quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

ÀS MÃES E PAIS DE HOMOSSEXUAIS E TRANSEXUAIS

     A pedido de CLAUDIA, o deputado baiano Jean Wyllys, eleito pela revista The Economist uma das 50 maiores personalidades na defesa da diversidade nmun-do (ao lado do presidente americano Barack Obama e da paquistanesa Malala Yousatzai), escreve uma carta às famílias sugerindo que o acolhimento tome o lugar da rejeição narelação com os filhos
    
   Senhoras e senhores, ao fim deste texto, pretendo dar-lhes uma humilde contribuição para ajudá-los a remover a erva daninha  que dificulta o crescimento do amor em suas famílias; a construir uma vida melhor para seus filhos e filhas e a entregar pessoas mais fortes para este nosso mundo. Antes, porém, preciso dar um breve testemunho.
    Sou um homem gay, de 41 anos, bem-sucedido (jornalista premiado, escritor com quatro livros publicados, roteírista, apresentador de um programa de Tv, ativista dos direitos huma-nos e “estoudeputado federal no segundo mandato), apesar de ter nascido na pobreza material e vivido um conjunto de violências físicas e simbólicas - a homofobia -, que recai sobre mim desde que me entendo por gente.
   Na primeira vez em que ouvi o insulto viado”, eu tinha apenas 6 anos. Vocês conseguem imaginar o que isso significa? E qual o impacto para a saúde mental ouvir - de adultos, de-pois de outros garotos - essa ofensa quando, aos 6 anos, não se tem nenhuma noção do 
que seja orientação sexual? Podem mensurar o sofrimento de uma criança humilhada por fazer algo que deveria ser respeitado em qualquer situação e que está no cruzamento das fronteiras de gênero erguidas pela sociedade (isso é de menino, aquilo de menina)?
   Muitas dessas violências eram praticadas por pessoas que conviviam comigo. O que mais me fez sofrer foi o sentimento de ser menos ou nada amado por minha mãe e,principalmente, meu pai por causa do meu "jeitinho", da minha 'diferença'. Supunha que os envergonhava. Talvez por isso tenha multiplicado os esforços para agradar a eles desde então. Eu me fazia necessário para ser amado. Fiquei ao lado de meu pai até seus últimos minutos de vida. Garanti um tratamento digno para o ncer que o vitimou. E minha mãe é minha rainha. Cuido dela nos mínimos detalhes, dou o que tenho de melhor em mim. Apesar da homofobia que carregavam - e que os levou a me preterir -, não desisti deles. 
    Com o tempo, erradiquei, à base de bons argumentos, a intolerância e recuperei o amor que se perdia entre nós. Felizmente, meu pai viveu o suficiente para perceber que estava errado, no pensamento anti-homossexual, e me pediu perdão do seu jeito. Minha mãe se converteu em quase ativista, é "uma mãe pela diversidade" e se orgulha dos filhos gays (tenho um irmão gay e quatro iros hetero). Se tivesse desistido dos meus pais, nossa sorte teria sido outra: uma má sorte. Quantas relações de amor a homofobia destruiu e ain-da destrói? Incontáveis! Quantos filhos foram expulsos por ser homossexuais? Quantos fu-giram de casa (do bairro, da cidade) para sobreviver e gozar a liberdade de ser quem são
longe da violência dos que deveriam protegê-Ios? Quantos se viram empurrados para os destinos imperfeitos que a homofobia associa à homossexualidade? E quantos desistiram de viver por não suportar a perseguição?

