segunda-feira, 27 de maio de 2013

O BANHO NOSSO DE CADA DIA



     A gente tem horror à rotina e isso é uma bobagem. É no comezinho que a vida se organiza e as dores cicatrizam. Um dia após o outro, um banho após o outro. Enquanto você dá conta dessa teimosia, está rolando os dados. Por Hilda  Lucas

   " Foi horrível, a gente brigou feio, se machucou, se ofendeu, ele saiu batendo a porta e, depois de ficar ali parada sem saber se ia atrás ou pulava da janela, sabe o que eu fiz? Entrei no banho. Tomei um banho de vira-lata e saí gente de novo. "

    Banho de vira-lata é aquele em que você entra quase de quatro, se arrastando, se sentindo destruída. Você chora alto, senta no chão, cogita se afogar. Você liga o chuveiro e tudo que você quer é se diluir, esvaziar. Você gasta sua cota anual de água, conta todos os azulejos, sai com os olhos inchados, pele de uva passa, mas sai, e esse sair é transformador. Algo sempre muda depois de um banho de vira-lata e o mais frequente é você se dar conta de que aquele banho lhe fez bem. Um bem simples, reconfortante, que pôs você no prumo, lhe devolveu o rumo e lhe deu força para encarar o dia, a barra de viver, as feras todas. O banho de vira-lata é aquele que você toma com "seus botões de carne e osso", com seus fantasmas,  com sua impotência, seu pânico. Nele você entra sem saídas, sem respostas e pode até sair sem soluções, mas sai estranham ente apaziguada, você sobreviveu ao banho e parte do desespero escoou pelos poros, pelo cano. No banho, a drenagem do cansaço, o conforto da limpeza, a certeza de que a vida segue lá fora, pois banho é reparação.
     Por isso, quando a vida mandar você tomar banho, vá! Vá sem medo, mesmo que se debulhando. Confie no poder do banho. Confie na função terapêutica da rotina. Enquanto você dá conta de se arrumar, se alimentar, trabalhar, dormir (mesmo que com uma ajudinha ... ) e tomar banho significa que você está rolando os dados. A gente tem horror à rotina e isso é uma bobagem, pois é no comezinho da rotina que a vida se organiza e as dores cicatrizam. Um dia após o outro, um banho após o outro.
      O banho nesse quesito é emblemático. Tão simplesinho, tão arroz com feijão, tão generoso. Nossa dose diária de esperança e entusiasmo. O banho nosso de cada dia é uma espécie de oração, de teimosia, de pacto. Na maioria dos banhos, apenas cumprimos nossa rotina de asseio e civilidade. Mas banho que é banho é muito mais que higiene.
       Quantas vezes bradamos: "Meu Deus, preciso de um banho!", certos de que o banho nos devolverá equilíbrio e força. Tomamos banho e ficamos novos, limpinhos, recompostos. Um milagre caseiro feito de água e sabão. Uma parada, um respiro, uma trégua.
      "Tudo o que eu pensava era que quando saísse dali tomaria um banho. Um banho demorado, no escuro, com música e vinho. O juiz lia a sentença do divórcio e tudo o que eu pensava era em tomar banho. Como se no banho eu fosse me livrar de todo o massacre daqueles dias, me limpar de todas as nódoas, esvaziar o vazio. "
        A vontade de tomar banho aflora como uma urgência, uma tábua de salvação, um remédio nas horas mais difíceis e complexas. Tomar banho depois de uma situação extrema é o primeiro indício de que a vida voltará, de uma forma ou de outra, para os trilhos. O banho funciona como o primeiro sim que você diz à continuação do viver.
     "No primeiro banho que tomei depois que meu marido morreu, entendi que eu não tinha morrido com ele. Parece óbvio. mas eu só entendi no banho, um banho igual a todos os outros e totalmente diferente de todos os outros. Pensei comigo: assim serão meus dias, iguais e totalmente diferentes ... "
        No banho, mais que xampus, espuma, cremes, sais, há também o choro, as marcas do amor, as secreções, o medo e a convalescença descendo redentoramente pelo ralo. No banho, a possibilidade de esquecimento, de recomeço, de entrega No banho, nossos dilúvios, nossos redemoinhos, nosso desaguar sem fim; nossos batismos, nossos segredos, nossos mergulhos. No banho, os resíduos do ontem, a troca de pele, o tempo suspenso.
        Saímos de hospitais e enterros pensando em banho; tomamos banho depois de brigas, demissões e discussões. Neutralizamos o desgaste do dia, do trânsito, do trabalho com um banho bem tomado. O banho é, portanto, um hiato entre estágios, interfere no tempo vivido, limpa o corpo, desperta a consciência, nos acorda por dentro. Quantas vezes pensamos no meio da correria da vida: "Daria tudo por um banho ... ". Banho é refúgio, é reset.
        Mulher é um bicho cheio de fluidos e fluxos, marés e maremotos. No mundo feminino, banho que é banho tem um quê de nascimento de Vênus, algo mítico, inaugural, pois alguns banhos são fundadores, divisores de águas. São os banhos de estreia. Aquele que a gente toma depois da primeira menstruação, quando cheias de sustos e intuições vemos sangue misturar-se à água. O banho depois da primeira trepada... O corpo novo, doído, doido, desperto banhando-se de outro. Depois, você inventa sexo no banho e o banho vira leito de rio, pororoca. E o banho que você toma quando descobre que está grávida? Todos os banhos durante a gravidez? O corpo expandindo, os seios explodindo, a imaginação voando. São os banhos de Eva: você e toda a Criação ali, debaixo do chuveiro, imersas em plenitude. Então, vem o banho da maternidade: o leite escorrendo do peito da mãe recém-nascida e você pensa extasiada que teve um filho e filho é para sempre. Mais tarde você analisará no banho as rugas, a flacidez, as marcas do tempo e, depois de certo assombro, tomará seu banho com a mesma diligência amorosa de sempre. No banho, a crônica da vida

