quarta-feira, 19 de setembro de 2012

LOJA DOCE


 Andava eu pela estrada da vida tempos atrás quando certo dia vi um letreiro que dizia:  “Loja do Céu”.
Quando me aproximei, a porta se abriu...e quando me dei conta já havia entrado.
Vi grupos de ANJOS por todos os lados!
Um deles me deu uma cesta e disse: ”Filho meu, compre tudo o que quiseres, nesta loja há  tudo  de que um Cristão necessita...”
 ...E o que não puderes carregar hoje, podes voltar amanhã e levar sem problemas”.
Comecei pegando PACIÊNCIA e logo em seguida AMOR, já que estavam na  mesma prateleira.
Mais adiante estava a COMPREENSÃO  e também a comprei;  iria precisar dela aonde quer que eu fosse...
Comprei, também, duas caixas de SABEDORIA e duas sacolas de FÉ.
Não pude deixar de lado o ESPÍRITO SANTO, pois que estava em todo o lugar...
Me detive por instantes para comprar FORÇA e CORAGEM, pois,  me ajudariam muito  na jornada da vida.
Quando eu já tinha quase a cheia a cesta, lembrei-me que me fazia falta um pouco   de GRAÇA e BENDIÇÃO...
E que não deveria me esquecer da SALVAÇÃO.  Esta, a loja oferecia GRATUITAMENTE!!! Então peguei uma generosa porção de cada uma:
O suficiente para salvar-me e para salvar-te!
Caminhei em direção ao caixa  para pagar a conta, já tinha tudo para fazer  a vontade do MESTRE
Foi quando vi a ORAÇÃO  e a agreguei à minha cesta já repleta.
Sabia que quando saísse eu a usaria...  a PAZ e a FELICIDADE  estavam em pequenas prateleiras, e aproveitei para levá-las também;
a ALEGRIA pendia do teto,  agarrei um pacote para mim.

Cheguei ao caixa e perguntei: Quanto devo?
Ele sorriu e me respondeu: “Leva a tua cesta aonde quer que vás...”
Uma vez mais, sorri e perguntei:  “Quanto realmente eu devo?"
Ele sorriu outra vez e disse:  ”Filho meu, não te preocupes,  Jesus pagou a conta há muito,   muito tempo atrás".
       
    "Tudo o que pedires em oração,     
      com fé, o receberás".   (Mateus,21:22)


domingo, 16 de setembro de 2012

OS OUTROS SÃO O MELHOR ASSUNTO


   Escritor americano afirma que fofocar é uma inclinação natural humana - e isso não é necessariamente ruim. Por Letícia Sorg.

  O ensaísta americano Joseph Epstein é um estudioso das características universais dos seres humanos. Já escreveu livros sobre a amizade, a inveja e a ambição. Em sua obra mais recente, Gossip (Fofoca), afirma que falar das pessoas - na ausência delas - é uma dessas inclinações naturais. ''A única coisa errada com o Jardim do Éden é que não havia ninguém sobre quem Adão e Eva pudessem fofocar", diz Epstein, em tom bem-humorado. Na sociedade contemporânea, não só há material suficiente para fofoca - somos 7 bilhões de pessoas -, como também um novo meio, a internet, que torna públicos os comentários antes restritos a um pequeno círculo.
  Nesta Entrevista a ÉPOCA, Epstein discute essas mudanças e os lados positivos e negativos desse hábito tão humano.

Por que a fofoca é algo universalmente humano?
Não há assunto mais interessante que as outras pessoas. Analisar seus erros, suas pretensões, suas hipocrisias. É muito difícil evitar a fofoca. Não tive de correr atrás do assunto desse livro. As pessoas me ligavam para contar fofocas interessantes!

Mas o que é fofoca?
Ao longo do livro, uso várias definições. A primeira considera fofocas os comentários sobre pessoas de nosso círculo - não sobre celebridades. Outra definição é do colunista Earl Wilson: "É ouvir algo de que você gosta sobre alguém de quem você não gosta". De fato, não gostamos de ouvir fofocas sobre nossos parceiros, pais, filhos...

O conceito de fofoca mudou ao longo da história?
A fofoca começa como algo pessoal: pessoas falando sobre seus amigos ou inimigos nas pequenas cidades, nos vilarejos. Em algum momento do século XVII, quando a imprensa foi inventada e logo depois vieram os jornais, fofocar era falar dos ricos, dos nobres, das pessoas em posições de destaque. A fofoca começou a ser menos sobre pessoas e mais sobre celebridades e, com o jornal, tornou-se mais pública que privada. Agora, com a internet, há fofoca pública sobre pessoas privadas. A fofoca começou como algo privado, tornou-se público e virou algo privado com alcance público. É uma grande mudança, que traz vários riscos, porque fica mais difícil se livrar de uma fofoca que se espalha on-line

Isso quer dizer que a influência da fofoca aumentou?
A fofoca na política é algo cada vez maior. O vazamento de informações com a intenção de destruir quem ocupa altos cargos é uma forma poderosa de fofoca. A fofoca não é uma ocupação trivial, ela tem consequências. No início, era vista como algo praticado por donas de casa, trivial, mas isso nunca foi verdade.

