sábado, 23 de julho de 2011

A COPA 2014 VAI MESMO VALER A PENA?


     Seguidamente aparecem notícias com comentários sobre os atrasos nas obras dos estádios onde se realizarão os jogos e nas obras de infraestrutura (aeroportos, estradas, hotéis, transporte, policiamento...) que serão necessárias para garantir o atendimento adequado aos turistas que se deslocarão para as cidades sedes a fim de assistir aos jogos.
      Além disso, há uma outra questão sobre a qual não se fazem reflexões: a quantia enorme de dinheiro que será gasta para colocar em prática tudo o que é necessário para o sucesso do acontecimento. Levados pelo entusiasmo de ter o Brasil sediando uma Copa do Mundo de futebol, a paixão maior dos brasileiros, a maioria das pessoas não param para pensar nas implicações financeiras e nas consequências futuras. E os governos Municipal, Estadual e Federal se deixam levar pelo entusiasmo de ter seus nomes ligados ao evento, o que lhes renderá dividendos políticos. Isto sem falar nas possibilidades de desvios de verbas, licitações fraudulentas, e outras “roubalheiras” que costumam acontecer nestes casos, enriquecendo políticos, lobistas, empreiteiros e outros que se envolverem nas obras que estão sendo construídas.
      É claro que um evento desta magnitude, ainda mais envolvendo uma paixão nacional, traz suas vantagens para o país: a visibilidade no mundo todo, as obras que ficarão e poderão ser aproveitadas (melhorias em aeroportos, estradas, meios de transporte, etc.), o dinheiro que entrará em circulação com a chegada de muitos visitantes, e outros. Mas será que o Governo Federal, na ânsia de ver o país aceito como sede, pensou bem no enorme compromisso em que se meteu? O que acontecerá se as coisas não derem certo? E o povo já se deu conta que ele é que vai custear a maior parte dos gastos nos preparativos, através dos impostos que paga, e que esta “grana” toda poderia ser melhor empregada em obras que viessem a beneficiar a vida das pessoas mais necessitadas? O caso da última Copa do Mundo, realizada na África do Sul, mostrou claramente estádios magníficos ao lado de tristes favelas e de esgotos correndo a céu aberto. Será que tais estádios estão trazendo algum benefício agora que tudo já passou?
      Já pensaram no que as cidades-sede das regiões Norte e Nordeste, por exemplo,  onde o futebol não tem a mesma força dos grandes clubes das outras regiões, irão fazer com os belos estádios que foram construídos ou reformados, depois que a Copa de 2014 passar? Eles não se tornarão verdadeiros “elefantes brancos”, com os quais ninguém sabe o que fazer? Não acabarão se deteriorando pelo pouco uso ou pela falta de verba para conservá-los , como já aconteceu com tantas obras neste país ( a Transamazônica, por exemplo)?  Se isto acontecer, acabarão tendo de usar o gramado dos estádios para plantar soja ou engordar gado, a fim de compensar um pouco do prejuízo!
              