       Mas só quando você toma um banho day after, você compreende a força do banho. Banho day after é aquele do dia seguinte a uma ruptura, uma tragédia pessoal. Você sabe que depois daquilo nada será como antes. A vida não será a mesma, nem você será a mesma e, no entanto, você toma banho como se tudo continuasse como era. É incrível. Sua mãe morreu e você toma banho como fez todos os dias. Você se separou e lá está você no banho, a despeito de tudo. Você perdeu um filho, um irmão, sua melhor amiga ou descobriu que tem um tumor e, estoicamente, toma banho. O santo banho, aquele que faz você voltar a funcionar, pois, no caos, o hábito é a regra de ouro para que a vida se recomponha. Nessas horas, tomar banho é comovente. E você tem certeza de que a vida é pura teimosia, que continua a despeito das perdas e dos reveses e no banho você está apenas afirmando: estou dentro, estou viva.
       "A ardência do xampu no olho me despertou. Já estava no banho há horas. Entrei nele feito um zumbi e fiquei debaixo do chuveiro inerte, querendo descer pelo ralo. Não desci, não me esvaí. O ardido no olho me fez reagir. Terminei meu banho com eficiência. Quando saí, caí num choro diferente daquele que eu tinha chorado antes. Lá estava eu, diante do espelho e do resto da minha vida: nua, em carne viva, viva. Fiquei comovida. Era meu rosto, eu mesma. Havia sobrevivido, haveria de sobreviver. A vida por ser reescrita, um novo futuro para construir, um trabalho de doido que acabara de começar com aquele banho. "
         Banho que é banho lava a alma.

          ( Revista LOLA,  abril 2013)     

segunda-feira, 1 de abril de 2013

QUEM SALVA O HOMEM?


O psicólogo Marcos Nascirnento diz que a famíília se esqueceu de olhar para os meninos. PATRÍCIA ZAiDAN

   No Encontro Global de Parcerias pelo Fim da Violência Doméstica, que a ONG Vital Voices e o Instituto Avon realizaram em Brasília, o psicólogo Marcos Nascimento, pesquisador de sexualidade e direitos humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, observou que o homem cresce se sentindo só e sem lugar para rever seus problemas.

