quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

FELIZ ANO NOVO !

      Vamos desdobrar o título acima. Feliz pressupõe felicidade. Aqui já começamos a ter um problema. O que é ser feliz? Depende de muitas variáveis como idade, situação econômica, estado civil, saúde. Uma criança poderia ser feliz com um sorvete. Um jovem com uma bike. Um adulto com um abraço da pessoa amada. Um idoso com um almoço com a família. Das cavernas até agora, nossa percepção de felicidade tem mudado drasticamente.
       O que é mesmo ser feliz hoje? Voltemos ao título. Um ano são 365 dias. Óbvio? Nem tanto, pois vivemos o aqui e agora. O passado não existe a não ser quando voltamos a ele para aprender com nossos acertos e erros. O futuro não veio a não ser quando sonhamos e planejamos. Qual o tempo que interessa para a nossa felicidade? Quantos minutos, horas, são necessários para que vivenciemos um sentir-se feliz? Nós queremos a felicidade todo o ano ou quando possível?
       E a última palavra do título é a mais instigante pois nos mostra a necessidade de mu-
dança, de transformação, de reforma íntima, de renovação. O novo novamente! Meu dese-
jo é que cada um possa ser feliz do jeito que der. De preferência, com mais espiritualida- de. Com mais amorosidade pelo outro e por si. Contemplar o Universo e o átomo como essências de mesma causa. Ser feliz como os lírios do campo o são. Como os pássaros que nos encantam. E quando decidires pela felicidade, esse será o momento certo de acreditar mais em si, na potencialidade para mudar, na possibilidade de fazer o bem.
      Espero que, de novo, no próximo ano, prometas que vais realizar um monte de coisas.
Mas o meu desejo mesmo é de que pelo menos uma promessa possas cumprir: ser feliz!
Feliz Ano Novo!


           (José Otávio Binato – Diário de Santa  Maria, 27/12/2015)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O BOM SAMARITANO

  
     A maioria de nós já entrou em contato com a parábola do Evangelho que fala da caridade. Ela é de grande profundidade e, ao mesmo tempo, de uma simplicidade que a faz permanecer atualíssima para todos nós.
 Na parábola, os dois primeiros não percebem a oportunidade de fazer o bem. É o samarita-no que usa da piedade ao olhar aquele ser humano que sofrera o assalto e se encontrava com dores físicas e psíquicas, sem poder se levantar sozinho. Abandonado pelo caminho, como muitos de nós que estamos órfãos, carentes, sem afeto. Alguns de nós, estamos tão doentes que nem se doar ao próximo é uma possibilidade.

  Ficamos à beira do caminho, como dizia Erasmo Carlos, sentados, à espera de que um bom samaritano seja tocado de piedade e nos levante. Muitos, nesse momento, não tem noção de crise, de escândalos, de corrupção, de chacinas. O que desejam é alguém que lhes possa a-judar com um curativo de afeto. É claro que precisam de ajuda material. Mas todos estamos necessitando é de esperança, de tolerância, de amor, de perdão, de fé. E foi o que o nosso bom samaritano fez, não só colocando o irmão em sofrimento no aconchego da hospedaria, como deixou paga a estadia para vários dias. E disse-lhe: eu voltarei! Como Jesus tem voltado em todas as horas deste momento difícil e tem nos solicitado que não só o convidemos para o seu aniversário mas que permaneçamos com Ele em nossos corações e atitudes em todas as horas de nossas vidas. Jesus não mais na cruz do sofrimento, mas de braços abertos em direção ao próximo.
    Abra seus braços e sua alma nesse fim de ano e abrace a quantos puder. Deixe seu sorriso se confundir com o seu amor. Deixe-se embalar pela canção da esperança de um mundo melhor. Bom Natal!

          (José Otávio Binato - Diário de Santa Maria, 20/12/2015)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