Mas a imagem da fofoca ainda está muito atrelada às mulheres...
Há estudos que mostram que isso não é verdade. Os homens têm tanto apreço pela fofoca quanto as mulheres. É um quesito em que há igualdade de sexos! Gosto mais de fofoca que minha mulher, confesso. Sei que há pessoas que diriam: "Não quero ouvir se for fofoca". Mas ser assim é também perder várias informações importantes.

De que tipo de fofoca o senhor gosta?
A fofoca tem uma reputação muito má porque pode ser perversa. Esse tipo de fofoca não me interessa, pessoalmente. Tenho um amigo, que morreu recentemente, que morava em Londres e me ligava no meio da manhã perguntando: "Com quem será que Fidel Castro está saindo?" Isso não tem nada de perverso. Gosto de fofocar a respeito das falhas de caráter das pessoas, suas vaidades, suas hipocrisias.

A fofoca tem lados positivos?
O ponto positivo mais fundamental é manter as pessoas dentro de certos limites. Se elas temem ser alvo de fofoca, podem tentar evitar ter um caso extraconjugal, vão pensar na reação da comunidade. Outro aspecto bom da fofoca mostra-se no trabalho. Se alguém está tentando uma promoção dentro da empresa, pode ser útil ter informações sobre os outros candidatos, inclusive se um deles está dormindo com o chefe ou se outro teve um colapso nervoso. Mas há também um lado trapaceiro: um assunto ser fofoca não significa que ele seja verdadeiro - ou falso. É sempre preciso verificar sua veracidade, avaliar se a fofoca é plausível e perguntar-se quais as motivações de quem a contou. Há uma imensa variedade de motivos para contar uma fofoca. Para se vingar, para contar vantagem e até para jogar charme - fofocar é uma atividade íntima. Quando duas pessoas que não se conhecem se encontram, um primeiro impulso é fofocar sobre os possíveis assuntos de interesse. É uma sutil transação social.

Hoje, as pessoas revelam tanto de sua vida nas redes sociais e em blogs que parece não haver mais segredos sobre os quais fofocar.
Coisas que um dia foram fonte de vergonha hoje são assuntos de livros de memória. Meu pai abusou de mim, minha mãe era alcoólatra, meu irmão é pedófilo... Cinquenta anos atrás, quando essas coisas aconteciam, as pessoas queriam bloqueá-las de sua vida, que dirá então da vida das pessoas próximas. Agora, tudo se tornou material de memórias. Isso acontece por causa do que chamo de "triunfo da terapia". Hoje a pior coisa, segundo a psicoterapia, é reprimir-se. Então, as pessoas revelam informações M que antes criavam uma desgraça social. Não estou muito  certo de que isso seja um progresso.

 Revelar mais informações sobre si próprio estimula a fofoca ou ajuda a preveni-Ia?
 Se alguém escreve em suas memórias que sofreu abuso sexual, de certa forma evita que outras pessoas fofoquem a respeito. Os outros só podem se sentir tristes pelo que aconteceu.

Qualquer assunto se presta a fofoca?
 Mesmo hoje em dia, em que há mais notícias sobre o e assunto e muito mais tolerância, o sexo continua o principal tópico das fofocas. Está nas manchetes de todos os jornais americanos. O escândalo do ex-presidente do FMI Dominique Strauss-Khan, acusado de estuprar uma camareira, o escândalo do pré-candidato republicano Herman Cain, É acusado de assediar sexualmente várias mulheres... Mas há outros grandes temas: qualquer coisa relacionada ao poder e à hipocrisia, principalmente daqueles que se arrogam princípios morais muito elevados e revelam não ter nenhum.

 Existem pessoas que conseguem não fofocar sobre nada
É uma questão de padrões morais muito elevados. Houve um tempo em que as pessoas não fofocavam tão abertamente, que mulheres de classe média não falavam sobre sexo. No máximo, diriam: "Eles estão tendo um caso!': Hoje, como menciono em meu livro, a biografia da princesa Diana feita por Tina Brown diz que o divórcio entre ela e Charles aconteceu porque a princesa se recusava a praticar alguns "favores sexuais". Isso soaria tão ultrajante há alguns anos! Ninguém teria sussurrado isso, quanto mais publicado em livro! É uma fofoca cuja veracidade não conseguiremos checar. Essa é uma mudança social muito grande.

Mas falar mais de um assunto que antes era tabu, como sexo, não é algo positivo?
É sempre difícil decidir. Nos Estados Unidos, o ex-residente Franklin Delano Roosevelt teve um caso extraconjugal durante o mandato com uma mulher chamada Lucy Mercer Rutherfurd. Todos os jornalistas que trabalhavam Em Washington sabiam. Mas achavam que não deveriam publicar essa informação porque a Presidência era uma instituição e Roosevelt era um grande homem. Por que, então, derrubá-lo? Era sua vida privada e não parecia estar afetando seu trabalho. Ninguém falou do assunto até 50 anos depois de sua morte. Hoje temos o presidente Bill Clinton e o escândalo com Monica Lewinsky. A esfera que protegia o presidente só quebrou no governo de Lindon Johnson e, depois, no de Richard Nixon. Havia um sentimento tão forte contra a Guerra do Vietnã nos Estados Unidos e uma sensação tão forte de que o presidente estava enganando os jornalistas, que estes começaram a publicar tudo o que conseguiam contra o presidente. Uma vez que isso aconteceu, o líder dos Estados Unidos não estava mais a salvo de fofocas e especulações.

