sábado, 31 de março de 2012

SEM HIPOCRISIA, COM MUITA CORAGEM

   Na seção Inspiração Gente, da revista CLAUDIA, do mês de março 2012, achei este interessante comentário sobre Eleonora Menicucci, a  chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres.

   Eleonora Menicuccil, amiga de Dilma, veio para agitar. Empossada na chefia da Secretaria de Políticas para as Mulheres, provocou os conservadores e instigou a sociedade a discutir os direitos sexuais
  O bombardeio foi intenso sobre a mineira Eleonora Menicucci, 67 anos, ministra da Mulher desde 9 de fevereiro. A ala dura do Congresso cogitou pedir à Presidência a demissão da socióloga depois que ela declarou ter feito dois abortos. Em meio ao zum-zum-zum, Eleonora se preparava para ir a Genebra, na semana seguinte, prestar contas ao Cedaw, um comitê da ONU. Lá reportaria o que o país tem feito para garantir o desenvolvimento da brasileira, incluindo o direito reprodutivo. Teria que admitir que no Brasil o aborto clandestino é a quarta causa de morte materna.
   Enquanto fechava o relatório, os oponentes reviraram sua biografia. Mestre, doutora, pós-doutora em saúde coletiva, pró-reitora da Unifesp, amiga de Dilma dos tempos de menina, parceira na luta armada, na prisão e, também, uma cidadã que se relacionou com homens e mulheres. Mais uma verdade: ela se orgulha de ser "avó dos direitos reprodutivos", por ter uma filha homossexual, que se tomou mãe em inseminação artificial.
   A coragem de se assumir não garante boa gestão. Mostra, no entanto, sintonia com um Brasil real como este - todas nós temos por perto uma mulher que abortou. Em silêncio, não achamos justo pôr na cadeia essa amiga, irmã ou filha, como manda a lei. A franqueza pode render ganhos. "Quando uma ministra se revela dessa forma, acaba com a hipocrisia", diz o demógrafo José Eustáquio Diniz, da Escola Nacional de Ciência Estatística do IECE. 
  O professor Custavo Venturi, do Departamento de Sociologia da USp, afirma que "faz o governo, ver que ele é para todos, mas não deve tratar todos de forma  homogênea; as pessoas têm interesses divergentes". 
    A  ex-vereadora de São Paulo Sonia Francine (PPS) prefere  saber o que pensa o político. "Só não quero que  ela  chegue com o pé na porta, mas negocie." Fátima Jordão, socióloga, acredita que Eleonora fará as lideranças  analisarem a situação. "As elites não veem que clínicas clandestinas são os quilombos do século 21, para onde 1 milhão de brasileiras corre a cada ano."
                                                  (Patrícia Zaidan)

segunda-feira, 26 de março de 2012

O SUCESSO DE PIPPA

     Ela  é fotografada 400 vezes por dia. As roupas que usa esgotam nas lojas. Foi eleita a sexta mulher mais bonita da Inglaterra.O bumbum dela é o mais invejado do mundo. Mas ninguém sabe o que pensa Pippa Middleton, a inglesa que não dá entrevistas. Como explicar, então, o fascínio que exerce a irmã da princesa Kate? (Maria Laura Neves)