Quando decidiu trabalhar com a ala masculina?
Antes da psicologia, fiz engenharia com quatro mulheres e 25 homens. As brincadeiras, cheias de sacanagem, davam o tom de como as coisas funcionavam: um queria provar que era melhor, o outro desqualificava a masculinidade do colega. No futebol, via beijo, abraço, choro e fúria. Fui me interessando pelo comportamento do homem. Ele não fala da sua sexualidade, do medo do fracasso, de filhos. Especialistas em gênero também não o veem; estudam o feminino, o direito e o papel da mulher.

Por que usa o futebol nos seus grupos?
É um campo de emoções como poucos. Numa ONG, após o jogo, refletíamos com os jovens. Eles acabavam sentindo a capacidade de viver a agressão e a amorosidade. Discutiam o sentido da violência. Em casa, não ensinam ao garoto que não se deve ser rude com mulheres. Ele nem nota que foi autoritário se rouba um beijo e força a menina a "ficar".

A família tem dificuldade de ensinar?
É cultural. Enquanto o menino vê TV, a menina ajuda na casa. Fica a ideia de que ela deve servi-Io. Outra mensagem que ela leva para a vida adulta: o ciúme e o controle por parte do homem - duas atitudes que geram violência - significam cuidado e proteção. Ao educar dessa forma, a família naturaliza o perigo. Para alguns homens, não há como resolver uma questão sem gritar ou agredir. Ele justifica: "Meu pai fazia assim, meu avô e o meu sogro também".

O menosprezo, o achincalhe, o xingamento são tidos como agressão?
 O homem acha que só o que deixa roxo é ataque. A pressão psicológica é até mais nociva. Só percebe quando é sensibilizado por alguém que mostra que, com as brigas, os filhos se prejudicam, todos perdem.

O que leva um homem a grupos como esses?
Desejo de mudar, amadurecer, aprimorar relações afetivas. Ou vai por pressão da mulher. Há ganhos nos dois casos - ele não tinha com quem dividir o que sente e aprender. Uma vez, um rapaz contou que a noiva o traíra. Os outros perguntaram se iria atrás do cara, se daria uns tapas na moça. Ele disse que fez melhor: rompeu por quebra de confiança. E que resolver conflitos com estupidez dava em mais problemas. Os outros foram para casa pensando.

               (Revista Claudia ,  fevereiro  de 2013)

  Considero muito oportuna esta entrevista de Patrícia Zaidan com o psicólogo  Marcos Nascimento. Fala-se a todo momento na necessidade de atendimento e proteção as mulheres vítimas de violência por parte de seus companheiros. É necessário, é ótimo? Mas quem se preocupa com os homens que têm esse comportamento? Eles certamente não nasceram assim! Em algum momento de suas vidas algo falhou em sua educação e eles adotaram tal comportamento. Está na hora de eles também receberem um atendimento psicológico que os torne capazes de ter uma vida normal. Não podem se tornar párias dentro da sociedade, ser proibidos de ter mulher, família, filhos. Somente cadeia não vai torná-los melhores! Necessitam ter a oportunidade de uma nova chance.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

É O FIM DO HOMEM ?

    Polêmico livro lançado nos Estados Unidos diz que sim - ou, pelo menos, seu poder estaria com os dias contados - e o mundo agora seria das mulheres. Experts discutem se isso é mito ou verdade
MARIA LAURA NEVES

