segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

É O FIM DO HOMEM ?

    Polêmico livro lançado nos Estados Unidos diz que sim - ou, pelo menos, seu poder estaria com os dias contados - e o mundo agora seria das mulheres. Experts discutem se isso é mito ou verdade
MARIA LAURA NEVES

Imagine-se presidente de uma grande multinacional, à frente de uma poderosa diretoria maciçamente feminina. Depois do expediente, você cursa uma especialização e só dá mulheres nos corpos docente e discente. Ao chegar em casa à noite, seu marido comenta que acabou o iogurte das crianças e a geladeira está vazia. Cansada, você diz que deixará o cheque para que faça as compras, já que ele sai mais cedo do trabalho. Segundo a jornalista americana Hanna Rosin, esse cenário, que parece utopia feminista, é uma realidade bem próxima da que vivemos hoje e será 100% verdade para nossas filhas - e filhos. No livro The End of Men and The Rise of Women (O fim do homem e a ascensão das mulheres), ainda não publicado no Brasil, ela defende que, após séculos de dominação masculina, o poder será das mulheres.
Segundo Hanna, isso ocorre porque estamos mais aptas do que os homens a responder às demandas da nova economia, baseada nos serviços. Somos mais qualificadas - 60% dos formandos nas universidades brasileiras são mulheres - e temos habilidades valorizadas hoje, como facilidade para a comunicação, versatilidade e capacidade de conciliação.
A jornalista baseou sua teoria na constatação de que a maior parte dos empregos nos Estados Unidos afetados pela crise econômica estava em setores predominantemente masculinos, como a construção civil e o mercado financeiro. E a necessidade de ganhar a qualquer custo e o gosto pelo risco, traços típicos do comportamento do homem, teriam sido decisivos para a bancarrota. Seria uma prova da falência do modelo de gestão do macho agressivo.
A nova configuração da divisão do trabalho e do poder levaria a uma crise da masculinidade e transformaria também o modo como homens e mulheres convivem na intimidade. Hanna diz que americanas de classes sociais mais baixas já estariam abandonando o marido por acreditar que ele mais atrapalha que ajuda (só 3% topam cuidar da casa e dos filhos enquanto elas trabalham). Já as ricas estariam em casamentos mais completos e equilibrados, dividindo com o parceiro a responsabilidade dos afazeres domésticos. A tese gerou muitas críticas. Por exemplo, nós ainda ganhamos menos do que eles na mesma função. Quatro especialistas incrementam o debate.

Esquecido e desfavorecido (Martin Van Creven)
"Esta não é a primeira vez que uma recessão coloca as mulheres no papel de vencedoras e os homens assumem o de perdedores. Em 1848, o filósofo alemão Friedrich Engels escreveu que, em tempos de crise econômica, os homens pobres ficam em casa e as mulheres saem para trabalhar. Durante a Grande Recessão da década de 1930, elas entraram no mercado de trabalho porque muitos foram demitidos. Então, essa discussão tem pelo menos 160 anos. Acredito que a atual crise vai passar e que não estamos diante do 'fim' do homem. Ocorre que, quando o mercado está mais cauteloso, a maneira feminina de agir realmente é mais valorizada. Em geral, os homens são mais adeptos do risco. Mas, no final, como o capitalismo é movido pela ambição e pelo gosto ao risco, penso que quem chega ao poder  é - e tem de ser - mais agres-sivo e competitivo. E os homens são melhores do que as mulheres nisso.  
De qualquer forma, não é fácil ser homem (mas não estou querendo dizer que é fácil ser mulher!). As estatísticas mostram que eles ainda trabalham mais horas do que elas. Os postos mais perigosos, sujos e pesados são ocupados por eles. Para ter uma ideia, cerca de 90% das mortes em acidentes de trabalho nos Estados Unidos são de pessoas do sexo masculino. Eles também são as maiores vítimas de crimes violentos e vivem menos do que as mulheres. Homens têm um custo de vida menor, mas pagam mais impostos. E, mesmo assim, recebem menos benefícios do governo. Quais países oferecem direito à licença paternidade? Homens não amam os filhos menos que as mulheres, mas as leis do divórcio são favoráveis às mães em muitos países. O pai que se separa e consegue a guarda dos filhos é exceção. São todas questões já antigas, e eu ficaria surpreso se fossem resolvidas. Talvez isso aconteça em um mundo gerido por mulheres - o que não acredito que vá acontecer."