  Quase ninguém sabia, nem se importava em saber, quem era Philippa Charlote Middleton (Pip para os íntimos e Pippa para os menos íntimos), até o dia em que ela nasceu para o mundo ao entrar na catedral segurando a cauda do vestido de sua irmã Kate, que iria casar-se com o príncipe William da Inglaterra. Envergando um modelito branco desenhado pela estilista Sarah Burton para Alexander McQueen que valorizava suas curvas, ela entrou para a história ao abaixar-se para ajeitar a cauda do vestido da irmã. As curvas do seu bumbum, projetado para bilhões de pessoas no planeta nos mais variados ângulos transformaram a moça num dos assuntos mais comentados do Twitter naquele dia. O que é o poder de um bumbum redondinho!
    A partir desse momento,  todo mundo passou a querer  saber mais sobre a irmã de Kate: quem Pippa está namorando? Que dieta ela segue? Quais são seus amigos? O que faz para manter o cabelo brilhante e a pele superbronzeada? Quem vende as roupas que ela usa? E, principalmente, como consegue ter um dos bumbuns mais redondos, empinados e invejados do planeta.
   Só para  se ter uma ideia desse sucesso, foi criada uma comunidade no Facebook, a  Sociedade de Apreciadores do Bumbum de Pippa Middleton, criada logo após a cerimônia real. Tem quase 244 mil participantes. Pippa desbancou a cantora Jennifer Lopez como referência de nádegas nas clínicas de estética europeias e americanas. E as academias britânicas lançaram aulas com o nome da musa para atrair clientes que querem ter o bumbum parecido com o dela.
    Bom, vamos aos dados biográficos. Pippa nasceu em Reading, cidade nos arredores de Londres, numa terça-feira de setembro, final do verão inglês. Cresceu com os pais, a irmã  Kate e o caçula James, no interior da Inglaterra. De família abastada, estudou nas melhores escolas do país e sempre foi muito próxima da irmã, um ano e nove meses mais velha. Boa aluna, teve uma infância confortável e anônima até que ela e a irmã entraram, respectivamente, nas faculdades de Edimburgo e Saint Andrews, na Escócia, que reuniam a panelinha de herdeiros da realeza. Kate atraiu os olhares do príncipe William, neto da rainha Elizabeth e o segundo na sucessão do trono inglês. Os dois se apaixonaram, casaram e ela virou Catherine, a duquesa de Cambridge (atualmente, é desrespeitoso referir-se a ela pelo apelido Kate).
  Então, agora é a vez a vez de Pippa atrair olhares do mundo iinteiro. Ao menos dez fotógrafos ficam acampados todos os dias na porta do prédio onde ela mora, no bairro de Chelsea, em Londres. O jornal britânico Daily Mail diz receber até 400 imagens dela por dia. "Pippa representa tudo o que uma mulher inglesa comum gostaria de ser", afirma a jornalista especializada em monarquia Camilla Tominey, do Sunday Express. "Ela é bem educada, está sempre arrumada e sorrindo. É muito atraente, mas também parece ser séria e respeitosa."
    Além do corpão, do rosto de boneca e dos cabelos sempre bem cuidados, Pippa tem outros atributos que atraem sites, jornais e revistas de celebridades. É rica, solteira e cheia de boas relações com a realeza. Antes de sua irmã começar a namorar o príncipe William, Pippa dividiu apartamento com estudantes filhos da  nobreza durante os anos de faculdade, quando cursou  literatura inglesa. Seus amigos eram conhecidos como a "turma do castelo". A moça sempre bateu ponto nas festas mais chiques e badaladas da Grã-Bretanha  e seus passos começaram a ser seguidos pela imprensa quando ainda era apenas uma socialite.
    Em 2008, Kate e William já estavam juntos. Pippa era a única pessoa que sabia do namoro de Kate, mantido em sigilo durante os primeiros anos. "As irmãs são melhores amigas, e as pessoas admiram essa lealdade", diz Violet Henderson, editora da Tatler.  "Prova da força e da cumplicidade dessa relação foi  a maneira como Pippa se comportou no casamento, dando todo apoio à irmã. Elas dividiram os holofotes."Quando Kate e William deram um tempo, em 2007, elas eram fotografadas constantemente juntas.
   E não é só a relação entre as duas que fascina os ingleses. A história da família Middleton é um enredo de mobilidade social raro na lnglatena. Carole Middleton, mãe de Pippa, era aeromoça e Michael, o pai, despachante ao se conhecerem nos corredores da companhia de aviação British Airways, da qual eram funcionários, na década de 1970. Em 1987, fundaram uma empresa de produtos para festas, hoje avaliada em 30 milhões de libras. "Além de bem-sucedidos, os Middleton parecem ser uma família feliz", diz a jornalista Camilla Tominey. Outro motivo da popularidade de Pippa é a aura de perfeição. Nos últimos tempos, passou a frequentar bailes beneficentes e virou embaixadora de uma entidade que busca investimentos para pesquisas relacionadas ao câncer de mama.