Imagine-se presidente de uma grande multinacional, à frente de uma poderosa diretoria maciçamente feminina. Depois do expediente, você cursa uma especialização e só dá mulheres nos corpos docente e discente. Ao chegar em casa à noite, seu marido comenta que acabou o iogurte das crianças e a geladeira está vazia. Cansada, você diz que deixará o cheque para que faça as compras, já que ele sai mais cedo do trabalho. Segundo a jornalista americana Hanna Rosin, esse cenário, que parece utopia feminista, é uma realidade bem próxima da que vivemos hoje e será 100% verdade para nossas filhas - e filhos. No livro The End of Men and The Rise of Women (O fim do homem e a ascensão das mulheres), ainda não publicado no Brasil, ela defende que, após séculos de dominação masculina, o poder será das mulheres.
Segundo Hanna, isso ocorre porque estamos mais aptas do que os homens a responder às demandas da nova economia, baseada nos serviços. Somos mais qualificadas - 60% dos formandos nas universidades brasileiras são mulheres - e temos habilidades valorizadas hoje, como facilidade para a comunicação, versatilidade e capacidade de conciliação.
A jornalista baseou sua teoria na constatação de que a maior parte dos empregos nos Estados Unidos afetados pela crise econômica estava em setores predominantemente masculinos, como a construção civil e o mercado financeiro. E a necessidade de ganhar a qualquer custo e o gosto pelo risco, traços típicos do comportamento do homem, teriam sido decisivos para a bancarrota. Seria uma prova da falência do modelo de gestão do macho agressivo.
A nova configuração da divisão do trabalho e do poder levaria a uma crise da masculinidade e transformaria também o modo como homens e mulheres convivem na intimidade. Hanna diz que americanas de classes sociais mais baixas já estariam abandonando o marido por acreditar que ele mais atrapalha que ajuda (só 3% topam cuidar da casa e dos filhos enquanto elas trabalham). Já as ricas estariam em casamentos mais completos e equilibrados, dividindo com o parceiro a responsabilidade dos afazeres domésticos. A tese gerou muitas críticas. Por exemplo, nós ainda ganhamos menos do que eles na mesma função. Quatro especialistas incrementam o debate.

Esquecido e desfavorecido (Martin Van Creven)
"Esta não é a primeira vez que uma recessão coloca as mulheres no papel de vencedoras e os homens assumem o de perdedores. Em 1848, o filósofo alemão Friedrich Engels escreveu que, em tempos de crise econômica, os homens pobres ficam em casa e as mulheres saem para trabalhar. Durante a Grande Recessão da década de 1930, elas entraram no mercado de trabalho porque muitos foram demitidos. Então, essa discussão tem pelo menos 160 anos. Acredito que a atual crise vai passar e que não estamos diante do 'fim' do homem. Ocorre que, quando o mercado está mais cauteloso, a maneira feminina de agir realmente é mais valorizada. Em geral, os homens são mais adeptos do risco. Mas, no final, como o capitalismo é movido pela ambição e pelo gosto ao risco, penso que quem chega ao poder  é - e tem de ser - mais agres-sivo e competitivo. E os homens são melhores do que as mulheres nisso.  
De qualquer forma, não é fácil ser homem (mas não estou querendo dizer que é fácil ser mulher!). As estatísticas mostram que eles ainda trabalham mais horas do que elas. Os postos mais perigosos, sujos e pesados são ocupados por eles. Para ter uma ideia, cerca de 90% das mortes em acidentes de trabalho nos Estados Unidos são de pessoas do sexo masculino. Eles também são as maiores vítimas de crimes violentos e vivem menos do que as mulheres. Homens têm um custo de vida menor, mas pagam mais impostos. E, mesmo assim, recebem menos benefícios do governo. Quais países oferecem direito à licença paternidade? Homens não amam os filhos menos que as mulheres, mas as leis do divórcio são favoráveis às mães em muitos países. O pai que se separa e consegue a guarda dos filhos é exceção. São todas questões já antigas, e eu ficaria surpreso se fossem resolvidas. Talvez isso aconteça em um mundo gerido por mulheres - o que não acredito que vá acontecer."

Novo sexo frágil (Luiz Cuschnir)
"Não acredito no 'fim' dos homens, mas em uma crise da masculinidade que começou há anos e ainda não foi resolvida. À medida que o poder foi deixando de ser exclusivamente masculino, eles passaram a se dedicar mais aos filhos e à casa e a prestar atenção nos próprios sentimentos. Aí se assustaram e se amedrontaram com a própria fragilidade. Ficaram perdidos e deprimidos. A ascensão feminina continuou, abalando cada vez mais a auto estima dos homens, porque a masculinidade se confirma pelo poder e pela vitória. Se as mulheres tomam a dianteira de tudo, eles não sabem o que fazer. Outro ponto que fragiliza é que os homens perderam espaço no mercado, mas não se afirmaram completamente em casa. Por exemplo, quando se dispuseram a se aproximar mais dos filhos, encontraram resistência. Raramente a mulher quer mesmo dividir o poder dentro de casa. Qual de vocês nunca criticou o marido por não dar banho ou vestir o filho do jeito certo quando ele resolve fazer isso sozinho? A atitude deixa o homem desestimulado e o paralisa. Porque não há jeito certo de cuidar dos filhos ou da casa. Existem jeitos diferentes. Homens e mulheres precisam aprender a dividir o poder, dentro e fora de casa."