CARTAS, MANOBRAS E CABEÇADAS: A PEQUENA POLÍTICA VENCEU

     
      A pequena política triunfou. O conceito cunhado pelo filósofo Antonio Gramsci explica o que se passa hoje no Brasil. Trata-se de um tipo de política engendrada nos corredores do Parlamento e dos palácios, às escondidas, em conluios obscuros, repleta de intrigas e traições, reduzida a uma luta de facções por cargos e nacos de poder. É a antípoda perfeita, o oposto absoluto da grande política, aquela que se propõe a discutir os fundamentos da ordem social e formular projetos estruturais para o país. Só a grande política seria capaz de refundar o Estado, com a proposição de uma nova visão de mundo         
     Em vez disso, a semana que passou nos deu a noção exata do grau de mediocridade da fornada de políticos mais tacanha e obtusa que o Brasil já produziu. Três episódios foram especialmente constrangedores, e têm apenas a vantagem de desmascarar seus protagonistas. A carta do vice-presidente da República, fingindo beicinho para conspirar, as manobras protelatórias do presidente da Câmara Federal, usando seu cargo para inviabilizar a investigação contra ele no Conselho de Ética da casa; e a escaramuça dos deputados durante a votação secreta para a eleição da comissão do impeachment, com troca de insultos, empurrões, sopapos e cabeçadas entre suas excelências.
    É importante deixar claro que a contraposição entre a pequena política e a grande política nada tem a ver com a distinção entre progressistas e retrógrados, ou entre esquerda e direita. O que se compara aqui é a ocultação de interesses e a disposição sincera ao diálogo, a indigência teórica e o brilho de novas formulações, a mera técnica de obtenção de maioria parlamentar e a elaboração de projetos de país. A vitória da pequena política tem um pouco a ver com a distinção feita por Max Weber entre os políticos que vivem "para a política" e os que vivem "da política". Basta olhar para o que se transformou, hoje, o PMDB. Um partido que já foi protagonista da mais alta política, sob o comando de líderes da estatura de um Ulysses Guimarães ou de um Miguel Arraes, é hoje capitaneado
por figuras como Eduardo Cunha e Renan Calheiros.
     O partido da presidente Dilma padece do mesmo mal. Para quem já teve um Florestan Fernandes ou um Plínio de Arruda Sampaio em seus quadros parlamentares, dá vontade
de chorar ao ouvir a retórica de "líderes" como Siba Machado e Delcídio do Amaral que, aliás, já saiu de cena pelas razões conhecidas. Ao aceitar as regras do jogo parlamentar do troca-troca, aderindo à pequena política como estratégia para governar, o PT de Dilma renunciou a qualquer projeto de transformação social, submetendo-se ao contrapeso de aliados interessados em perpetuar o atraso histórico que nos mantém atados à desigualdade iníqua que aprofunda o abismo entre ricos e pobres. É o preço que a presidente tem de pagar. Mesmo sem ter nenhuma prova contra ela, corre o risco de enfrentar um processo de impeachment. A não ser que se convença, finalmente, de que
só a grande política pode salvá-la.


  (Marcelo Canellas -  Diário de Santa Maria, 13/12/2015)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

100 ANOS DE UM MITO DA NOITE

    Se alguém contar a história dele, vão achar que é mentira. Afinal, nasceu em Santiago do Boqueirão, era branquelo de origem italiana, nunca conheceu o morro e, mesmo assim,
dizia ser sambista. Nunca tomou um porre, mas se considerava boêmio das noites estreladas, ou boêmio "de família". E foi inspirado na Lua, a qual chamou de Pandeiro de Prata, que ele provou o improvável: podia, sim, nascer no interior do Rio Grande do Sul um sambista de primeira. Nasceu, cresceu e brilhou, entrando para a história do samba e da música popular brasileira, misturando o tango de Gardel com o samba de Noel Rosa.Ele é o santiaguense T ülío Piva, que é considerado o segundo maior sambista gaúcho, ficando atrás apenas de seu amigo Lupicínio Rodrigues.

No Boqueirão de Santiago
   Tudo começou no inicio do século 20, em Santiago. Túlio era um dos quatro filhos do italiano José Piva com Almerinda Simas, prima de Adelmo Simas Genro, pai do ex- governador Tarso. Os Piva eram uma família próspera, dona de drogaria e de fábrica de sabonetes em um prédio novo, no Centro, ao lado do casarão da família, preservado até hoje.
    Túlio nasceu em 4 de dezembro de 1914 ou 1915. Na certidão, consta 1914, mas em todos os outros documentos, ele colocou 1915, não se sabe o motivo. Por isso, a família adotou 2015 para festejar seu centenário.

Primeiros passos na música
    O jovem começou a brincar com a música na infância, aprendendo gaita de boca aos oito anos, e flauta, aos 12. Túlio estudou um ano em Santa Maria, no Colégio Fontoura Ilha, e três anos em Porto Alegre, no Anchieta, onde começou a arranhar o violão, instrumento que aprendeu sozinho. Voltou para Santiago, onde trabalhava no comércio da família e aproveitava as horas livres para escutar tango em rádios argentinas, como a Belgrano.
   - Ele era amigo do médico e poeta Aureliano de Figueiredo Pinto. O Aureliano fazia os poemas, de madruga- da, e, pela manhã, entregava os originais, à mão, para o Túlio Piva escrever na máquina datilográfica. O Túlio me contou que fazia isso com uma condição, de que ficasse com os originais. Ele guardou isso por muito tempo e, quando o Aureliano morreu, entregou os escritos à mão para os filhos do Aureliano - conta Kenny Braga, ra- dialista e autor da biografia de T MO.