    Pippa, como a irmã, também é uma referência de estilo para as inglesas. Assim como Kate, ela exibe uma elegância feminina e contemporânea misturando grifes caras a peças acessíveis de redes de fast fashion, como a espanhola Zara. Durante o dia, Pippa costuma aparecer usando calças skinny ou ciganete e jaquetas curtinhas. Ela repete vestidos, casacos e acessórios. Guarda as peças de grifes inglesas para eventos à noite. Quase tudo o que Pippa veste vira hit. Os óculos Gucci iguais aos dela esgotaram até mesmo no Brasil. Depois que apareceu com uma bolsa da marca inglesa Modalu (de 195 libras), havia fila de espera para comprar um exemplar - o que não a impediu de usá-la repetidamente. Um relatório do banco Barclays divulgado no ano passado estima que as irmãs Middleton serão responsáveis por um crescimento recorde nas vendas do segmento premium da moda de rua na Inglatena - cerca de 29% até  2014.
     A popularidade de Pippa também se deve ao fato de Kate e William terem se afastado das câmeras depois do casamento. Discretos, eles têm aparecido apenas quando necessário.  Crtamente, o príncipe William, ressabiado com a exposição excessiva de sua mãe, Diana, cuja incessante perseguição dos paparazzi  acabou de modo trágico, procura manter-se longe dos holofotes. E sua esposa, que não é tola, concorda com ele, pois certamente não quer perder seu lindo príncipe, depois de todo o trabalho para conquistá-lo.        
  Sobrou, então,  para Pippa satisfazer a curiosidade dos paparazzi. "Ela adora aparecer e ir a festas", diz a escritora Claudia Joseph, estudiosa da família real e autora da biografia de Kate,  Nasce uma Princesa, que é um bestseller. "É ambiciosa e tenho certeza de que se deleita em ser cunhada do futuro rei", alfineta a escritora
    O fato é que, desde que seus passos começaram a ser acompanhados pelos tabloides, ávidos por escândalos, somente duas imagens potencialmente constrangedoras vieram a público. Na primeira, Pippa faz topless em um barco, em férias com a família. Na outra, se diverte de saia e sutiã no que aparenta ser uma festinha em uma república. Gafes pequenas se comparadas à do príncipe Harry, irmão de William, em 2005, quando foi fantasiado de nazista à uma festa. Até agora, a admiração por Pippa só cresceu na Inglaterra e se espalhou pelo mundo. Resta saber por quanto tempo ela conseguirá, mesmo sem ser princesa, parecer uma personagem saída de um conto de fadas.

(Baseda numa reportagem de Maria Laura Neves, na seção Celebridades, da revista CLAUDIA, março de 2012)
A  FOTO  QUE  PROJETOU  PIPPA  PARA  O  MUNDO.

sábado, 24 de março de 2012

GAROTAS SUPERPODEROSAS X PRINCESAS COR-DE-ROSA

  A ascensão no mercado de trabalho e as possibilidades que se abriram para as mulheres  parecem ter  um efeito colateral na vida afetiva. Dados do IBGE sugerem que, bem-sucedidas, elas encontram menos opções de homens "à altura delas" e estão mais solitárias. Daí surge a luta entre a garota superpoderosa e a princesa cor-de-rosa que vivem dentro de cada mulher. Mas será que o diploma, a carreira e a independência financeira são mesmo o x da questão?

    Segundo os estudiosos desse  tipo de problema, como a antropóloga Mirian Goldenberg, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,  as garotas superpoderosas andam se  estranhando com as princesas cor-de-rosa. Elas seriam as duas facetas das mulheres que hoje têm mais de 30 anos, alto nível de escolaridade, realização profissional - e também o ideal à de amar ou casar com um cara que seja bacana como elas. Bacana, no senso comum, seria o homem  tão ou mais estudado e bem-sucedido que elas. Essas são as mulheres que, instaladas hoje em patamares mais elevados da pirâmide social, olham para o lado e para cima e se dão conta de que suas opções de encontro amoroso dentro desse parâmetro se reduziram muito.
 Sim, porque no topo cabe menos gente. A solução, têm dito estatísticos e outros especialistas, é casar "para baixo". Nunca foi fácil encontrar a tampa da panela, e provavelmente os novos tempos trouxeram mais complexidade à questão. Homens e mulheres mudaram, a sociedade mudou. Mas será que já não partimos em desvantagem quando usamos a figura da pirâmide, tão adequada para alegorias socioeconômicas, também para ilustrar as emoções? E por que as garotas superpoderosas de hoje ainda guardam essa princesa cor-de-rosa dentro de si?
    "Em outros países, a mulher investe um período só na carreira, outro no casamento, outro na função de mãe.  Mas a maioria, entretanto, não quer subtrair nada, observa Mirian. "As mulheres não veem problema em acumular desejos, mas aí enfrentam um conflito muito grande." Recentemente, um cruzamento de informações do IBGE mostrou que o número de universitárias livres supera em 54% a quantidade  de homens na mesma situação - nos grupos menos  instruídos, a diferença não passa de 10%. Espalhou-se logo a conclusão de que diploma, veja só, é atestado de fracasso afetivo para o time feminino. 