Novo sexo frágil (Luiz Cuschnir)
"Não acredito no 'fim' dos homens, mas em uma crise da masculinidade que começou há anos e ainda não foi resolvida. À medida que o poder foi deixando de ser exclusivamente masculino, eles passaram a se dedicar mais aos filhos e à casa e a prestar atenção nos próprios sentimentos. Aí se assustaram e se amedrontaram com a própria fragilidade. Ficaram perdidos e deprimidos. A ascensão feminina continuou, abalando cada vez mais a auto estima dos homens, porque a masculinidade se confirma pelo poder e pela vitória. Se as mulheres tomam a dianteira de tudo, eles não sabem o que fazer. Outro ponto que fragiliza é que os homens perderam espaço no mercado, mas não se afirmaram completamente em casa. Por exemplo, quando se dispuseram a se aproximar mais dos filhos, encontraram resistência. Raramente a mulher quer mesmo dividir o poder dentro de casa. Qual de vocês nunca criticou o marido por não dar banho ou vestir o filho do jeito certo quando ele resolve fazer isso sozinho? A atitude deixa o homem desestimulado e o paralisa. Porque não há jeito certo de cuidar dos filhos ou da casa. Existem jeitos diferentes. Homens e mulheres precisam aprender a dividir o poder, dentro e fora de casa."

Era de igualdade (Marl Justad)
“Discutir o “fim” do homem e a ascensão da mulher da maneira como propõe a teoria de Hanna  não acrescenta nada ao debate da igualdade de direitos. O machismo se baseia na noção da superioridade inata do homem e nas diferenças absolutas entre os gêneros, que nunca foram  comprovadas. Sugerir uma nova era em que o  poder e as regras serão invertidos é se basear nas mesmas  premissas do machismo. A maioria dos americanos acredita que homens e mulheres são iguais. Suspeito que há pessoas interessadas apenas em colocar fogo na guerra dos sexos porque iisso vende livros.
Analisando as mudanças apontadas pela autora, o que vejo, na verdade, é um novo período, em que homens e mulheres terão a mesma autonomia. Penso que a crise da masculinidade exista  apenas entre os homens que não aceitam que a mulher ganhe mais ou tenha mais prestígio  que eles. Não acho que se trate de uma crise generalizada, e sim de uma aflição que atinge somente aqueles que  ainda não se adequaram a uma era de igualdade. Não estamos mais em uma guerra entre uma guerra entre os sexos. Isso é resíduo de uma mentalidade masculina estreita, criada  por uma ideologia patriarcal, da qual alguns têm dificuldade de escapar. Considero importante ressaltar que as questões que prejudicam homens negros  ou gays não estão contempladas nesse tipo de discussão. O segundo grupo, por exemplo, desafia o conceito de masculinidade há  décadas e nada foi dito sobre isso."

Longa Jornada  (Nina Madsen)
"Não estamos nem perto de presenciar o “fim” do homem no Brasil. Estudos mostram que a velocidade da participação feminina em espaços predominantemente masculinos vem diminuindo da década de 1990 para cá. A escalada das mulheres a postos de poder foi intensa entre os anos 1970 e 1980, mas, depois, o ritmo diminuiu. E nós ainda ganhamos 70% do salário deles.
Além disso, nossa ocupação do mercado de trabalho não levou a alterações na divisão das responsabilidades em casa e dos serviços domésticos. Isso continua em nossas mãos. Mulheres gastam cerca de dez horas semanais com tarefas da casa, enquanto os homens utilizam apenas uma hora com isso. A vida deles não mudou nada com nossa entrada no mercado de trabalho ou nossa ascensão a postos de poder. Mas nós ficamos mais sobrecarregadas. Outro ponto é que, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, por aqui a crise econômica de 2008 abalou mais as mulheres que os homens. Um estudo do governo federal mostrou que, no Brasil, o emprego delas foi mais afetado que o deles. Um detalhe é que, quando um homem perde o trabalho, ele se mantém no mercado na categoria de desempregado. Quando é com a mulher, ela volta para casa e sai do páreo. Não vejo nenhum grande avanço."

(Revista CLAUDIA,novembro de 2012)

sábado, 9 de fevereiro de 2013

PARA ONDE VAMOS?

    O psiquiatra Flávio Gikovate diz que o cotidiano  hoje é  marcado por egoísmo, vaidade e compras. Por PATRÍCIA  ZAIDAN 
    
    Por quatro horas, o psiquiatra e psicoterapeuta Flávio Gikovate e o filósofo Renato Janine Ribeiro falaram sobre a vida nestes tempos de vaidade e alto consumo. O resultado está no livro Nossa Sorte, Nosso Norte (Papirus 7 Mares), que sairá em DVD. Gikovate, que já publicou 25 títulos, tem programa na Rádio CBN e chegou a participar da novela Passione, comenta dilemas atuais.