domingo, 17 de julho de 2011

GERAÇÃO MEDICADA


            Fiz questão de reproduzir aqui uma entrevista com a escritora Lya Luft, e coloquei-a na íntegra, para não prejudicar o estilo desta mulher tão lúcida, perspicaz, observadora,  de visão clara e firme sobre a vida.
            Loira de radiantes olhos azuis, a gaúcha Lya Luft, de 73 anos, vem de uma cidade de colonização alemã, Santa Cruz do Sul. Foi lá que, em meados dos anos 40, a então menina Lya foi  cercada por um grupo de crianças que em torno dela dançavam e cantavam: "Alemã batata, come queijo com barata". O episódio, contado em seu novo livro, A Riqueza do Mundo, ilustra o valor - para o bem ou para o mal - que a diferença ganhou na vida de urna escritora que está longe de ser comum: do “bullyng” infantil meio torto, desencaixado do habitual, ao sucesso atingido já na maturidade. "Ás vezes, ser diferente dói: sei disso", escreve.
            Tradutora de alemão e inglês, Lya Luft começou a carreira literária aos 41 anos, com o romance As Parceiras (1980), e se tornou um fenômeno na casa dos 60, com o livro Perdas e Ganhos (2003), cujas vendas estão hoje em torno de 1 milhão de exemplares. 0 sucesso deixou todo mundo atônito, ela incluída. A resposta acabou sendo dada pelos agentes internacionais que a procuravam para comprar os direitos. Todos diziam, ela lembra, a mesma frase: "Parece que esta mulher escreveu para mim". A identificação, curiosamente, vinha do testemunho dessa vida incomum, marcada (para o mal) pelo sofrimento da dupla viuvez e (para o bem) por um novo casamento na maturidade, com um saldo de três filhos e sete netos. Uma tecnologia de sofrimento ímpar, mas também um capital de afeto sem preço.

O que é a geração medicada que você menciona no livro?
Parece que achamos as pílulas da felicidade, estamos dando antidepressivo para crianças hoje em dia Por qualquer coisa, saímos do médico com uma receita de antidepressivo nas mãos. Às vezes, é preciso, claro. Tomei quando fiquei viúva pela primeira vez (em 1988, do escritor e psicanalista Helio Pellegrino. Depois, Lya se casaria pela segunda vez com Celso Pedro Luft, com quem tinha tido seus três filhos, anos antes). Mas eu nem saía da cama! Hoje não, tudo está banalizado. Não tenho nada contra remédios para dormir, nem contra cirurgia plástica, já fiz uma há 20 anos. Mas tudo isso se banalizou. Tomamos remédio para dormir, para acordar, para trabalhar, para descansar, para transar.

Por que ficamos assim?
Em parte, porque nossa vida é muito estressante, competitiva. O homem quer ser O mais poderoso, e a mulher, a mais jovem e mais sexy. Temos que ser lindos, magros, temos de subir na empresa. É duro enfrentar a vida moderna no osso do peito. E esse mesmo desejo de conforto faz com que as pessoas se droguem - porque remédio é isso, e como todas as outras drogas: serve para anestesiar ou para dar ânimo. Nós substituímos a filosofia de vida pelas pílulas. Se você não para pra pensar em sua própria vida, você vai se atordoando.

Mas qual é a saída, já que a vida se tornou estressante a esse ponto?
Não acredito mais em grandes reformas sociais, acredito em trabalho de formiguinha. Acordar de manhã e pensar se precisa mesmo dos remédios. "Eles estão me fazendo bem ou estou vivendo superexcitado? Estou vivendo superanestesiado?" Minha questão é contra a banalização. Muita gente toma remédio só porque a amiga toma. É preciso saber nadar contra a corrente.

Isso tem a ver com o "espírito de manada" que você menciona nos livros? Como ele se manifesta hoje?
Sim, sempre existiu, mas hoje está mais forte essa ideia, bem adolescente, de pertencer àquela tribo, àquele clã. Seguir as modas é uma coisa muito confortadora num mundo belo e cruel, com as gigantescas opções de uma vida cheia de TV e computador. Muitas vezes - na educa<;ao dos filhos, por exemplo -, é preciso se desligar do espírito de manada, o que é muito assustador. Não se enquadrar exige certa coragem.

As perdas fizeram grande parte de sua vida. Depois de certa idade, aprende-se a lidar melhor com elas?
Não existe receita para nada: tem gente que fica infantilizada até os 5O, tem gente que fica velha com 20. O que eu acho É que, na hora do sofrimento, tem de sofrer. Fico inquieta quando vejo alguém perder um filho, o marido, e todo mundo em volta dizendo: "Reage, não fica assim, não chora". Como não? Tem que chorar. Uma vez, uma jovem me ligou dizendo: "Lya, conversa com a minha mãe? Ela ficou viúva há 15 dias e só chora em cima da cama"."Faz 15 dias? Eu respondi: "Ela não deve estar chorando em cima da cama, ela deve estar chorando embaixo da cama!". É a hora de sofrer, mas a gente tem horror ao sofrimento. O melhor jeito de lidar com a perda é perder: você tem que aceitar. Com o tempo, se você não entrar numa psicose de luto - e aí, sim, só com ajuda e remédios -, a vida chama devagarinho. 