Valores em conflito
    A ascensão da mulher é um fato tão recente na história que não existe base de comparação. O que há são tentativas de todas as partes de entender como a mudança se reflete nas questões amorosas. Uma tese é a de que, até aqui, caminhamos para o que a psicóloga Valéria Meirelles, de São Paulo, chama de era genderless, ou sem gênero. No dia a dia, muitos casais dividem as tarefas: tanto faz quem trabalha, cozinha ou vai à reunião na escola dos filhos. "Todos estão autorizados a assumir qualquer papel e estabelecer as conexões que mais lhes convêm", diz Valéria.
   Mas, ao que tudo indica, muitas vezes os valores resistem às práticas. Um estudo recente do centro de pesquisa americano Pew Research mostrou que grande parte dos entrevistados considera a relação em que os dois trabalham melhor do que aquela em que a esposa é responsável pela casa e pelos filhos, cabendo ao marido a tarefa de provedor. No entanto, a maioria acha fundamental para um homem, e não para uma mulher, ter condições de sustentar a família antes de formar uma, conforme assinala D'Vera Cohn, redatora sênior do instituto. Sinal de que a sociedade se apega ainda à visão tradicional sobre os papéis masculinos e femininos, mesmo que se comporte de forma liberal em relação ao casamento.
  "Ninguém no restaurante percebe que você tem pós-graduação e seu marido, não; que seu salário supera o dele em 2 mil reais. Entre quatro paredes, porém, é comum existir a dificuldade de ambos em aceitar essas configurações", pondera Mirian.
  Para complicar, ganhou força o clichê de que os homens se acomodaram de vez e as mulheres estão com a bola toda; por isso, não encontram um par. "Eles se acham menos interessados em ser o herói da história, e elas chegam ávidas por esse papel", avalia a filósofa Regina Favre, de São Paulo. Frustradas, muitas adotam o mantra "homem tem medo de mulher independente" para justificar o desencontro. Pode ser mais o caso de uma inabilidade de exercer a livre escolha trazida pelos novos tempos. 
    Albert Einstein disse uma vez - está no livro Como  Vejo o Mundo (Nova Fronteira) - que não acreditava em liberdade porque o ser humano é constrangido ora por questões externas, ora por convicções íntimas. Mal sabia que lançava um questionamento providencial para mulheres do século 21. Afinal, se agora tomamos as decisões, o que nos impede de embasá-las em critérios que sejam mais coerentes para nós neste momento?

Pressão social
    Existe um juízo de valor embutido na ideia de que casar com quem está um degrau acima é o bom, o desejável, e que "olhar para baixo" significaria, então, abrir exceção para não ficar sozinha.
  "Vivi oito anos com um homem mais rico e superinteligente. O relacionamento não foi melhor por causa disso e teve os problemas que qualquer outro poderia ter", conta a empresária Marta Serrate dos Santos, 50 anos, de Juiz de Fora (MG).
    Não seria legítimo, a esta altura da nossa sociedade - e da autonomia que as mulheres já têm -, escolher um companheiro não por seu status ou sucesso, mas por ele ser dedicado, carinhoso, bom pai e fazer uma massagem incrível? "A essência do feminino é compartilhar, procurar o bem-estar; a maioria busca alguém com quem possa ser feliz, não importa a posição social" - diz a socióloga Celia Belem, de São Paulo.
   Na prática, claro, existem desafios a ser vencidos. A empresária carioca Marcia Barboza Hormes, 38 anos, é formada em desenho industrial  e em artes e trabalhava como executiva de uma grande empresa quando se apaixonou pelo taxista Márcio André Ribeiro, 35. Os dois se casaram há cinco anos e têm  dois filhos, de 4 e de 1 ano. "Mesmo depois de tanto tempo juntos, vejo que existe preconceito, ainda que velado", afirma Marcia. "Mas vivemos em um mundo tão instável; hoje, estou indo bem nos negócios, amanhã pode ser o contrário. E aí vou trocar de marido como quem assina um cheque?"
     Em muitos países, vê-se de forma mais prática o fato de a mulher trabalhar e o homem ficar em casa. Na Austrália, o crescimento do número de mulheres chefes de família e homens que assumem a vida doméstica tem chamado a atenção dos institutos de pesquisa, revela Marian Baird, coordenadora de estudos do The Women and Work Research Group, em Sydney. "Esse fenômeno recente deve impulsionar uma reorganização sociocultural, inclusive com políticas públicas que garantam melhores condições para as mulheres no mercado de trabalho."
    Aqui, os antigos valores ainda prevalecem, mesmo se contrariam a matemática. Quando o marido da assessora técnica parlamentar Tânia Mazotti, 40 anos, de Brasília, perdeu o emprego, há quatro anos, o casal colocou tudo na ponta do lápis: se ele ficasse em casa, cortariam o gasto com empregada, transporte para levar as duas filhas à escola, combustível para ir ao trabalho e voltar. Ela ficou receosa e se incomodou com alguns comentários que ouviu, mas seguiram a lógica dos números. "Somos mais felizes agora; brigávamos mais antes, porque ele ficava muito estressado com o trabalho", garante Tânia.
    O fato é que as mulheres ainda estão sendo criadas com dois pesos e duas medidas: buscam independência na carreira e  ficam à espera de um amor à moda antiga . Isso gera confusão e frustração. Mas esses dilemas são mais confortáveis do que os que vivíamos quando estávamos todas lá embaixo, na base da tal pirâmide, menos educadas, menos autônomas e com menor poder aquisitivo. "Não conheço mulher que queira voltar no tempo e ser igual à mãe ou à avó", diz Mirian Goldenberg. As superpoderosas e as princesas cor-de-rosa vão ter de entrar em acordo.
          (MARCIA KEDOUK, na  seção Reflexão, da revista CLAUDIA, março de 2012)

terça-feira, 20 de março de 2012

ELA É A "DONA" DO PETRÓLEO

Graça Foster , desde o dia 13 de fevereiro do corrente ano,  tem nas mãos o comando da Petrobrás, a quinta maior petrolífera do mundo (dois milhões e meio de barris por dia, 132 plataformas em ação, 291 navios em alto mar), uma gigante que vale 186,6 bilhões de dólares.É uma mulher forte,determinada,cônscia da importância do trabalho que faz, mas que sente o peso e a solidão que o poder e o excesso de trabalho trazem.
               