Isso quer dizer que estamos caminhando para um mundo com mais fofocas?
A fofoca pode ter seu charme, pode entreter, pode dar prazer, mas, se houver só isso, rebaixa o tom da comunicação da sociedade. Fofoca, como sexo, é um ótimo esporte para lugares fechados, mas não queira fazer mais do que pode. Quando a fofoca domina a política, o jornalismo, o entretenimento, de repente a sociedade desce um degrau na escala da dignidade, da privacidade.

Em seu livro. o senhor "fofoca" sobre sua própria vida familiar e revela um segredo que sua mãe guardou toda a vida. Por que decidiu fazê-lo?
Pensei em contar essa história porque ela ilustra como o mundo mudou. Ao contá-la, vejo como minha mãe foi heroica em guardá-la - e como não sou igual a ela. Minha mãe não contou a meu pai, o homem que ela amava, que o pai dela, meu avô, havia se suicidado. Se fosse hoje, essa informação seria revelada no segundo encontro. E isso é muito revelador do tempo em que vivemos. Minha mãe era uma pessoa muito equilibrada, mas suponho que guardar esse segredo por toda a vida lhe causou sofrimento.

(Revista ÉPOCA, janeiro de 2012)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

VICIADOS EM INTERNET


Sou noturno. Gosto de escrever até de madrugada. Entro na internet em horários variados. Há gente que, seja qual for o horário em que apareço, permanece on-line. Em todas as redes sociais ao mesmo tempo! Recentemente conversei pelo Facebook com um rapaz de Belo Horizonte, de 25 anos. Não consegue arrumar emprego nem amigos. Confessou: "Só falo da minha intimidade quando abro a webcam". Um diretor de uma multinacional, divorciado e sociável, lamentou-se:A maior parte dos meus antigos amigos hoje em dia só se relaciona pela internet.
  O ciberviciado entra em síndrome de abstinência se não estiver plugado. É fácil reconhecê-lo: em locais públicos tecla nervosamente o celular à procura de uma conexão. Assume uma expressão de alívio quando consegue trocar duas ou três palavras com alguém que nem sequer conhece pessoalmente.
    Eu mesmo já me aproximei perigosamente do cibervício. Houve uma fase em que sentava para escrever e passava horas trocando e-mails, no Twitter, MSN, Facebook. Reconheço um saldo positivo: são inúmeras as pessoas com quem estabeleci uma sólida amizade. Com um toque gastronômico, admito. Uma amiga mineira, outra paraense, senhoras do interior de São Paulo, todas habituaram-se a me enviar vidros de compota, bombons de cupuaçu e uma infinidade de delícias. Como conheceria damas tão dedicadas a me engordar sem o Twitter? Na época, porém, minha produção literária diminuiu fragorosamente. Ainda adoro as redes sociais, mas me contenho. Boa parte dos autores sofre a tendência. A palavra escrita é nosso meio de expressão. Nas redes sociais, eu me torno muito mais sedutor que ao vivo, com minha estatura mediana, barriga proeminente e óculos de míope.
    Bate-papos na web, com todas as fantasias decorrentes, são uma isca para os artistas. Tolstói não teria escrito Guerra e paz nem Proust Em busca do tempo perdido se tivessem computador. Prefiro não citar nomes, mas alguns escritores famosos que conheço leem e produzem menos do que antes porque ficam se divertindo na web.
    Para algumas pessoas, o uso contínuo da internet tem impacto no trabalho, nas relações de amizade e também nas afetivas. A pesquisadora americana Kimberly Young fundou o Center for Online Addiction, em Bradford, na Pensilvânia, para tratar ciberviciados. Como nos EUA existem grupos para tudo, lá funcionam os de apoio para ciberviúvas - esposas de viciados em relações amorosas, pornografia ou apostas pela internet. A compulsão já é tratada em vários outros centros especializados dos EUA. O fenômeno é mundial. O hospital londrino Capio Nightinsale também oferece sessões de terapia a jovens viciados ao computador. Na Coreia do Sul, o tratamento procura estimular as relações face a face e trabalhos manuais, para criar outros interesses entre os ciberviciados. Desde 2008 o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo iniciou o tratamento de jovens com dependência tecnológica, incluindo em videogames.
    Os casos mais sérios de que tive conhecimento acontecem no Japão. Existem pessoas que moram em lan houses!  Explico: em Tóquio, há lan houses com espaços privativos.  A pessoa chega de mochila. Pendura-se no computador noite e dia. Dorme algumas horas num colchonete e volta a viver no fantástico mundo da web. Quando sai, leva tudo o que tem na mochila. Alimenta-se, arruma dinheiro de algum jeito e volta a se instalar na lan house de sua preferência.
    Muitos pais se negam a acreditar nos perigos da internet porque, afinal, o adolescente está sob seus olhos, dando uma falsa impressão de segurança. Foi o caso de uma amiga carioca. Sua filha passava horas on-line. A mãe orgulhava-se do empenho da garota. "Talvez ela estude informática!", dizia. Há dois meses a menina, menor de idade, fugiu de casa. Desesperada, a mãe descobriu que ela estava num site de relacionamento com o sugestivo apelido de Safadinha.
    São raros os pais que detectam quando o adolescente começa a usar drogas tradicionais. O cibervício também é enganador. Pais tendem a acreditar que mexer com computador é sinônimo de inteligência. Preferem o adolescente em casa que na balada. É um erro. No mínimo, os ciberviciados afastam-se do convívio social importante para sua formação. Há quem diga que o viver on-line é tão perigoso quanto consumir cocaína ou qualquer outra droga. Talvez seja exagero. Mas o cibervício pode afetar perigosamente a vida do dependente e destruir sua qualidade de vida.