   Caros pais e mães de filhas e filhos homossexuais e/ou transexuais: pensem nessas questões antes de tomar qualquer atitude em relação àqueles que vocês puseram no mun-do e que só desejam amor e compreensão da família. Eles dependem de vocês para ter uma vida autônoma. Eu sei (e compreendo!) que esperam escolhas semelhantes às suas. Isso é uma fantasia. Basta que se comparem aos próprios pais. Vocês se parecem com eles e cumpriram as expectativas que tinham? Ora, pai e mãe, que merecem ser chamados assim, amam os filhos como são. E não porque correspondem aos desejos, às fantasias narcisistas e egoístas do casal.
     A primeira atitude que devem tomar é não reprimir a liberdade e a criatividade infantis. Diante de qualquer suspeita de que sua criança seja homossexual ou transexual, o melhor - antes de buscar informações em fontes confiáveis, que quase nunca são pastores e padres - é ouvir atentamente, e sem julgar, o que ela tem a dizer sobre si mesma. Lembrem-se de que não são apenas os seus projetos de felicidade que estão em pauta. o as expectat-ivas de seus filhos e suas filhas, que não pediram para nascer, que contam. Eles têm o di-reito de expressar os afetos de modo diferente. A desculpa de que vocês não os aceitam gays porque não querem -Ios sofrer é esfarrapada e contraditória. Rejeição e repressão dão início ao sofrimento que supostamente a família deseja evitar. Saibam que eles estaiam mais imunes às inevitáveis maldades do mundo se contassem com o amor de vocês. De resto, por mais que tentem evitar a homossexualidade ou a transexualidade, elas acabarãse impondo se seu filho ou sua filha não morrerem antes. Pensem. Isso vai ajudá-los a retirar a erva daninha - o preconceito - que se alastra em casa.
Cordialmente e com respeito,
                                                             Jean  Wyllis
                              (Revista  CLAUDIA, dezembro de 2015)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

VOCÊ FAZ A SUA PARTE?

    Não basta criar um filho com consciência ambiental. Os pais têm de mudar suas atitudes em casa e ser o exemplo. Um desafio nada fácil.
No discurso  fica fácil teorizar sobre conscientização ambiental e preservação da natureza. O melhor seria transferir essa responsabilidade para escola, certo? Porém, faz parte da nossa carteirinha de bons pais tocar no assunto de maneira séria e responsável. Ou mudar de atitude e ser exemplo. Não é fácil, o desafio é grande, mas vale a pena adotar pequenas mudanças na nossa rotina. O cenário e complicado para nós, nossos filhos e para as gerações futuras. Doenças praticamente erradicada ressurgem em função de nossos maus hábito. Por exemplo, deixamos água limpa acumulada e propiciamos a proliferação de larvas do mosquito Aedes aegypti, aumentando o risco de doenças transmitidas pelo vetor, como dengue, zika e chikungunya. Sem falar na recorrência de "fenômenos naturais", como enchentes e deslizamentos de terras, entre outros, que são resultados da interferência do homem junto ao meio ambiente. ,
  Em outras palavras, precisamos ter uma nova postura, incorporar novos valores e atitudes. Quanta coisa inútil compramos num impulso consumista no supermercado que agridem o ambiente e nem nos damos conta disso? Vou exemplificar uma questão que só percebi há pouco tempo: o vidro é 100% reciclável, mas a gente ainda prefere levar uma garrafa pet descartável para casa, um material que demora mais de 400 anos para se degradar. Vamos nos fazer perguntas simples:
- Costuma separar o lixo em casa?
- Tem o hábito de deixar a luz acesa ou a TV ligada sem ninguém no local?
- Sempre fecha a torneira quando escova os dentes?
- Cuida o tempo que fica embaixo do chuveiro? Desliga quando vai se ensaboar?
- Joga papel ou outro resíduo fora do lixo?
    Pense nas respostas. Sempre é tempo de mudar. Atitudes simples, como separar o lixo
em casa - pode ser apenas separar o seco do orgânico (afinal, temos um sistema de coleta
seletiva deficiente na cidade) - já são de grande valia. Fechar a torneira enquanto escova os dentes, desligar a luz quando sai do ambiente são gestos que ajudam a formar um cidadão mais consciente. Além de atitudes, que tal ter conversas francas com o filho diante de situações corriqueiras do nosso dia a dia?
  Em um desses dias de chuvarada que têm sido tão recorrentes na Boca do Monte, aproveitei uma pergunta da pequena para explicar que não é o Papai do Céu que manda alagar ruas e casas. Foi uma oportunidade de explicar que o ser humano está usando o solo de forma errada. A gente constrói onde não deve, tem o hábito de jogar lixo em qualquer lugar e o resíduo acaba indo parar no rio, vai entupir os bueiros e etc. Assim, não tinha mais espaço para o rio correr no seu leito e ele transborda, o bueiro está com tanto entulho que joga a água para cima.
    A linha de pensamento aqui é egoísta. Ou seja, a de preservar a nossa raça, a humana. Para isso, precisamos viver em harmonia com a fauna, a flora e as nossas águas. Infelizmente, não conseguimos mudar o mundo, mas vamos fazer a nossa parte, em casa, com a gente e nossos filhos. Lá em casa, estou tentando criar sujeitos melhores do que eu, que sejam permanentes fiscais e cuidadores do meio ambiente. Repito, não é fácil, o desafio é grande ...