    Funcionária de carreira, ela não esconde que vive para o trabalho: a primeira reunião do dia é às 7h30min e raramente volta  para casa antes das 22h. Guarda duas malas prontas na sua sala, no Rio de Janeiro, para viagens emergenciais e sempre leva tarefas para os fins de semana."Abri mão de muitas coisas pessoais pela empresa e não me arrependo de nada. Amo o que faço. Adoro adrenalina e frio na barriga. É por ser um trabalho tão difícil que estou completamente envolvida", diz. "Sinto um prazer enorme quando consigo converter algo potencialmente difícil em grande resultado econômico."
   Mas Graça não recebeu nada de mão beijada. Nasceu em Caratinga, interior de Minas Gerais, e tinha 2 anos quando o pai, um vendedor, e a mãe, bordadeira,  mudaram para o Rio de Janeiro. A família, de poucos recursos financeiros, foi viver no Mono do Adeus, atualmente parte do Complexo do Alemão.Com 8 anos, Graça escrevia cartas para os vizinhos, amassava latinhas de cerveja e juntava jornais para ganhar seus trocados. Um pouco mais tarde, passou a dar aulas de matemática para financiar os estudos.
   No segundo ano de Engenharia Química na Universidade Federal Fluminense, engravidou. A jovem mãe balançava o carrinho com os pés para o bebê dormir enquanto se debruçava sobre os livros. Em 1978, no último ano da faculdade, entrou como estagiária na Petrobras. Foi engenheira de campo, coordenadora de projeto, supervisora, chefe de setor, gerente geral e executiva, presidente da Petrobras Distribuidora S.A. e da Petroquisa. Com mestrado em Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e MBA em Economia pela Fundação Getulio Vargas, só se afastou da empresa entre 2003 e 2006 para assumir a Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, quando implantou o Programa de Produção e Uso de Biodiesel. Em 2007, tornou-se a primeira mulher a assumir uma diretoria na Petrobras na área de Gás e Energia, que na época dava prejuízo de 1,3 milhão de reais e, sob seu comando, acumulou lucro de 2,6 milhões até setembro de 2011.
   Graça usa pouca maquiagem, brincos, anéis, colar e pulseiras sempre. Casada pela segunda vez, tem dois filhos, Flávia, 36 anos, pediatra e capitã do Corpo de Bombeiros, e Colin, 23 anos, estudante de jornalismo, e uma neta, Priscilla, 16 anos.
     Ela concedeu esta entrevista dois dias após tomar posse. Foram 50 minutos de conversa, rigorosamente cronometrados por seus assessores.

Você declarou que "tinha de matar 500 leões por dia" quando era diretora de Gás e Energia. Agora, na presidência, qual o tamanho do desafio?
 São os 500 leões que estão lá, vivos, somados a mais uns 3 mil leões que fazem o conjunto da obra (risos).Prefiro as atividades técnicas, mas agora vou ter mais compromissos diplomáticos e políticos, porque nem tudo se resolve com caneta.Precisamos do apoio dos parlamentares, dos ministros e de um bom relacionamento nos estados, com o Exército, com a Marinha.

As ações da Petrobras subiram no dia em que seu nome foi anunciado para a presidência. Como fica seu coração quando pensa na menina que vivia no Complexo do Alemão e lutava para vencer na vida?
Se aquela menininha não fosse tão valente, eu não estaria aqui hoje. A diferença é que havia muito carinho na minha casa. Já no ambiente de trabalho, nesse processo de ascensão na carreira, não existe amor, mas competição e um jogando contra o outro.

Sua fama é de ser firme, exigente, centralizadora e brava.
Existem muitas lendas a meu respeito. Sou muito objetiva, procuro transformar as dificuldades em oportunidades e tenho minhas metas sempre muito bem colocadas. Mas, se estou comandando uma reunião e percebo que existe discórdia e desrespeito, não aceito agressão; procuro moderar, suavizar o tom e reduzir a pressão a favor do grupo. Minha vida me fez ser forte, mas também choro e me sinto solitária. O poder tem como consequência a solidão.

Você se sente solitária?
 O assédio cresce à medida que se sobe na carreira. Então, abrir o coração fica cada vez mais difícil. O comum é me fechar e tratar tudo de forma profissional. As pessoas que são sinceras e amigas acabam ficando para trás, não consigo mais chegar até elas. Esses dias, recebi um email muito carinhoso da minha primeira secretária, que conheço há mais de 30 anos. Só respondi: "Um beijo no seu coração". Eu queria marcar um almoço, mas não tenho tempo nem para escrever mais; logo estão me chamando para duas, três reuniões. Quando fiz minha pequena lista de convidados para a posse, me lembrei da Conceição, que serviu café para mim quando entrei na Petrobras. Foi uma alegria imensa vê-Ia na fila dos cumprimentos. Me distanciei de pessoas queridas, mas elas continuam no coração. Meu motorista está comigo há oito anos. Falei que ele ia ficar com o outro diretor, mas ele teve uma crise e permaneceu comigo. É alguém que me escuta. Sinto falta de bater papo com uma amiga; de, no lugar de escrever uma linha, escrever  três frases.Sinto muita saudade das pessoas.

Quais atitudes mais admira e exige de suas funcionárias e o que não suporta em uma subordinada? 
Mulheres e homens são diferentes. Eu não tenho força para levantar essa mesa.Um homem talvez levante. Mulheres ficam grávidas, são mais sensíveis por causa dos hormônios. Elas, em geral, são mais perspicazes. Numa negociação, sabem a hora de diminuir a pressão para não perder o controle e voltam depois buscando harmonia. Agora, do ponto de vista do intelecto, são exatamente iguais e ambos devem estar igualmente preparados.