( Walcyr Carrasco é jornalista. autor de livros,peças teatrais e novelas de televisão. Revista ÉPOCA, janeiro de 2012.)



segunda-feira, 10 de setembro de 2012

SEJA DONO(A) DO SEU TEMPO

     Os dias parecem curtos para tantas tarefas? Você vive afobada e frustrada? Aqui, especialistas ensinam a gerenciar a agenda para ter um cotidiano mais eficiente, mais humano e mais feliz.
Por Dagmar Serpa.

    
  Ter mais tempo para as coisas importantes da vida é o terceiro maior desejo dos brasileiros, de acordo com uma pesquisa realizada sono começo deste ano em diferentes regiões de do país. Na outra face da mesma moeda, a cc falta de tempo é a terceira maior preocupação, atrás das finanças pessoais e dos rumos da carreira. Basta olhar para a própria rotina e também a alheia para constatar que, de fato, uma agenda mais equilibrada virou gênero de primeira necessidade com pouca oferta no mercado. E todo mundo anda trabalhando e correndo demais - e se frustrando com isso. Afinal, o que está havendo com o relógio?
    "É óbvio que as horas não estão passando mais rápido. Então, são as pessoas que estão usando mal o tempo, lotando-o com coisas que não têm relevância", decreta Christian Barbosa, um dos maiores especialistas nacionais no tema, diretor da Triad PS, consultoria responsável pela citada pesquisa. Autor de livros como Você, Dona do seu Tempo (Gente), ele admite que, sim, algo mudou e afetou drasticamente a vida de todos: "Hoje, há toda essa tecnologia, que rouba muito do nosso tempo". Segundo outro levantamento do expert, as pessoas empregam, em média, duas horas do dia delas com e-mails.
     Parece muito? Pois há ainda o tempo empregado nas redes sociais, nos sites de notícias, nos blogs e em navegações sem destino na internet. Isso sem contar a troca de torpedos e as conversas pelo celular. "A promessa das novas tecnologias é tornar nossa vida mais fácil e eficiente", afirma o americano William Powers, autor de O BlackBerry de Hamlet (Alaúde), livro que entrou para a lista dos mais vendidos do jornal The New York Times logo na primeira semana de publicação nos Estados Unidos e foi lançado neste ano no Brasil. Ok, elas até cumprem o prometido. O problema, acrescenta Power, é que são utilizadas de modo impensado e exagerado, criando uma espécie de efeito rebote.
    "Antes de tudo, é preciso entender que tempo é um paradigma", observa a doutora em filosofia e palestrante Dulce Magalhães, autora de Superdicas para Administrar o Tempo e Aproveitar Melhor a Vida (Saraiva). E continua: "Não é uma quantidade de horas, e sim a forma como vemos essas horas, o qu depende do modelo mental de cada um". Assim, pode ser difícil convencer quem acredita firmemente que o lado mais interessante da vida está nas redes sociais a se desconectar um domingo inteiro para curtir uma trilha na mata. Não à toa, os especialistas repetem que fazer um mergulho interior é o primeiro passo para começar a gerenciar melhor a agenda."Você só conseguirá empregar seu tempo no que gera impacto positivo na sua vida e realmente tem relevância depois de conhecer seus propósitos maiores e valores", justifica Dulce.
     Mais um levantamento da consultoria de Barbosa revela que os brasileiros dedicam só 30% do tempo a atividades importantes. Outros 30% são empregados em tarefas circunstanciais e 40% em urgências. Os três ingredientes compõem a teoria da tríade do tempo do expert. Depende do tipo de vida, mas, grosso modo, a esfera da importância inclui compromissos e tarefas que produzem efeito positivo a curto, médio ou longo prazos e até merecem horário marcado. O rol das urgências engloba aquilo que pipoca de repente sem margem para negociação. Não raro, são necessidades que poderiam ser evitadas. É o caso daquela súbita dor nas costas que exige uma ida ao pronto-socorro só porque você faltou a três sessões de acupuntura.
    Já as atividades circunstanciais não levam a lugar algum, mas acabam sendo cumpridas por obrigação social, pressões ou até por inércia. Para Barbosa, o ideal seria gastar de 65% a 75% do nosso tempo com as coisas importantes e entre 15% e, no máximo, 25% com as urgências. O grupo das atividades circunstanciais deveria corresponder a menos de 10% das nossas horas. O segredo é manter a vigilância. Por exemplo, as paradas para o café com os colegas no meio do expediente podem ser de grande valia. "Segundo pesquisa, o cérebro é capaz' de manter o foco em uma mesma tarefa por até 90 minutos. Depois, a tendência é se cansar e dispersar", diz a psicóloga Andrea Piscitelli, consultora em gestão de pessoas e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV). Assim, pausas com essa frequência são bem-vindas. "Só que, se forem prolongadas demais, a pessoa custa a entrar de novo na tarefa ao retomá-Ia." Ou seja, se o cafezinho de dez minutos virar um bate-papo interminável, deixará de ser importante para ser desperdício de tempo.

