só por razões muito, mas muito sérias?

Tem gente que, no lugar de sofrer, fica com raiva - o que, dependendo do motivo, é mais 

saudável. A raiva faz com que você se mexa, pense em uma vingança ou estratégia, faça 
planos, se modifique, passe a ser mais esperta, mais rápida para ver e entender as coisas, mais inteligente e mais lúcida, com os pés mais no chão. Já o sofrimento paralisa
e alguns não conseguem fazer nada além de sofrer. Mas certos sofrimentos têm prazo de 
validade, sobretudo os de ordem sentimental.

     Por que é tão difícil chorar nos dias de hoje? Quando se é criança, até um tombo 

que deixa o joelho ralado faz as lágrimas saltarem. Agora você vê pela televisão a tragé- 
dia dos refugiados da África, se horroriza, mas não chora. Será um problema orgânico? 
Antes, o choro vinha tão fácil que era obrigatório para as mulheres levar um lencinho na 
bolsa. Atualmente, a não ser em caso de fortíssimo resfriado - e para isso há os lenços de 
papel. Aqueles de cambraia, com o monograma bordado, não existem mais - se você qui
sesse comprar alguns, será que alguém poderia indicar um bom endereço?

Antigamente se chorava de tristeza quando um amigo viajava, de emoção quando ele voltava, até de saudade se chorava. É bem verdade que o telefone e a internet ajudam a atenuar esse tipo de sentimento. Assim, a pa- lavra saudade - que se dizia com orgulho que só existia na língua portuguesa - vai acabar saindo do dicionário. E alguém tem tem- po de sentir saudade de alguma coisa nessa correria?
Mas estou sendo injusta: se de uma coisa se tem saudade, é do tempo em que se chora- 

va. Não das razões que levavam a isso, mas da capacidade não só de sentir como tam
bém de demonstrar. Hoje nos defendemos a tal ponto que fingimos não sentir nada
E, de tanto fingir, acabamos não sentindo mesmo. O coração vai virando uma pedra, sem sofrimento, mas também sem ternura, amizade, carinho, bondade, solidariedade
E, para não sofrer, descartamos da vida também o amor, é claro. Boas razões, aliás
para cair no choro.  


                                   (Danuza  Leão, CLAUDIA,  setembro de 2015)