Sente culpa quando exagera nas broncas? 
Sim, e peço desculpas, tento me retratar, compensar de alguma maneira. Preciso pedir desculpas; caso contrário, não durmo à noite.Me arrependo apenas quando sei que poderia ter agido de outra forma. Só não posso ser conivente com a falta de dedicação e a irresponsabilidade diante de um fato grave.

Quais os principais objetivos que deseja alcançar na presidência? 
Quero deixar como colaboração a valorização das ações da Petrobras. Isso só vai ocorrer com o aumento da produção do petróleo. Outra prioridade é o etanol, que nos próximos quatro anos será fundamental para a Petrobras, pois trará equilíbrio à nossa produção de gasolina comum.

Quanto ao meio ambiente, tem planos para evitar vazamentos como o ocorrido recentemente na Bacia de Santos?
O meio ambiente é minha prioridade absoluta. A prevenção tem sido um investimento pesado da Petrobras nos últimos dois anos e garanto que nesse setor não haverá redução de custos. A política hoje é: na dúvida, pare. Um gerente de plataforma tem não só o poder mas o dever de parar a operação se ficar em dúvida quanto a qualquer um dos milhares de processos ali.

Graça Foster tornou-se um exemplo para brasileiras de todas as idades. O que tem a dizer para meninas de baixa renda que almejam uma carreira de sucesso?
Não aceite os limites que os outros lhe impõem e, principalmente, não crie limites para você mesma. Proteja sua autoestima. Há muitas coisas na minha vida que me deixam tristes, que eu gostaria de ter feito diferente, mas eu não valorizo isso. Valorizo o que deu certo, o que eu sou.
           (Patrícia  Negrão, revista CLAUDIA, março de 2012.)

sexta-feira, 16 de março de 2012

PELO DIREITO DE SER DOIDA

  Na seção “Filosofias” da revista LOLA, de março 2012, há uma interessante crônica de Ivana Arruda Leite, socióloga, uma das principais escritoras de ficção da geração 1990-2000, autora do blog “Doidivanas”, que explica por que é essencial perder o juízo de vez em quando. Reproduzo na íntegra para não estragar o sabor do texto.

    " Num mundo onde ser aceito nas rodas sociais é a confirmação da nossa existência, ser maluco exige coragem e obstinação. É tarefa para poucos. Mas tudo se ajeita quando descobrimos que sempre estivemos certos na obstinada teimosia em sermos nós mesmos.”

    Embora pareça incrível, uma das mais árduas batalhas que o ser humano trava na vida é pelo direito de ser doido. Parece fácil, né? Não é não.
    Num mundo onde ser aceito nas rodas sociais é a confirmação da nossa existência e o passaporte para a felicidade, onde somos medidos pelo número dos amigos que temos, dos convites para festas que recebemos, dos seguidores que temos nas redes sociais, ser malvisto, malquisto, ridicularizado ou simplesmente ignorado equivale a arder nas profundezas do inferno.
     Ser maluco exige coragem e obstinação. Por isso mesmo, é tarefa para poucos.
     Claro que não estou falando dos casos patológicos. Há os que saem da maternidade com a tarja preta no pulso e o selo da loucura impresso na testa. Desses, tudo se perdoa. São devidamente medicados, trancafiados e não se fala mais nisso.
     Falo daquele outro grupo de crianças consideradas boazinhas, engraçadinhas, nascidas de famílias certinhas, mas que trazem dentro de si, bem escondida, a vocação para a maluquice.
  Sou um desses casos. Cedo comecei a ser a nota desafinada do coro familiar. Nas brincadeiras, bailes e festinhas, era difícil achar alguém que me fizesse companhia. Na escola, eu estava sempre no contrapasso do batalhão.
     Meu gosto era o desgosto de todo mundo. As roupas extravagantes que eu usava, o cabelo crespo que eu teimosamente exibia quando a moda era tê-los lisos como seda, os filmes dos quais eu gostava, as músicas, os livros, tudo em mim era visto como birutices de uma menina meio lelé da cuca, como se dizia então.
   Até os meninos  de que eu gostava eram os mais estranhos da turma. Hoje seriam chamados de nerds, ou cabeçudos. A verdade é que, quanto mais estranhos fossem, maior era meu encantamento. Mas, como eles também não saíam de seus casulos, a paixão acabava não dando em nada.
      Em 1967, quando Caetano apareceu cantando Alegria, Alegria, as pessoas riam da minha cara ao me ouvir falar que ele era maravilhoso, mil vezes melhor que o Roberto. "Imagina!", diziam indignadas com a heresia, "Isso lá é música que se apresente? Acabou o festival, ninguém mais vai saber quem é esse maluco."   
      O mesmo se dava quando eu ia para a rua com uma margarida pintada no rosto à Ia Rita Lee. Minha mãe se perguntava desconsolada: "Onde foi que eu errei?". E, cada vez que eu preferia ficar em casa com a cara enfiada num livro qualquer a ir aos tais bailinhos que tanto me faziam sofrer, meu pai matutava: "Esta menina não bate bem".
       Minha vida de aprendiz de doidivanas não era fácil.  Eu pagava caro por isso. Broncas em casa, risinhos maldosos e gozações de toda ordem (o popular bullying) na escola, descaso total dos meninos.
      Na maior parte das vezes eu me sentia muito sozinha. Mas engolia o choro e ia em frente. Dois passos pra frente e um pra trás, como convém a quem avança em território inimigo.
    Por maiores que fossem os obstáculos, nada me fazia desistir das coisas nas quais eu acreditava.
     Eu sabia que, na hora em que abrisse mão do meu modo de ser, estava condenada a me tomar "um deles". E esse era o meu maior temor.
    Não por acaso, meu mantra na época era o lindo poema Cântico Negro, de José Régio - "Não sei por onde vou, / não sei para onde vou / Sei que não vou por aí." -, que Bethânia recitava lindamente.
     Com o tempo as coisas foram ficando mais fáceis.
     Como percebi depois, maluquice é uma questão geográfica. Depende do lugar onde você está, da turma com quem você está andando.
   Tudo se ajeita quando encontramos pessoas que nos mostram que não só não estamos sozinhos como também sempre estivemos certos na obstinada teimosia em sermos nós mesmos.
     Não que eu seja adepta da convivência exclusiva entre iguais. Pelo contrário, a diversidade é a graça da vida! Mas que é bom ter na manga aquela meia dúzia de amigos com quem podemos contar para dividir as angústias, os sonhos e as muitas incompreensões que nos assaltam, lá isso é.
    Por isso, antes de desistir de ser maluca e tentar se encaixar nos padrões pré-moldados, pense bem se você está no lugar certo, no trabalho certo, namorando a pessoa certa, se relacionando com a turma certa.
   Eu a aconselho a dar uma volta no quarteirão. Vai que seus verdadeiros parceiros estejam  ali na outra esquina...
   E não tenha medo. Nossas maluquices só são  perigosas quando vistas no quarto escuro dos nossos temores. À luz do sol, elas não fazem  mal a uma mosca.
   Acredite: o planeta não corre nenhum risco se você desembainhar a espada e bradar aos quatro ventos: "Tô nem aí para o que pensam de mim ou ir julgam a meu respeito".
    O máximo que pode acontecer é aparecer no seu rosto um lindo sorriso que a deixará mais bonita do que você já é.