 Por que as pessoas têm hoje tanta necessidade de ser vistas e de comprar coisas?
Esse é um dos graves reflexos da revolução sexual. Achávamos que a liberação desarmaria os seres humanos, traria democracia, já que todo mundo transaria com todo mundo. Mas virou uma corrida para chamar a atenção do outro. Cresceu a busca pela aparência física, que é amiga íntima do consumismo. Os hippies só queriam amor, sexo, paz e aconchego. Nada parecido com auto erotismo e exibição no Facebook.

E o Facebook atiça a inveja.
 E mexe com a frustração. Estar ali é como ser dono de uma revista de celebridade que publica as próprias notícias. Você vai à praia e põe lá. Compra e posta. Quem não foi e não tem baba. Olhar a vida alheia gera tensão. Não traz felicidade.

Como está a família?
Há muito egoísmo. Gosta-se dela desde que se possa receber mais do que dar. As alianças são feitas entre o generoso e o egoísta. Mas quem só dá anda cansado desse papel. O desafio é equilibrar, alternar.

Por que trabalhamos tanto?
 A vida está mais longa, precisamos de mais dinheiro para custeá-la. Além disso, profissão virou identidade. Você conhece alguém e já quer saber o que ele faz. Nem pergunta se ele ama, se tem filhos, um lazer ... O que é ruim. O Renato diz que não haverá emprego para todos e que trabalharemos três dias por semana para sobrar vaga para os outros. E, na folga, cultuaremos o prazer.

Mulheres se queixam de assumir tudo em casa. É irreversível?
Elas não voltarão a lidar com a casa e continuarão crescendo na carreira. O homem, cada vez mais folgado, mudará. Ele se acomoda pelas facilidades eróticas. Não precisa mais fazer força para ter sexo: chega e leva. O momento é de encrenca geral. Mas minha futurologia é otimista. Estamos em transição: o homem crescerá, se envolverá com casa, filho ... Será bom para todos.

 (Revista CLAUDIA - dezembro 2012 )

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A MANADA É PRA LÁ

   Tem gente me acusando de esnobismo porque não tenho Facebook e Twitter, nem gosto de bater perna no shopping ou tagarelar ao telefone. Esse é o problema: ir contra o senso comum hoje é considerado desaforo.
Por Martha Medeiros