           (Ticiana  Fontana – Diário de Santa Maria, 10/01/2016)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

FELIZ ANO NOVO

 
    Nem adianta a gente dizer que não vai botar no papel. À medida que o Ano Novo se aproxima, há um impulso humano e Irrefreável de buscar o balanço de perdas e ganhos, danos e curas, avanços e omissões de que todos sornas feitos. A lista mental de metas e desejos dá de ombros para o papel e desenha a si própria à revelia da nossa vontade.   
      Ainda que o saco de frustrações, troncho e disforme, nos dê um trabalho enorme para carregá-la, o futuro nos afaga. A ilusão do recomeço nos municia de esperança, corno se a folhinha rasgada do dia 31 de dezembro nos oferecesse magicamente as possibilidades que já tínhamos. Que mal faz o doce autoengano do Ano Novo?
     Por mim, me bastaria um ano que começasse corno naquela letra antiga - acho que do Walter Franco - que, na simplicidade de seus quatro versos, faz às vezes de um mantra benfazejo, ou de urna oração hippie em desuso, ou de urna maneira de viver fossilizada pelo ritmo frenético da vida digital que nos tira o descanso e a paz:  Tudo é urna questão de manteria mente quieta/a espinha ereta/e o coração tranquilo".
     Desejo para mim e para os outros a mente quieta dos mansos, dos lúcidos, dos que interpretam as incoerências da vida entendendo suas contradições sem aceitá-las. Mente quieta nada tem a ver com sub- missão, É de serenidade que falo, pré-condição que elucida o caos e nos deixa no prumo da razão. Mente quieta para discernir, compreender e intervir sem oprimir-se. Mente quieta para estar bem e contagiar os outros com esse estado.  
     Desejo também a espinha ereta dos altivos, dos que não fazem concessões ao malfeito, ao logro, ao dolo. Quero manter sempre a dignidade das minhas convicções, e só transigir se for convencido pelas ideias e pelos fatos, nunca pela chantagem, pelo dinheiro, pelas vantagens espúrias, pelas conveniências. Que minha espinha mantenha-se sempre ereta para olhar meus filhos nos olhos, sem jamais sentir vergonha de mim. E quando eu errar, que ela esteja ereta inclusive para que eu reconheça que errei.
     Que a calma pulse em meu coração. Mas não a calma dos omissos, a falsa calma dos procrastinadores, dos que jogam o que é feio para debaixo do tapete. Quero a calma dos inquietos, dos inconformados, dos que têm a consciência limpa dos atos concretos. O bem acalma o peito. O coração tranquilizado pelo amor de urna mulher, pelo amor dos
meus amigos, pelo sentimento do mundo, corno diria Drummond. Por falar nele, termino esta crônica com os versos sábios do poeta: "Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome/você, meu caro, tem de merecê-lo/tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil/mas tente, experimente, consciente./É dentro de você que o Ano NOVO/ cochila e espera desde sempre."


   (Marcelo  Canellas – Diário de Santa MARIA, 03/01/2016)