terça-feira, 13 de março de 2012

ESTA MULHER BALANÇOU A JUSTIÇA BRASILEIRA

     Foi  assim  que a jornalista Patrícias Zaidani  entitulou a reportagem/entrevista que fez com a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, no dia mais tenso da sua carreira. Em Brasília, responsável pela maior investigação sobre juízes corruptos que o país já viu, ela enfrentou um clima de decisão de campeonato às vésperas de o Supremo Tribunal Federal  arbitrar o destino de sua luta no dia 02 de fevereiro deste ano.

     Certamente o dia anterior ao 1º de fevereiro foi o mais longo, angustioso e tenso para Eliana Calmon, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, pois aguardava o desfecho do maior embate protagonizado em 40 anos de carreira. Estava nas mãos dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal, o STF,  a sequência da caça aos juízes e servidores corruptos ou sem ética, que ela iniciara a um ano atrás.  Se a primeira mulher a chegar a uma corte superior (ela também é ministra do Superior Tribunal de Justiça) fosse derrotada, estaria
terminada a sua tentativa de dar transparência ao poder mais fechado do país.
      “Era um momento histórico, pois desde a redemocratização do país, ninguém havia chacoalhado tanto o Judiciário, apontando o dedo para o compadrio de desembargadores suspeitos de encobrir erros (e até crimes de colegas e para transações milionárias e inexplicáveis no setor. O pandemônio ferveu ainda mais quando Eliana disse ver "bandidos escondidos atrás da toga".
    A tensão era tanta, que somente no final da rade ela percebeu que saíra de casa com a blusa do lado do avesso!  Com a agenda sobrecarregada, precisou atender um grupo de advogados enquanto era maquiada para as fotos da entrevista, feita entre o seu gabinete e o apartamento onde mora.
      Eliana Calmon é um mulher intensa, cheia de curiosidades e alguma contradição, como se pode ver pela entrevista.
     Nascida em Salvador, num bairro de classe média, estudou num colégio de irmãs ursulinas, cuja rigidez a tornaram severa. Gostava de declamar poesias e discursar, um prenúncio do futuro. O enorme contingente de pobres, de negros e o  preconceito mexeram com os sentimentos de Eliana e ela entrou para o movimento Bandeirante para prestar algum serviço à comunidade. Isso foi formando seu ente de razão para acreditar que, como advogada, faria coisas para mudar o quadro.
      Após a formatura, casou e teve de ir com o marido para Natal, onde se tornou professora universitária. Depois, passou no concurso para  procurador da República, mais tarde para juiz federal e voltou para a Bahia, onde ficou dez anos. O marido, oficial da Marinha, estava na reserva e a seguiu. Já  tinham um filho (o advogado Renato, 32 anos, casado, que trabalha na Procuradoria-Geral da República).
Tem um neto, pelo qual é apaixonada.
      Seu casamento não teve muito romantismo,  mas ela acreditava mesmo que casamento era  para durar. Acabou 20 anos depois, pois não foi uma boa relação. Fazendo uma análise racional, conclui que sua geração foi sacrificada, pois o homem não aceitava uma mulher com poder e ganho maior. O marido era dez anos mais velho; achava que havia dois homens em casa. Até  ajudou na carreira, mas na hora H não entendia que ela fosse de opinião. Tentou levar em frente, dedicando-se  ao estudo e ao trabalho duro, alienando-se da relação. Ter sido mal-casada foi uma das razões do seu sucesso profissional. Até que aproveitou a volta para Brasília, como desembargadora federal e pôs um final no casamento.
     Quanto à possibilidade de um novo relacionamento, considera difícil pelo tipo de vida agitada que leva: "Precisaria ser um homem muito antenado e bem-disposto... Quando deixar a corregedoria, em setembro, volto para o STJ para continuar a julgar. A rotina ali é dura para um homem acompanhar. Além disso, o brasileiro gosta das novinhas. E a mulher intelectualizada termina sendo complicada, com um universo grande, cheia de vontades. Estou há muito tempo sozinha. Com muita ousadia. Então, fica difícil."
        Quando começou a enfrentar o Supremo, foi considerada louca, mas não desistiu ampara da no fato de que estava  lutando por  suas convicções, sem querer  agredir a magistratura nem se promover. Não se posiciona como  inimiga  do ministro Cezar Peluso (presidente do STF e do CNJ). Só pensa diferente.
        Em setembro de 2011, uma entrevista em que falou dos bandidos de toga, levou Peluso a fazer um a moção de repúdio a Eliana e a guerra começou. Pediu para retirar o que dissera e ela  respondeu:"Não retiro, disse o que penso".
     A solidariedade de pessoas humildes levam-na a supera as  acusações pesadas. Meu sono some - a insônia está séria há meses. A segunda reação é telefonar à noite, ou a qualquer hora, para meus juízes auxiliares (três estão ligados a ela, além de um assessor). Minha vitória ou derrota é deles também. Meus juízes ouvem e me aconselham.
       Confessa que teve vontade de reagir às acusações do ministro Marco Aurélio Mello, que concedeu a liminar contra o CNJ e ali a acusava de rasgar a Constituição, mas conseguiu se  segurei.
      Segundo ela, “A Justiça se moldou a um país de elites aristocráticas. Era uma Justiça para atendê-las. A Constituição de 1988 recortou a ordem jurídica por inteiro e o Brasil mudou. Mas nós, os magistrados, não mudamos de modelo. Cremos que não temos de dar satisfação. Prestamos a Justiça que queremos. Esse pensamento não cabe na sociedade de hoje, que reage rápido. Não tenho Facebook nem tuíto, mas algumas vezes entrei para ver o apoio que davam à minha tese. Não faço isso sempre para não ficar vaidosa.
      Diz que os juízes podem correr o risco de se achar um Deus pelas funções que exercem e têm de tomar cuidado com isso. Embora tenha tido o apoio de importantes políticos para chegar ao STJ, não se considera com a obrigação de lhes prestar favores, como é um hábito na política brasileira.
     A desonestidade dentro da justiça não é um número enorme. Dos 16 mil juízes, só 1% se envolve com más práticas. Mas o estrago que eles fazem, no entanto, é enorme. Só se pode virar  o jogo punindo quem atropela a ética.
      Já se viu obrigada a punir dois colegas, no STJ. Um foi meu amigo por anos. Os filhos me chamavam de tia. Ficava com os autos na mão procurando algo que o inocentasse. Mas era culpado. Entrei em parafuso, achei que não podia ter julgado contra ele. Não havia outra coisa a fazer.
    Sobre sua atitude ao dar uma caminhonete blindada, de um traficante para uma juíza ameaçada de morte, em Pernambuco, disse que é preciso proteger os juízes que trabalham e se arriscam. Tem distribuído a tribunais de muitos estados carros e aviões apreendidos com traficantes, que apodreceriam no pátio, dando  um destino mais útil a eles.
      Declara-se a favor da lei que descriminaliza o aborto, mas acha que vai demorar muito, pois a cultura religiosa é muito arraigada no Brasil.
        Curiosa por vê-la usando figas num colar e pela quantidade de santos no seu gabinete e em casa, a repórter quis saber como administrava tantos credos. Como toda baiana. Isso aqui (com a mão na gargantilha) enfrenta tudo. No corpo fechado, não entra espírito de porco. Sou agnóstica, mas, se há bruxas, o patuá me protege delas.  Quanto aos santos, diz que gosta de colecioná-los desde a época em que era católica.
        Sobre o seu livro REsp- Receitas Especiais, explica que é um livro artesanal, com 457 receitas de salgados e doces. Lançou  a nona edição em janeiro (a venda se dá entre amigos; o dinheiro segue para uma creche mineira). Nele  fala de pratos simples, pois desde pequena ia com a mãe às aulas de culinária, copiava as receitas. Achar cozinhar fantástico: une as pessoas, muda o humor.
         Durante a entrevista, a TV anunciou que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, arquivara a representação criminal contra ela, movida por associações da classe, considerando não haver provas de que tivesse quebrado o sigilo bancário dos juízes. Foi um alívio para Eliana, mas a  agonia da ministra se prolongou um pouco mais, até 2 de fevereiro, quando, em votação apertada, o Supremo decidiu que o CNJ tem poderes, sim, para investigar juízes.
        Eliana Calmon estava em casa vendo tudo pela TV. Não é de chorar, mas chorou ao ouvir o último voto. Com enxaqueca, tomou um remédio e, finalmente, conseguiu dormir. Vitoriosa.
                                                                                 (Revista CLAUDIA, março de 2012)