AS HORAS E SEUS  LADRÕES
   Estes são alguns dos mais insaciáveis devoradores de tempo. Fique de olho para bani-Ios de sua vida.
1 Procrastinação - A mania de adiar tudo até o limite do prazo não é só perda de tempo, mas de qualidade. "O que vai colocá-la nos eixos é tomar consciência de que está postergando e descobrir os motivos disso", diz a socióloga americana Jan Yager.
2 Perfeccionismo - Autoexigências excessivas fazem qualquer tarefa nunca ter fim. "É o medo de decepcionar os outros e a si mesma que faz a pessoa não querer terminar", analisa a psiquiatra Alexandrina Meleiro. "Aceite seus limites e os da realidade."
3 Desorganização - Coisas fora do lugar ou realizadas sem método algum atrasam a vida. "Ganha tempo quem tem o armário bem organizado, com produções já montadas, e põe a chave do carro sempre no mesmo lugar", diz a psicóloga brasileira Andrea Piscitelli.
4 Tecnologia - A internet captura a atenção e faz esquecer a vida. Pesquisa revelou que 84,6% dos brasileiros acessam as redes sociais no trabalho. Já 80,9% enrolam até duas horas durante o expediente em tarefas como fuçar sites de compras e jogar online.

ALEGRIA E LEVEZA
     Hoje Marise Berg da Silva, 36 anos, tem certeza de que tira o máximo proveito de seu tempo. Por anos, ela foi gerente de eventos corporativos de uma grande empresa de entretenimento e, como é comum nessa área, trabalhava não só muitas horas por dia como várias noites e fins de semana. "Não sobrava tempo para mais nada", lembra. "Mas eu me sentia feliz, porque adorava o que fazia e o trabalho era prioridade." Isso até conhecer o budismo, a ioga e a ayurveda (a medicina indiana), e algo mudar na sua cabeça. "Descobri que havia outro tipo de felicidade, mais tranquila e duradoura do que a alegria eufórica que estava acostumada a ver nos eventos." De repente, ela se sentiu impelida a estudar a fundo aqueles temas e tratou de abrir espaço na ocupada agenda. "Fui encaixando cursos em cada horário livre." Quando se tornou terapeuta e culinarista ayurvédica, largou o emprego para seguir a nova carreira.
   Na vida atual, Marise se divide em três trabalhos. Em São Paulo, onde mora, atende em uma clínica e dá cursos de culinária. No interior, produz e comercializa com o marido frutas vermelhas em um sítio da família. Ainda faz faculdade de nutrição e pratica ioga. "E cuido do meu casamento, de mim, de dois gatos e de pais idosos no Rio de Janeiro", enumera, rindo.
   Para dar conta, Marise diz que utiliza bem todos os recursos tecnológicos e planeja seus dias. "Mas sem rigor excessivo,pois acho importante executar tudo com alegria, leveza e naturalidade", ressalta. O principal, ela acredita, foi ter aprendido a fazer escolhas. "Se estou em uma semana de provas, posso optar por não ir ao supermercado, e a gente vai se virar comendo o que tem", exemplifica. "E faço isso sem culpa." Nem todo mundo consegue realizar sozinho o milagre da multiplicação das horas, como faz Marise. Há quem precise de ajuda profissional para conseguir ter uma rotina harmoniosa.Uma vez desvelados os objetivos de vida, a etapa seguinte é transformar o planejamento em hábito.
    Os experts recomendam primeiro escolher uma ferramenta, seja o Outlook ou a agenda de papel. Depois, é parar regularmente para organizar o futuro imediato. "Não adianta programar só um dia. Tem de ser pelo menos três, embora o ideal seja pensar na próxima semana inteira", enfatiza Barbosa. A psicóloga Andrea é mais flexível e acha que fazer à noite a lista das atividades do dia seguinte já é melhor do que nada.
   "O importante é que o planejamento seja factível. Não funciona anotar uma série de tarefas que não podem ser cumpridas", alerta Andrea. "Querer ser super-heroína só causa frustração." Não é uma postura incomum. "Além de terem a tendência de pensar mais nos outros que em si, as mulheres costumam querer abraçar tudo, o que é humanamente impossível", analisa a consultora e palestrante americana Ruth Klein, autora de Segredos de Administração do Tempo para a Mulher Que Trabalha (Harbra). "É preciso aprender a escolher o que vale a pena fazer e a delegar as tarefas que roubam energia."