Era de igualdade (Marl Justad)
“Discutir o “fim” do homem e a ascensão da mulher da maneira como propõe a teoria de Hanna  não acrescenta nada ao debate da igualdade de direitos. O machismo se baseia na noção da superioridade inata do homem e nas diferenças absolutas entre os gêneros, que nunca foram  comprovadas. Sugerir uma nova era em que o  poder e as regras serão invertidos é se basear nas mesmas  premissas do machismo. A maioria dos americanos acredita que homens e mulheres são iguais. Suspeito que há pessoas interessadas apenas em colocar fogo na guerra dos sexos porque iisso vende livros.
Analisando as mudanças apontadas pela autora, o que vejo, na verdade, é um novo período, em que homens e mulheres terão a mesma autonomia. Penso que a crise da masculinidade exista  apenas entre os homens que não aceitam que a mulher ganhe mais ou tenha mais prestígio  que eles. Não acho que se trate de uma crise generalizada, e sim de uma aflição que atinge somente aqueles que  ainda não se adequaram a uma era de igualdade. Não estamos mais em uma guerra entre uma guerra entre os sexos. Isso é resíduo de uma mentalidade masculina estreita, criada  por uma ideologia patriarcal, da qual alguns têm dificuldade de escapar. Considero importante ressaltar que as questões que prejudicam homens negros  ou gays não estão contempladas nesse tipo de discussão. O segundo grupo, por exemplo, desafia o conceito de masculinidade há  décadas e nada foi dito sobre isso."

Longa Jornada  (Nina Madsen)
"Não estamos nem perto de presenciar o “fim” do homem no Brasil. Estudos mostram que a velocidade da participação feminina em espaços predominantemente masculinos vem diminuindo da década de 1990 para cá. A escalada das mulheres a postos de poder foi intensa entre os anos 1970 e 1980, mas, depois, o ritmo diminuiu. E nós ainda ganhamos 70% do salário deles.
Além disso, nossa ocupação do mercado de trabalho não levou a alterações na divisão das responsabilidades em casa e dos serviços domésticos. Isso continua em nossas mãos. Mulheres gastam cerca de dez horas semanais com tarefas da casa, enquanto os homens utilizam apenas uma hora com isso. A vida deles não mudou nada com nossa entrada no mercado de trabalho ou nossa ascensão a postos de poder. Mas nós ficamos mais sobrecarregadas. Outro ponto é que, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, por aqui a crise econômica de 2008 abalou mais as mulheres que os homens. Um estudo do governo federal mostrou que, no Brasil, o emprego delas foi mais afetado que o deles. Um detalhe é que, quando um homem perde o trabalho, ele se mantém no mercado na categoria de desempregado. Quando é com a mulher, ela volta para casa e sai do páreo. Não vejo nenhum grande avanço."

(Revista CLAUDIA,novembro de 2012)

sábado, 9 de fevereiro de 2013

PARA ONDE VAMOS?

    O psiquiatra Flávio Gikovate diz que o cotidiano  hoje é  marcado por egoísmo, vaidade e compras. Por PATRÍCIA  ZAIDAN 
    
    Por quatro horas, o psiquiatra e psicoterapeuta Flávio Gikovate e o filósofo Renato Janine Ribeiro falaram sobre a vida nestes tempos de vaidade e alto consumo. O resultado está no livro Nossa Sorte, Nosso Norte (Papirus 7 Mares), que sairá em DVD. Gikovate, que já publicou 25 títulos, tem programa na Rádio CBN e chegou a participar da novela Passione, comenta dilemas atuais.