O que chamou você de volta da depressão?
Meus filhos. Quando fiquei viúva pela primeira vez, eu morava no Rio de Janeiro, tinha 49 anos e estava
casada havia pouco mais de dois anos. Voltei para o Rio Grande do Sul, meus filhos já eram jovens adultos e eu estava muito mal, precisava praticamente que me dessem comida na boca, meus amigos, amigos do meu marido ... Pensei: "Eles não têm culpa. Eles já estão tristes por ter perdido um amigo, meu marido, precisam cuidar de mim e eu não posso ficar um trapo o resto da minha vida". Aos poucos, fui reagindo, vi o valor dos afetos. Passei a dormir de cortinas e persianas abertas, para ver a mudança da claridade, o dia nascendo. "O mundo ainda existe", pensei. Sou uma pessoa que gosta da vida, sou mais uma hedonista do que uma sofredora. Acho que, com a maturidade - não sei se estou no começo da velhice ou no apogeu da maturidade -, você vai ficando mais esperta...

Como?
Você conhece seus próprios macetes. Eu me divirto mais agora. Uma vez, perguntaram para a Tônia Carrero, na minha frente: "Como a senhora lida com a velhice?", E ela respondeu: "Não tem o que fazer, a alternativa é a morte". O bom humor é muito importante. Meu compadre, Érico Veríssimo, sempre me dizia quando eu era jovem: "Um dia você vai entender que, às vezes, o humor é mais importante que o amor".

Depois de tantas perdas, como você lida com a necessidade cotidiana da figura do homem?
 Não tenho necessidade da presença masculina, fiquei muitos anos sozinha. Quatro anos depois de ficar viúva pela primeira vez, voltei a me casar, em 1992, com o pai dos meus filhos, Celso Pedro Luft. Menos de um ano depois, ele teve um AVC e virou meu "quarto filho", virou um bebezão durante três anos, e entãu faleceu. Vivi muitos anos sozinha e bem, embora não ache que o ser humano tenha nascido para ser sozinho. A vida dividida numa relação legal é enriquecida.
Sua visão da presença masculina sempre foi muito positiva, não?
É verdade. Meu pai era muito legal, provavelmente a pessoa mais influente da minha vida. Meu primeiro marido era uma pessoa que também me deu muita segurança quando eu era muito tímida. O que eu acho É que a sociedade cobra muito dos homens, sou solidária a eles. Eles têm de ser fortes, ter barriga tanquinho, muitos cartões de crédito, ser competitivos, ser incríveis na cama, com toda essa fantasia que se faz sobre a vida sexual dos casais de que se deve transar todos os dias, tendo mil orgasmos. E é tudo mentira: as pessoas nunca transaram tão pouco e tão mal.

Por que?
Um pouco pelo excesso de medicação, um pouco porque, se você começa a ver o que esperam de você, você sai correndo! O sexo devia ser mais natural e mais alegre.  O sexo, o amor, o carinho devem ser um refúgio desse mundo atrapalhado em que vivemos, em que corremos o tempo todo. Hoje, não é mais o pai que chega cansado depois de um dia de trabalho. É o pai e a mãe que chegam cansados, num estresse brutal. Como resolver essa nova vida, esses novos casais, a família mudando? O papel do homem ficou ai no meio. Acho também que temos certa tendência a ridicularizar os homens, não gosto disso. Essa coisa das minhas avós, "os homens são todos iguais", "os homens só pensam naquilo". Essa visão do homem como desprezível é muito triste, mas acho que ainda existe. "Os homens estão com medo dessa nova mulher." Os bobos podem até estar com medo, mas os outros acham interessante, porque, em vez de ter em casa mais uma criança, têm uma parceira.