Os primeiros sambas
     Em Santiago, Túlio já participava de serenatas e concursos. Apaixona- do por tango, o santiaguense se maravilhou pelo samba ao ouvir, pela primeira vez, Noel Rosa, na Rádio
Nacional. Começou a compor sambas em 1938. E já em 1940, no ano em se casou, em Santiago, compôs seu primeiro samba famoso, sem nunca ter conhecido o morro: a música Tem Que Ter Mulata. Em 1942, veio sua primeira grande frustração. Enviou essa composição para um concurso da Rádio Nacional do Rio, que acabou respondendo com um selo de "Recusada". Isso mexeu com Túlio, mas foi essa a música que primeiro fez sucesso nacional, após ser gravada por Caco Velho, nos anos 1950. Depois, foi regravada
até na Rússia. Túlio contava que teve a grande emoção ao, andar por Montevidéu, num Carnaval, ouvir Tiene de tener mullata.
    - Ele tinha uma maneira de compor única. Tem Que Ter Mulata é um samba com marcação quase tangueira. A batida de violão dele, até hoje não vi ninguém fazer nada parecido. É uma batida cheia, percussiva, que preenche todos os elementos do samba. Essa é a grande marca do Túlio - diz o neto Rodrigo Piva, que vive em Florianópolis com o irmão Rogério, também músico.

De  Porto  Alegre  ao  estrelato
     Nos anos 1950, Túlio passou a viver cada vez mais dedicado à música. Aos 40 anos, como sabia que Santiago era pequena e longe demais das capitais para seu samba brilhar, ele convenceu a família a vender tudo e a se mudar, de mala e cuia, do Boqueirão para Porto Alegre. Em 1955, na Rua da Praia, abriram a Drogaria Piva, que passou a ser ponto de encontro de sambistas. Túlio compôs muitas músicas lá. Começou a participar de programas de rádio e, na Gaúcha, conheceu a também iniciante Elis Regina, que pouco depois gravou duas músicas de Túlio em seus primeiros discos: Silêncio e Mundo de Paz.

Pandeiro de Prata
    Em 1968, Túlio já ganhava fama e reconhecimento como compositor, mas foi esse o ano de sua maior emoção e de sua consagração. Inspirado na Lua, o boêmio cantou Pandeiro de Prata no 2º Festival Sul Brasileiro da Canção Popular, em Porto Alegre. Desde a primei-
ra apresentação, o público cantou junto. Mas na final, a multidão que lotava o ginásio cantou o bis três vezes. Túlio venceu ,e saiu carrega- do pelo povo. A vitória o classificou
à final nacional do concurso Brasil Canta no Rio, da TV Excelsior, no Maracanãzinho, no Rio. Tida como favorita, Pandeiro de Prata perdeu. Reza a lenda que o som foi "sabota- do" e o público mal ouviu a música. Mesmo assim, ele ficou conhecido no país. Vários cantores gravaram suas canções aqui e no Exterior. Fez muitos shows pelo interior. Em Santa Maria, o primo Adelmo Simas Genro arrumava os shows.

Gente da Noite
    Sambista famoso, nos anos 1970, Tulio chegou a concorrer a vereador da Capital, em 1972. Depois, decidiu viver só da música. Fechou a Drogaria Piva para se dedicar a dois bares. Primeiro, o Pandeiro de Prata e, de 1975 a 1985, comandou o Gente da Noite, na Cidade Baixa, que virou referência em samba. Os principais sambistas e músico do Brasil, quando iam a Porto Alegre, passavam por lá e acabavam dando uma palinha ou iam ver Túlio. Foi assim com Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Jamelão, Baden Powell, Germano Mathias, Luiz Vieira, Luiz Américo, Os Originais do Samba, Simonal, Demônios da Garoa, Nelson Ned e Benito de Paula.
    Nesses 10 anos, Tulio cantava no bar quase todas as noites junto a Eneida Martins, com quem gravou três de seus quatro discos. A casa lotava e chegava a abrigar 400 pessoas. Mas quando a esposa Eloíza mandava, ele ia embora sem chiar. O bar fechou em 1985, pois a rotina era desgastante.
    - Fechei porque cansei do dia. Eu tinha de fazer tudo: pagamentos, compras e aquilo me esgotava - disse Tulio, em 1988, à Zero Hora.

A luta contra o câncer
    No livro Aqui me Tens de Regresso - Contos e Causos de um Boêmio Safado, o genro e escritor Jayme Camargo Piva lembra emocionado dos últimos anos de vida de Túlio e da luta contra um câncer de intestino. Para preservar a família do sofrimento, só Jayme e Túlio sabiam da doença e da gravidade que o caso foi tomando. Após a cirurgia, Jayme o acompanhou às infindáveis sessões de químio e presenciou as tentativas desesperadas
de cura, em que Túlío tomava até chapoeiradas e procurava curandeiros. O sambista ainda cantou junto com os netos Rodrigo e Rogério, no show em sua homenagem, organizado pelo Bando Barato pra Cachorro, em 1991. Mas em 1993, foi internado no hospital São Lucas, da PUC, e, dias depois, faleceu.
     Jayme lembra, no livro, que, ao entrar no hospital, Túlio foi recebido com uma emocionante homenagem. Uma das enfermeiras era Maria Helena Andrade, grande cantora da noite gaúcha. Ao leva-lo para fazer um exame, ele foi recebido por um coro de funcionários do hospital, que cantou seus sambas para tentar alegrá-lo.


  (Deni   Zolin -  Diário de Santa  Maria, 28 /29 de novembro de 2015)