 Por que as pessoas têm hoje tanta necessidade de ser vistas e de comprar coisas?
Esse é um dos graves reflexos da revolução sexual. Achávamos que a liberação desarmaria os seres humanos, traria democracia, já que todo mundo transaria com todo mundo. Mas virou uma corrida para chamar a atenção do outro. Cresceu a busca pela aparência física, que é amiga íntima do consumismo. Os hippies só queriam amor, sexo, paz e aconchego. Nada parecido com auto erotismo e exibição no Facebook.

E o Facebook atiça a inveja.
 E mexe com a frustração. Estar ali é como ser dono de uma revista de celebridade que publica as próprias notícias. Você vai à praia e põe lá. Compra e posta. Quem não foi e não tem baba. Olhar a vida alheia gera tensão. Não traz felicidade.

Como está a família?
Há muito egoísmo. Gosta-se dela desde que se possa receber mais do que dar. As alianças são feitas entre o generoso e o egoísta. Mas quem só dá anda cansado desse papel. O desafio é equilibrar, alternar.

Por que trabalhamos tanto?
 A vida está mais longa, precisamos de mais dinheiro para custeá-la. Além disso, profissão virou identidade. Você conhece alguém e já quer saber o que ele faz. Nem pergunta se ele ama, se tem filhos, um lazer ... O que é ruim. O Renato diz que não haverá emprego para todos e que trabalharemos três dias por semana para sobrar vaga para os outros. E, na folga, cultuaremos o prazer.

Mulheres se queixam de assumir tudo em casa. É irreversível?
Elas não voltarão a lidar com a casa e continuarão crescendo na carreira. O homem, cada vez mais folgado, mudará. Ele se acomoda pelas facilidades eróticas. Não precisa mais fazer força para ter sexo: chega e leva. O momento é de encrenca geral. Mas minha futurologia é otimista. Estamos em transição: o homem crescerá, se envolverá com casa, filho ... Será bom para todos.

 (Revista CLAUDIA - dezembro 2012 )

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A MANADA É PRA LÁ

   Tem gente me acusando de esnobismo porque não tenho Facebook e Twitter, nem gosto de bater perna no shopping ou tagarelar ao telefone. Esse é o problema: ir contra o senso comum hoje é considerado desaforo.
Por Martha Medeiros