O casamento muda quando se é mais maduro?
 Sim, quando você embarca numa relação numa certa idade, você tem que conversar sobre coisas muito reais, aceitar o outro com suas manias (desde que não a incomodem), com sua bagagem emocional: são pessoas que já viveram, casaram, descasaram, tiveram filhos. É uma mistura de tolerância, camaradagem e bom humor. Casamento ou é muito bom ou é um porre. Casamento mais ou menos não pode existir.  

                              (Por Luísa Dalcin, revista LOLA, nº 10, julho de 2011)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

PAPO DE TÍMIDO


Para os que, como eu, gostam de ler Luis Fernando Veríssimo, reproduzo aqui uma entrevista dada por ele.

Autor dos textos de humor mais amados do Brasil, Luis Fernando Veríssimo fala sobre cositas sempre associadas a ele: piadas, música e timidez.

1. Das mentiras que os homens contam, qual é a que você mais usa?
   "Eu nunca minto."

2 Ser famoso por ser tímido não é uma coisa meio estranha?
   Pois é, ser notado pela timidez não deixa de ser uma contradição. Mas há quem diga que ninguém é mais extrovertido do que um tímido, que sempre acha que está sendo a centro das atenções .

3. O que deixa você de mau humor?
    A injustiça, a prepotência e as derrotas do Internacional. Para curar, só o tempo .

4. Qual confissão você faria para o Analista de Bagé?
    Nenhuma. Tá doida?

5. É mais difícil fazer humor sobre a vida privada em tempos de tanta hiperexposição?
    As pessoas estão se encarregando de fazer suas próprias comédias e expor seus próprios ridículos ... Isso é concorrência desleal.

6. As pessoas esperam que você seja engraçado o tempo todo?
    Tenho certeza de que elas se decepcionam quando me conhecem. Sou a pessoa mais sem graça que conheço.

7. Quando uma piada perde a graça?
     Quando magoa alguém.

8. Você alguma vez sentiu que seu sobrenome pesa mais do que você gostaria?
     O sobrenome nunca foi problema, pelo menos consciente. E é claro que ajudou.

9. Para aliviar a cabeça, é melhor a leitura ou  a música?
    Alívio, a musica, mas as duas coisas fazem bem para a cabeça. Mas separadas: música nunca deve ser apenas de fundo.

10. E na hora do seu desabafo, você prefere escrever ou tocar?
      Tocar. É o que me dá mais prazer.

FALA POUCO, MAS FAZ MUITO.
        Para um tímido célebre, até que Veríssimo se virou bem ao espalhar suas crias Brasil afora. O gaúcho quietao e pai de clássicos como O Analista de Bagé (o psicanalista mais ortodoxo do que a pomada Minancora), A Velhinha de Taubaté ( a única brasileira que ainda acreditava na política brasileira), Ed Mort (o detetive incrivelmente trapalhão) e As Cobras(os répteis cabeça que discutem economia e filosofia). 
       A equipe de LOLA encontrou Veríssimo na casa do escritor, no tranquilo bairro de Petrópolis, em Porto Alegre. A casa foi construída pelo pai, Érico Veríssimo, na década de 40. A fachada é discreta, com um banquinho de madeira e azulejos coloridos formando um mosaico em torno da porta. Ele chegou em casa atrasado, explicando: "Estava dando uma palestra para crianças em um colégio aqui perto". 
       Veríssimo tem quase 70 títulos publicados, entre livros de crônicas, tirinhas, contos, novelas, romances, guias de viagens, poemas, histórias infantis e até uma confissão de amor ao seu time, o Internacional. Também acha tempo para ser músico. É o saxofonista da banda bissexta Jazz 6. E tem quatro CDs gravados

                                           (Por Luísa Dalcin, revista LOLA, nº 10, julho de 2011)