OPTAR E ENTREGAR-SE
    Uma dica ao planejar o dia é nunca preencher todos os horários. É recomendável deixar livres de 25% a 30% das horas úteis para encaixar as urgências, como o relatório pedido "para ontem" pelo chefe, e os eventos circunstanciais, a exemplo da parada durante o expediente para cantar Parabéns a Você para a colega. Outra é incluir na programação não só as tarefas do trabalho mas também a manicure e o pilates. "Não dá para separar o profissional do pessoal, pois o que temos para gerir é uma vida", avisa Barbosa.
    Para conseguir cumprir o planejado, será necessário aprender a dizer "não" sem achar que está cometendo um crime. Se seu dia no trabalho está apertado e você quer terminar cedo para se arrumar para um jantar especial, não se sinta culpada em dizer ao colega que não pode ler o e-mail que ele pretende mandar ao cliente e opinar sobre seu teor. No entanto, feitas suas escolhas, entregue-se. "É essencial estar verdadeiramente presente em cada atividade", afirma Branca Barão, palestrante e colaboradora do portal Carreira & Sucesso, publicação do site de empregos Catho Online. Não adianta ir para casa cedo para brincar com o filho e ficar pendurada no telefone resolvendo questões do escritório. A correria gera ansiedade. "Por si só, ela é até positiva, porque nos faz avançar", diz a médica Alexandrina Meleiro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
   É essa expectativa do que está prestes a acontecer que leva uma pessoa a estudar para um concurso ou a se preparar para uma apresentação. "Quando atinge picos, porém, a ansiedade passa a ser algo negativo", explica Alexandrina. Aí ela afeta a mente e corpo, causando de dores de cabeça, nas costas e nas articulações a aumento da pressão arterial, alterações no sono, gastrite e úlcera, principalmente quando se torna crônica.

VERDADE OU PRETEXTO?
    Além de ser medida preventiva contra tudo isso, uma eficiente administração do tempo gera um bônus: de repente, começam a surgir brechas na agenda. É possível que, em um primeiro momento, você nem saiba o que fazer com elas. Tudo bem. "Não é necessário arranjar um uso para cada minuto livre", alerta a socióloga e consultora americana Jan Yager, autora de Trabalhe Menos, Faça Mais (Gente). "Mas não ter ao menos algumas metas pessoais torna a vida meio sem graça."      
     Uma rotina equilibrada cria a oportunidade que faltava para retomar velhos desejos. Vale aproveitar. Se mesmo assim você continuar achando que ainda não dá para ter um hobby ou fazer aquela especialização tão primordial para sua promoção, talvez exista algo mais para ser investigado. Não é raro que a falta de tempo seja só uma desculpa, para si e para os outros. Afinal, diante da correria geral, trata-se de uma alegação até plausível para esconder inseguranças, incertezas, preguiça ou acomodação. "Daí ser tão fundamental fazer uma reflexão sobre suas reais aspirações e repeti-Ia uma vez por ano, já que mudam", opina Marcia Palmeira, diretora de talent da consultaria Right Management. Segundo ela, quando uma pessoa tem clareza do que quer e julga essencial incluir certa atividade na já atribulada rotina, arranja um jeito de fazer isso. "Nem que seja de madrugada." O problema é que, na prática, pode não ser tão simples. "Se o exercício do “não” é difícil, praticar o do “sim” é ainda mais complicado, e a gente tende a protelar", avalia Dulce Magalhães. "Mas é preciso tentar, pois, se não abro espaço para as coisas que desejo, como posso esperar que elas aconteçam na minha vida?"

UMA  NOVA  ATITUDE
      O americano Willlam Powers, autor de O Blackberry de Hamlet, propõe repensar sua vida digital
 As novas tecnologias foram criadas para facilitar nossa vida, mas ocupam muito do nosso tempo. O que deu errado?
A promessa é tornar a vida mais fácil e eficiente. Mas, se você usa essas tecnologias de modo impensado e exagerado, elas têm efeito contrário e gastam mais tempo do que poupam. O grande milagre da vida digital é o mundo todo ao nosso alcance. Só que isso é também um problema. Se milhões de pessoas podem ser acessadas a qualquer momento, a vida se torna inevitavelmente mais ocupada. É como viver no meio da multidão 24 horas por dia.

Então cometemos abuso?
O grande problema é nosso comportamento. Falta reflexão. As pessoas são reativas e, se todo mundo está falando de um dispositivo, saem para comprá-lo e organizam a vida em torno dele, sem pensar se isso é boa ideia. Por que permitir que um aparelho guie sua existência?