 Vou manter o nome dele em sigilo, já que é um renomado cirurgião, mas vou delatar o crime: meu pai não tem celular. Em sua defesa, ele diz que pode ser encontrado no consultório ou em casa, esses dois telefones bastam, sempre bastaram. "Mas, pai, e se teu carro pifar no meio da estrada? E se te sentires mal durante uma caminhada na rua? E se te atrasares no caminho para buscar a namorada?" Ele é um homem moderno, aos 76 anos tem uma namorada, mas não tem celular.
    Eu ficava indignada por ele manter essa inacessibilidade. Parecia que ele estava querendo apenas ser diferente dos outros, e os diferentes sempre dão a entender que são mais evoluídos, que possuem uma sabedoria que nós, reles mortais, jamais conseguiremos atingir. Como ele pode prescindir de um aparelho imprescindível? Ora, imprescindível pra mim, pra você. Para ele, não é. Só então lembrei como também costumo ser patrulhada.
    Faz pouco tempo, uma amiga demonstrou uma irritação descabida comigo. Não entendi: "O que foi que eu fiz?". Ela disse que eu fazia isso só para me exibir. "Isso o quê, criatura?". Não conseguia adivinhar o que a magoava, até que ela esclareceu. "Você não tem Facebook nem Twitter para se sentir superior."
    Eu realmente não uso as redes sociais. Sei que tem Faces que divulgam frases minhas, e que há alguns perfis de pessoas que fazem de conta que sou eu, mas não sou eu. Não é para me sentir superior ou inferior: simplesmente não tenho tempo sobrando. Já é um esforço conseguir manter a caixa de e-mails razoavelmente atualizada, para que procurar mais encrenca na minha vida? Meu tempo ocioso é sagrado. Expliquei para minha amiga que não era nada pessoal, que ela relaxasse, mas aquele dia ela estava surtada pela TPM. O Face e o Twitter eram apenas os primeiros itens de uma longa lista que ela havia mentalmente preparado para me condenar à exclusão.
     "E quanto a não idolatrar a ajuda das empregadas, como qualquer outra mulher atarefada?" Não acreditei que estava tendo essa conversa. Lembrei que uma semana antes havia comentado que a hora mais feliz do meu dia era quando a empregada saía pela porta dizendo: "Até amanhã, dona Martha". É uma funcionária exemplar que está comigo há mais de 20 anos. Trabalha de segunda a sexta das 10 às 16 horas, e ainda vibro quando ela pede para sair mais cedo. Adoro escutar a porta batendo e a sensação de que estou sozinha em casa. Não me sinto confortável no papel de patroa. Jamais cogitaria que alguém trabalhasse para mim à noite ou aos sábados (já devo ter levado muita chibatada no tronco em outra encarnação). Preciso do serviço dela porque ainda tenho filhas morando comigo, um apartamento grande e tal. Mas chegará o dia em que, filhas no mundo e apartamento menor, ficarei no meu canto tomando conta de mim mesma. Minha amiga acha isso o cúmulo do esnobismo.
    "E sobre não gostar de bater perna em shoppping?" Ué, não gosto, é pecado? Vou quando tenho que comprar um presente ou quando preciso de algo específico, mas não me convide para uma tarde olhando vitrines. Experimentar roupas em cabine de loja me faz simpatizar com a morte.
     "Mas de dirigir você gosta, não gosta?"  Amo. "Mesmo com esse trânsito esquizofrênico?" Mesmo. "E vem dizer que não está bancando a diferente."
      Pelo andar da carruagem, eu sabia que a discussão iria acabar nos contos de fadas, e não demorou nada. Logo ela tirou da manga a vez em que contei que, quando menina, meu desenho animado favorito não era o da Gata Borralheira nem o da Branca de Neve. Sempre fui fã do Mogli. Minha amiga não se conforma até hoje. "Claro, a fanática pela vida na selva, a porta-estandarte da liberdade, só podia mesmo vibrar com um pirralho criado entre os bichos da floresta, sem pai, nem mãe, nem fada madrinha."
       Não resisti e, só para provocar, comecei a cantarolar a música do urso Balu: "Eu uso o necessário/ somente o necessário/ o extraordinário é demais/ o necessário/ somente o necessário/ por isso é que essa vida eu vivo em paz". Mogli me ensinou a diferença entre o dispensável e o vital, enquanto as princesas tentavam me empurrar goela abaixo que o certo era esperar (deitada e dormindo) pelo surgimento de um príncipe. Por pouco não caí nessa.
        Minha amiga tinha mais um item da lista que, segundo ela, me tomava um ser esquisito à beça. "E sobre viajar sozinha, quer me explicar?" Viajar sozinha é outra anomalia que ela não perdoa. "Não é possível que você goste. Confesse: você chora escondida no quarto do hotel. Ninguém pode considerar agradável senta num restaurante em Paris e conversar somente com seus botões."
      Bom, eu nunca escondi que me derreto por uma lua de mel: claro que a melhor coisa do mundo é viajar com o amor da nossa vida. Mas, se durante um período de entressafra, o amor da sua vida for apenas você mesma, vai ficar mofando em casa a troco de quê? Qual o problema de dar um giro por Roma, Nova York, Buenos Aires? Humm, já começo a ter ideias.
     O problema é que ir contra o senso comum é considerado um desaforo. Mulher tem que adorar falar ao telefone (detesto), tem que torrar o salário em bolsas e sapatos (prefiro colares e pulseiras), tem que ter lido e amado Cinquenta Tons de Cinza (há outras prioridades na minha mesa de cabeceira) e tem que sonhar em perder 2 quilos.
       Ufa, agora encontrei minha turma. Também sonho em perder ao menos 2.
       Todos nós somos diferentes e idênticos, dependendo do que se trata. Temos desejos e angústias parecidas, e desejos e angústias únicas. Uns são mais iguais que outros, uns são mais estranhos que os demais, e essa saudável miscelânea é que dá graça à vida. Não há mais sentido em falar em "rebanho", como se houvesse uma tribo hegemônica e o resto fosse periférico e marginal. Além do rebanho, há alcateias, cáfilas, cardumes, manadas, bandos variados que se frequentam  e se divertem mutuamente. Que ninguém se sinta ameaçado em suas convicções sobre o que é "normal". Tudo é normal, desde que não faça mal.  
        
                 (Revista LOLA, janeiro de 2013.)