 Vou manter o nome dele em sigilo, já que é um renomado cirurgião, mas vou delatar o crime: meu pai não tem celular. Em sua defesa, ele diz que pode ser encontrado no consultório ou em casa, esses dois telefones bastam, sempre bastaram. "Mas, pai, e se teu carro pifar no meio da estrada? E se te sentires mal durante uma caminhada na rua? E se te atrasares no caminho para buscar a namorada?" Ele é um homem moderno, aos 76 anos tem uma namorada, mas não tem celular.
    Eu ficava indignada por ele manter essa inacessibilidade. Parecia que ele estava querendo apenas ser diferente dos outros, e os diferentes sempre dão a entender que são mais evoluídos, que possuem uma sabedoria que nós, reles mortais, jamais conseguiremos atingir. Como ele pode prescindir de um aparelho imprescindível? Ora, imprescindível pra mim, pra você. Para ele, não é. Só então lembrei como também costumo ser patrulhada.
    Faz pouco tempo, uma amiga demonstrou uma irritação descabida comigo. Não entendi: "O que foi que eu fiz?". Ela disse que eu fazia isso só para me exibir. "Isso o quê, criatura?". Não conseguia adivinhar o que a magoava, até que ela esclareceu. "Você não tem Facebook nem Twitter para se sentir superior."
    Eu realmente não uso as redes sociais. Sei que tem Faces que divulgam frases minhas, e que há alguns perfis de pessoas que fazem de conta que sou eu, mas não sou eu. Não é para me sentir superior ou inferior: simplesmente não tenho tempo sobrando. Já é um esforço conseguir manter a caixa de e-mails razoavelmente atualizada, para que procurar mais encrenca na minha vida? Meu tempo ocioso é sagrado. Expliquei para minha amiga que não era nada pessoal, que ela relaxasse, mas aquele dia ela estava surtada pela TPM. O Face e o Twitter eram apenas os primeiros itens de uma longa lista que ela havia mentalmente preparado para me condenar à exclusão.
     "E quanto a não idolatrar a ajuda das empregadas, como qualquer outra mulher atarefada?" Não acreditei que estava tendo essa conversa. Lembrei que uma semana antes havia comentado que a hora mais feliz do meu dia era quando a empregada saía pela porta dizendo: "Até amanhã, dona Martha". É uma funcionária exemplar que está comigo há mais de 20 anos. Trabalha de segunda a sexta das 10 às 16 horas, e ainda vibro quando ela pede para sair mais cedo. Adoro escutar a porta batendo e a sensação de que estou sozinha em casa. Não me sinto confortável no papel de patroa. Jamais cogitaria que alguém trabalhasse para mim à noite ou aos sábados (já devo ter levado muita chibatada no tronco em outra encarnação). Preciso do serviço dela porque ainda tenho filhas morando comigo, um apartamento grande e tal. Mas chegará o dia em que, filhas no mundo e apartamento menor, ficarei no meu canto tomando conta de mim mesma. Minha amiga acha isso o cúmulo do esnobismo.
    "E sobre não gostar de bater perna em shoppping?" Ué, não gosto, é pecado? Vou quando tenho que comprar um presente ou quando preciso de algo específico, mas não me convide para uma tarde olhando vitrines. Experimentar roupas em cabine de loja me faz simpatizar com a morte.
     "Mas de dirigir você gosta, não gosta?"  Amo. "Mesmo com esse trânsito esquizofrênico?" Mesmo. "E vem dizer que não está bancando a diferente."
      Pelo andar da carruagem, eu sabia que a discussão iria acabar nos contos de fadas, e não demorou nada. Logo ela tirou da manga a vez em que contei que, quando menina, meu desenho animado favorito não era o da Gata Borralheira nem o da Branca de Neve. Sempre fui fã do Mogli. Minha amiga não se conforma até hoje. "Claro, a fanática pela vida na selva, a porta-estandarte da liberdade, só podia mesmo vibrar com um pirralho criado entre os bichos da floresta, sem pai, nem mãe, nem fada madrinha."
       Não resisti e, só para provocar, comecei a cantarolar a música do urso Balu: "Eu uso o necessário/ somente o necessário/ o extraordinário é demais/ o necessário/ somente o necessário/ por isso é que essa vida eu vivo em paz". Mogli me ensinou a diferença entre o dispensável e o vital, enquanto as princesas tentavam me empurrar goela abaixo que o certo era esperar (deitada e dormindo) pelo surgimento de um príncipe. Por pouco não caí nessa.
        Minha amiga tinha mais um item da lista que, segundo ela, me tomava um ser esquisito à beça. "E sobre viajar sozinha, quer me explicar?" Viajar sozinha é outra anomalia que ela não perdoa. "Não é possível que você goste. Confesse: você chora escondida no quarto do hotel. Ninguém pode considerar agradável senta num restaurante em Paris e conversar somente com seus botões."
      Bom, eu nunca escondi que me derreto por uma lua de mel: claro que a melhor coisa do mundo é viajar com o amor da nossa vida. Mas, se durante um período de entressafra, o amor da sua vida for apenas você mesma, vai ficar mofando em casa a troco de quê? Qual o problema de dar um giro por Roma, Nova York, Buenos Aires? Humm, já começo a ter ideias.
     O problema é que ir contra o senso comum é considerado um desaforo. Mulher tem que adorar falar ao telefone (detesto), tem que torrar o salário em bolsas e sapatos (prefiro colares e pulseiras), tem que ter lido e amado Cinquenta Tons de Cinza (há outras prioridades na minha mesa de cabeceira) e tem que sonhar em perder 2 quilos.
       Ufa, agora encontrei minha turma. Também sonho em perder ao menos 2.
       Todos nós somos diferentes e idênticos, dependendo do que se trata. Temos desejos e angústias parecidas, e desejos e angústias únicas. Uns são mais iguais que outros, uns são mais estranhos que os demais, e essa saudável miscelânea é que dá graça à vida. Não há mais sentido em falar em "rebanho", como se houvesse uma tribo hegemônica e o resto fosse periférico e marginal. Além do rebanho, há alcateias, cáfilas, cardumes, manadas, bandos variados que se frequentam  e se divertem mutuamente. Que ninguém se sinta ameaçado em suas convicções sobre o que é "normal". Tudo é normal, desde que não faça mal.  
        