Qual é o parâmetro para saber se a tecnologia é aliada ou inimiga?
É sua qualidade de vida. Você se sente produtiva e satisfeita no trabalho? Em casa, fica relaxada e feliz? Tem tempo para as coisas que importam para você, como hobbies, amigos e familiares? Desfruta momentos de sossego quando apenas fica em paz e recarrega as baterias? Se a resposta for sempre "sim", Sua vida digital certamente está em boa forma. Se disse "não" As :1 alguma, precisa avaliar seus hábitos e talvez fazer ajustes.

Quais são seus melhores conselhos para fazermos bom uso da tecnologia?
Fundamental é pensar em si como o principal programador de sua existência digital. Todos nós temos trabalho e obrigações a cumprir. Mas muito do que fazemos em frente de uma tela é opcional. É preciso saber reconhecer isso e desenvolver rituais para controlar suas piores tendências. Minha família se desconecta todo fim de semana. Chamamos de Sabbath da internet, e tem sido ótimo. Meu filho de 14 anos já disse que adora nosso Sabbath e não quer perdê-lo. Ele usa o tempo desconectado para ler, tocar sax, curtir ao ar livre.

As pessoas não sabem mais o que fazer quando se desconectam?
É como a abstinência do viciado em drogas. Se o cérebro está acostumado a ter a dose de excitação digital de todo dia e ela é retirada, a pessoa se sente perdida e até deprimida. Isso aconteceu com minha família nas primeiras vezes de Sabbath.

Desaprendemos a não fazer nada?
Estudos provam que as boas leias surgem quando nos afastamos das exigências diárias e relaxamos. Não fazer nada é a melhor maneira de fazer alguma coisa! Mas isso não é óbvio e nos forçarmos a ficar ocupados. Para nós, "ocupado" é igual a "produtivo". O mundo digital cria a ilusão de produtividade, quando, na verdade, podemos estar só desperdiçando tempo precioso em frente a uma tela.

(Revista LOLA, agosto de 2012.)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A RAIVA QUE CONSTRÓI


     "Por raiva e ódio, as pessoas seguem em frente só para dar um bom troco"

   Quando alguém nos magoa e nos faz sofrer, o que acontece? Ou se fica magoada e se sofre, o que em grande parte das vezes termina em depressão, ou se fica com muita raiva. Mas a raiva - foi o que nos ensinaram - é um sentimento feio, baixo, que pessoas superiores não devem ter. Vamos discordar: uma boa raiva pode ser saudável e faz muito bem à pele, ao coração e à alma. Além de que, em certas horas, ninguém está  fazendo a menor questão de ser superior.  
     Conseguir ter raiva e passar recibo do que está sentindo é excelente para a saúde física e mental; a depressão leva a gente para a cama, tira a vontade  de tudo e conduz à inércia. Já a raiva leva a gente a fazer coisas, mesmo que sejam coisas erradas. Na depressão, você não se levanta nem para ir ao cabeleireiro; já na hora da raiva, você pinta o cabelo de vermelho e, ainda que fique péssimo, é bem mais  bacana que ficar prostrada olhando para o teto. Exemplos são sempre ótimos: se uma mulher é abandonada por um homem. entre o desespero e o ódio, o que é melhor? O ódio, claro.
      Por raiva e ódio, as pessoas seguem em frente só para dar um bom troco e mostrar que não é qualquer coisa - como um mal de amor - que as derruba. Quem foi o sábio que disse que viver bem é a vingança mais eficiente?
       A primeira providência de uma mulher com raiva é pensar: "Como é que vou me vingar?" Para começar, mostrando que não está sofrendo. Para isso,  é preciso estar na sua melhor forma, razão mais do que suficiente para perder aqueles 3 quilinhos, comprar um vestido novo, voltar a usar salto alto. Parece bobagem? Pois não é. Dificilmente você vai ver uma mulher se equilibrando num salto oito com depressão. De salto, automaticamente se encolhe a barriga, se levanta o queixo e os ombros ficam na posição certa, desafiando o mundo. E não é perfeito estar assim, em vez de arrasada?
    Uma coisa leva a outra: por sentimentos nobres, como o amor-próprio, o orgulho e a vaidade - e a raiva - não se deixa a peteca cair em público, e com isso vem o hábito de não deixar a peteca cair nunca. Reflita: se você é normal, deve ter raiva de alguém. O que pode fazer para irritar esse alguém? Ficar linda, ter sucesso, ser vista sorrindo, vibrando - ser feliz, enfim. Digamos que você seja uma desenhista de moda e que esteja sem a menor inspiração para criar a próxima coleção. Faz o quê? Pense numa pessoa que você detesta - por justa causa, é claro - e imagine que glória realizar um trabalho que seja elogiado, que faça com que você se torne a melhor de todas. Só de fantasiar esse delicioso prazer, toda a criação vai fluir fácil, como nunca aconteceu - só de raiva.
     A cada vez que for ao jornaleiro da esquina, lembre que pode se encontrar com ele - aquele que fez você sofrer tanto. E ele vai ver como você está muito mais linda agora, sem ele; deve estar sendo bem tratada, vai cogitar. E pode ser o máximo encontrar na esquina outro alguém que a faça "feliz para sempre", pelo menos por uns tempos. Ou não?
      Por isso, querida, quando vier aquela raiva cega, aquela vontade de gritar, de xingar, de matar, transforme toda essa energia a seu favor. Assim como o amor constrói para a eternidade, a raiva pode construir a prazo bem mais curto - e de superior e inferior, afinal, todos nós temos um pouco. É uma delícia ter uma boa raiva; sobretudo, muito construtivo.

