sexta-feira, 1 de abril de 2011

A ORIGEM DA DESIGUALDADE


 Texto de  José Márcio Camargo, publicado na revista Isto É, na coluna Última Palavra:


             Pesquisas recentes mostram que a taxa de retorno da educação no Brasil é bastante alta, entre 911 % e 15% ao ano. Ou seja, um ano adicional de estudo aumenta a renda entre 11% e 15% ao ano ao longo de toda a vida útil. A principal consequência deste fato é que o investimento em educação é a forma mais eficiente de reduzir a pobreza e a desigualdade da renda no País.
             Apesar disso, a sociedade brasileira parece dar muito pouco valor ao investimento em educação. Vários são os sintomas de que isto é verdade. Alguns exemplos. O governo brasileiro gasta 18 vezes mais per capita com aposentadorias e pensões do que com o ensino fundamental. Ou seja, cada idoso recebe do governo 18 vezes mais do que cada criança matriculada no ensino fundamental.
             O programa Bolsa Família, cujo objetivo é induzir as famílias pobres a deixar seus filhos na escola em lugar de direcioná-los para o mercado de trabalho (pois uma criança pobre pode contribuir com até 30% da renda familiar per capita) e, desta forma, aumentar a renda destas crianças quando se tornarem adultas, tem sido tratado como um programa tradicional de transferência de renda cujo objetivo é diminuir a pobreza no presente. A pouca importância dada às condicionalidades educacionais e à busca de "portas de saída" mostram que seus admiradores e detratores não entenderam a importância da educação.
             Se a prioridade for melhorar a educação das crianças pobres, a única porta de saída do programa é escola em tempo integral e ensino público de qualidade.
             Pesquisas científicas mostram que a capacidade de aprendizagem está em seu nível mais alto entre zero e 6 anos de idade. Segundo estas pesquisas, esta é a idade em que as pessoas aprendem a pensar. A partir desta idade se torna muito difícil ensinar a pensar. Não é por outra razão que os programas de alfabetização de adultos quase nunca
são bem-sucedidos. Apesar disto, o governo brasileiro gasta 7 vezes mais per capita com educação superior do que com o ensino fundamental, ainda que somente os 20% mais ricos consigam entrar em uma universidade pública no Brasil.
              Poucos políticos brasileiros tiveram ou têm como prioridade a melhoria da educação fundamental publica. O primeiro político brasileiro de importância nacional que colocou a educação como prioridade foi o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, que implementou o programa de educação em tempo integral nas escolas públicas, os Cieps. E a reação da sociedade não foi muito positiva. O senador Cristovam Buarque tem feito uma cruzada a favor da educação pública de qualidade, mas os resultados, em termos de opinião pública e programas de governo, têm sido medíocres.
             Exemplos do descaso da sociedade brasileira em relação à educação não faltam. Discute-se muito sobre a necessidade de reduzir a desigualdade da renda no Pais. Mas a renda é desigualmente distribuída porque algumas pessoas têm maiores oportunidades do que outras (além de diferença de gostos e de capacidades inatas). E a desigualdade de oportunidade depende de forma fundamental da desigualdade educacional. Se os mais ricos teêm acesso à educação de melhor qualidade do que os mais pobres, é impossível reduzir a desigualdade de renda de forma sustentável. Programas tradicionais de transferência de renda conseguem fazer isto no curto prazo. Mas se a desigualdade de oportunidades educacionais continua, no longo prazo, os mais educados irão ganhar mais do que os menos educados e a desigualdade de renda volta. Esta é a origem da enorme desigualdade da sociedade brasileira.

                                                                                               (José Márcio Camargo é professor do departamento de economia 
                                                                                                da PUC/ Rio e economista da Opus Gestão de Recursos)

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