                 (Revista LOLA, janeiro de 2013.)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013


TRÊS DÉCADAS SEM A ALEGRIA DE MANÉ
   Há exatos 30 anos morria Mané Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas 
  Ele nasceu Manoel Francisco dos Santos, mas foi imortalizado Mané Garrincha. Ídolo do Botafogo, da Seleção Brasileira, um dos maiores jogadores da história do futebol. Arisco, dono de dribles fáceis e impossível de ser caçado em campo – assim como o pássaro “Garrincha”, que inspirou o apelido com o qual se consagraria nos gramados. Gênio, craque, mito. São muitos os adjetivos para definir o talento do menino nascido em Pau Grande. Mané marcou a história do futebol e escreveu seu nome nos gramados, fintando adversários entre 1953 e 1972.

Uma vida curta e uma carreira eterna
   Colecionador de títulos e gols importantes, consagrado no Brasil e no exterior, em sua rica trajetória no futebol atuou em 718 jogos, com 283 gols marcados. Passou a maior parte da carreira jogando no Botafogo, clube que defendeu por 12 anos. Foi no Glorioso que viveu seu auge e ajudou a criar um dos maiores times da história alvinegra.   
   Pela Seleção Brasileira, ganhou os dois primeiros títulos mundiais do país, 1958 e 1962. No segundo foi responsável direto pela conquista. Em 61 jogos com a camisa amarelinha, Mané saiu derrotado apenas uma vez. Números expressivos que coroam e imortalizam a carreira de um jogador tão vitorioso.

O precursor do “futebol arte” 

  Pelo seu jeito irreverente de jogar futebol, com dribles desconcertantes e deboche aos adversários, Garrincha foi apelidado de “A Alegria do Povo”. O craque foi responsável, também, pela invenção da expressão “olé” no futebol, termo antes usado somente para Touradas. 
   No fim da carreira, Mané chegou a atuar por outros clubes. Com breves passagens por Corinthians, Flamengo e Olaria, o Rei do dribles encerrou seu ciclo no esporte.

“Aqui jaz em paz aquele que foi a Alegria do Povo”

   Com uma história brilhante dentro dos gramados, fora dele o Anjo das pernas Tortas não conseguiu driblar o alcoolismo. Em 20 de janeiro de 1983, vítima de complicações de uma cirrose hepática, faleceu aos 49 anos. No dia seguinte à sua morte, o poeta Carlos Drummond de Andrade, traduziu em palavras a dor alvinegra e de todos os amantes de futebol que, até hoje, reverenciam seu nome.
  “Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho”. 
                                                                                                                                      (Fonte: yahoo)
 
    Eu era menina quando a seleção brasileira de futebol venceu a Copa do Mundo de 1958  e lembro de toda a festa que se fez em torno dos jogadores , cujos nomes foram eternizados até em marchinhas de carnaval. Sei de uma escalação até hoje: Gilmar, De Sordi, Bellini, Zito, Nilton Santos e Vavá; Didi, Garrincha e Orlando; Pelé e Zagalo; por causa de uma letra de uma marchinha. E daí para a frente acompanhei pelas revistas, jornais (Alguém ainda lembra que na sessão do cinema local,  no domingo à noite, antes do filme passava um noticiário?), rádio, a façanhas do incrível jogador das pernas tortas  que fazia em campo o que faz hoje o Neymar e alguns outros endiabrados. Aliás, como o Mané não se diverte olhando lá de cima o que o Neymar faz e pensando em como seria bom se ele fosse o neto e herdeiro da sua magia especial com a bola!
    Garrincha é um exemplo daqueles casos em que uma pessoa nasce com um dom  para ser um rei no que sabe fazer, mas a falta de bom senso, do apoio adequado de alguém que tenha ascendência sobre ele,  faz com que o sucesso e os aproveitadores o levem para o caminho errado e à autodestruição.
      Deus esteja contigo Mané! Ensina os anjinhos a dar os fantásticos dribles que hoje eles chamam de "caneta", "elástico", ou sei lá o quê!... Tu já fazias isso por instinto!