                 (Revista  LOLA,   setembro  de  2012.)

sábado, 1 de setembro de 2012

O BOBO DE CADA UM


  Deveríamos dar mais ouvidos à sabedoria que provém da intuição que sobra aos loucos e tolos - uma voz quase sobrenatural que possuímos mas preferimos ocultar sob a lógica e o racionalismo.  Por Ronaldo Correia de Brito.
 
  Você acha que os bobos só falam disparates e nunca devemos considerar suas observações? Que é melhor obedecer à regra: a palavras loucas, ouvidos moucos? Se você acredita que apenas os homens sérios conhecem verdades e agem com discernimento, precisa rever a literatura e as histórias de tradição oral, em que os bobos e os loucos proferem sabedorias, montam estratégias, abrem os olhos dos aparentemente lúcidos. Aos racionais escapa a dimensão do que é perturbador e inacabado, o mais instigante da experiência humana. Aquilo que sobra nos bobos.
  Chamar atenção para a verdade e desmascarar o falso por meio de brincadeiras e absurdos não é tarefa simples; há quem prefira continuar na cegueira. Por isso, os bobos caíam na desgraça de seus patrões e da corte de bajuladores que os cercavam.
   Não sei se você gostaria de ter um bobo dentro de si debochando de suas mancadas e questionando seus acertos. Os bobos brincam com tudo, parecendo não levar nada a sério, ao contrário do Grilo Falante, aquele personagem da história de Pinóquio que enchia o juízo do menino de bons conselhos. A sabedoria dos bobos provém da intuição.
   Foi Carl Jung quem identificou quatro funções psicológicas fundamentais: pensamento, sentimento, sensação e intuição. Segundo ele, toca ao pensamento e ao sentimento julgar e decidir. O intuitivo fareja possibilidades futuras e dá palpites; atua com os guardados do inconsciente. O "bobo da corte" seria um intuitivo.
    O problema é que nunca damos ouvidos a essa voz quase sobrenatural. Somos lógicos demais, cultivamos a razão como legado dos tempos modernos. Os bobos sofrem o mesmo descrédito de uma personagem da guerra entre gregos e troianos, Cassandra, a filha do rei Príamo, de Troia. Ela adivinhava o futuro, mas estava condenada por uma maldição: ninguém levava a sério o que dizia
     Aposto que você já presenciou conversas em que SI as pessoas comentam: "Não sei por que agi assim, g Eu tinha uma voz lá dentro, insistindo para eu não fazer dessa maneira, mas sou teimoso e nunca escuto essa voz. Aí me dei mal". Os bobos sempre simbolizaram as vozes reprimidas dos mais fracos. Serviram de motivo para  o teatro, a literatura e o cinema. Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura, criado pelo espanhol Miguel de Cervantes, andava com um escudeiro apalermado, Sancho Pança, que muitas vezes tomava decisões no lugar de seu senhor. No teatro de commedia  dell'arte, os patrões tratam os criados como se eles não possuíssem inteligência, mas na verdade são bem espertos, movimentam o enredo e encontram soluções para todas as enrascadas dos casais enamorados. Porém, a trama mais bem elaborada sobre a relação de um rei com seu bobo está na peça Rei Lear, do inglês William Shakespeare.
     Lear decide repartir o reino com suas três filhas, pois se sente velho e cansado. Escolhe morar quatro meses do ano no castelo de cada princesa. A decisão parece insensata ao seu bobo e aos nobres fiéis. Leal' usa um critério arbitrário para dividir a herança: pede a cada filha que revele o quanto o ama. As duas filhas mais velhas se desdobram em afirmações amorosas. Cordelia, a mais jovem, não consegue falar de seu amor porque ele é mais rico do que sua língua é capaz de expressar.
    Essa modéstia enfurece o rei, que expulsa Cordelia de casa. Porém, muito cedo, ele irá conhecer a ingratidão das filhas que juravam amá-lo. Elas o desprezam e tramam sua ruína. Vagando sem pouso e na miséria, o rei enlouquece e seu bobo é quem o ampara e o traz à razão: "Estou melhor agora do que tu. Sou bobo e tu nada és", ele diz.
    Faltou intuição a Leal'. Se ouvisse os disparates do bobo, alertando-o de que o cérebro não fica nos calcanhares, não teria feito asneiras. Mas desconfia-se do que não parece lógico, teme-se a revelação de natureza inconsciente. O bobo e o rei trocam seus papéis: a razão enlouquece e a loucura adquire lógica. As nossas quatro funções não são estáticas, se alternam, crescem ou diminuem. É preciso ficar alerta: dentro de um rei mora um bobo. E vice-versa.
                         (Revista  LOLA,  julho  de  2012)