quinta-feira, 8 de março de 2012

AS JAPONESAS APRENDERAM A DIZER “NÃO”

    Um sinal dos novos tempos é que as japonesas, tradicionalmente dedicadas ao casamento e à família, estão rejeitando o casamento. “Elas desejam viver a vida, ganhar mais dinheiro, estudar e se livrar dos maridos que não fazem o trabalho de casa”.   

      Fumika Matsumura, 33 anos, é uma viajante apaixonada. Formada em letras, funcionária de uma empresa de computadores, ela gasta quase todo o salário percorrendo lugares diferentes, estudando línguas, comprando cosméticos e roupas. "Adoro o jeans brasileiro. Valoriza o corpo", diz essa japonesa, fã também de samba. Já viveu na Austrália e nos Estados Unidos, esteve três vezes no Brasil e gaba-se de ter desfilado no Carnaval de São Paulo. Próximos projetos? "Viajar muito mais, morar um pouco fora do meu país." Fumika tem sede de conhecer e é rápida em afirmar que o casamento "tornaria seus planos impossíveis". Seu discurso soaria corriqueiro, se estivéssemos falando de mulheres ocidentais. No Japão, porém, a independência feminina, a autonomia financeira, o desejo de conquistar expressão na sociedade são novidade.
      Pouco tempo atrás, a idade de Fumika seria considerada tardia para arrumar um marido. Hoje, um terço das japonesas na faixa dos 30 está solteira e, provavelmente, metade permanecerá sem compromisso para sempre. No país, 21 % encenaram o período reprodutivo sem casar - em Tóquio, a taxa atingiu 30%. Os dados são do governo, que mostra ainda a idade média para o casamento: 29,5 anos. Nos anos 1980, era de 25,5. Quanto mais escolarizada e com dinheiro, menos a japonesa quer se amarrar. "Não me arrependo de nada do que faço. Se no futuro decidir escrever um livro, será repleto de grandes experiências", afirma Fumika.
       O que desmotiva a empreitada do casamento é o conceito de sengyoo shufu. Traduzindo: dona de casa em tempo integral. Faz parte da tradição que a mulher, ao ter um marido, abra mão da profissão ou priorize o cuidado com a família, incluindo no pacote sogro e sogra. Quem insiste em seguir na carreira trabalha 40 horas semanais e, no mínimo, mais 30 horas na lida doméstica. O marido, quando "ajuda", é por apenas três míseras horinhas a cada semana. A japonesa rejeita essa vida. Na visão da escritora Yoko Haruka, personalidade sempre presente na TV, o casamento é uma instituição falida no Japão e precisa de reforma urgente. "Se o filho é malcriado, a mulher é péssima mãe. Se o marido tem uma amante, é porque ela é uma esposa horrível", descreve. Autora do livro Keklwn Shimasen (Não quero me casar), Yoko sempre foi uma crítica do velho modelo. Ela abandonou um noivo ao ouvir o pedido para largar a profissão e virar esposa. Conta no livro: "Há homens que têm a cara de pau de dizer que sonham em ver a companheira cozinhando missoshiro, a sopa de pasta de soja, para o resto da vida deles. O japonês não vai mudar nunca". O alerta da escritora às suas leitoras é objeto de estudo do sociólogo Ângelo Ishii, professor da Universidade Musashi, em Tóquio: "Por mais que digam que a sociedade está mudando, que a nova geração pensa diferente, na média o homem japonês permanece careta e conservador. Espera que a mulher se adapte à necessidade dele".
       Hoje, a japonesa se divorcia mais. Um em cada três casamentos termina em separação, quatro vezes mais que nos anos 1950 e o dobro da década de 1970. Segundo o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar, em 2010 foram registrados 253 353 divórcios e 708 mil casórios. Alguns casais até celebram a separação. O ex-vendedor Hiroki Terai inaugurou um serviço de festa de descasamento em 2009 e, desde então, o número de eventos se avoluma. "Principalmente depois do tsunami (em março de 2011), as mulheres passaram a rever suas histórias e decidiram recomeçar a vida", conta ele.
        CLAUDIA acompanhou uma dessas cerimônias. Keiko e Kenji optaram por algo simples, com poucos amigos. Depois de sete anos juntos, Keiko, 40 anos, se declarou cansada das farras do marido, que chegava bêbado quase todo dia. A iniciativa da festa foi dele. "Estou aqui como um último favor ao meu ex", diz a dona de casa. No final, não conteve as lágrimas. "É o fim", revela "Casar de novo? Não, nunca mais", enfatiza "Uma experiência já bastou. Agora vou estudar."
    Ambição profissional é uma das justificativas recorrentes. Sayaka Matsumura, 34 anos, irmã de Fumika, focou a ascensão. Há  seis meses, ela deixou o emprego numa empresa de publicidade em Tóquio para estudar mandarim em Taiwan, onde as oportunidades prosperam. "Em três anos, recupero o gasto desse período e consigo um bom emprego",  ela conta. "Quero crescer." O ideal de casamento perdeu terreno quando Sayaka, às vésperas dos 30 anos, descobriu um câncer de mama. "Percebi que desejava algo especial para o meu futuro, e isso incluía investir em mim", afirma ela, ainda em tratamento. Ajudou na mu- dança de rumo a reação fria do namorado. Pouco antes do diagnóstico, ele havia lhe proposto uma vida em comum. "Infelizmente, os homens japoneses não conseguem lidar bem com uma mulher doente." Só na próxima década Sayaka pretende incluir um par em seus projetos: "Espero por um homem que me apoie".
       Uma pesquisa do Instituto Nacional de População mostrou que 90% dos jovens de 18 a 34 anos até pensam em casar. Um dia. Masumi Oko, 34, integra o time. Sua família apela para que se apresse em achar um noivo. "Sou filha única, meus pais se preocupam, mas vou com calma", diz. Sua geração anda exigente. Formada em moda, ela produz roupas para os amigos. Completa a renda trabalhando numa clínica médica, faz curso de design, pratica montanhismo, snowboard, viaja. Recentemente, engatou um namoro - e o casal já discutiu o tema. "Digo que antes de me comprometer devo aproveitar um período sozinha. E ele também." Na verdade, a preocupação é maior: "O japonês trabalha muito, não tem tempo para dar atenção à família".

     Outro item na lista de direitos que as japonesas perseguem é o de decidir o tamanho da família: cada vez menor. Casando com mais idade e sabedoria, elas optam por menos filhos. Ou por não tê-los. Isso virou um problema social, com o aumento de dependentes do seguro previdenciário. "O novo comportamento provoca queda populacional, afetando o desenvolvimento do país, que já tem uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo", explica Hideki Matsumura, economista do Instituto de Pesquisas do Japão. A economia fraca realimenta o problema: com o desemprego, a produção em baixa e a recessão, os casais protelam o casamento. "A renda dos assalariados vem caindo nos últimos 15 anos; assim, fica difícil pensar numa união estável", diz.
      O poder do dinheiro perturba os homens japoneses, que se sentem desconfortáveis ao lado de uma parceira que ganha mais. As mulheres andam recebendo holerites um pouco mais gordos e desejam um par com condição social superior. A estilista, colunista e estudiosa dos costumes Linda Kaori joga luzes na questão: "As japonesas acham que não compensa casar, cuidar da família e, ainda por cima, suar para garantir a segunda fonte de renda, então preferem ir à luta solteiras".
        Para o pesquisador Setsuya Fukuda, do Instituto de Pesquisas Demográficas Max Planck, da Alemanha, o governo japonês precisa criar políticas públicas que ajudem a família a equilibrar o trabalho e as obrigações com a casa - para tirar a sobrecarga que só pesa sobre o ombro da mulher. Aí, sim, lembra ele, a natalidade poderia voltar a subir. "O Japão precisa da mão de obra feminina. O governo tem tentado formas de facilitar a relação maternidade e trabalho, mas até agora não houve muito progresso."
       Fumika tem consciência de que o casamento tardio repercute na economia, na tradição, na cultura e na sociedade como um todo. Nem por isso sente-se culpada. "Entendo que faltam  crianças e que o número de idosos só aumenta. Daqui a algum tempo, não terá quem pague os impostos e a aposentadoria", diz. "Mas devo, e quero, tocar minha vida." As japonesas estão seguras de que, livres para decidir, podem ajudar o país a ser mais igual.
      E o vírus se espalha. O fenômeno não é exclusivo do Japão. Uma reportagem da revista britânica The Economist mostrou que as asiáticas, de modo geral, estão fugindo do casamento. Mesmo em países com culturas que defendem a união precoce, às vezes arranjada, e para a vida toda, as mudanças ocorrem. Taiwan, Coreia do Sul e Hong Kong seguem a tendência japonesa. Na capital tailandesa, 20% das mulheres de 40 a 44 anos estão solteiras e, em Cingapura, o percentual chega a 27%. Nesses locais, a taxa de natalidade cai: com valores arraigados, as mulheres não se arriscam a providenciar filhos sem pais. A produção independente não é bem assimilada e corresponde a 2% dos bebês, número pequeno se comparado à Suécia, onde 55% das crianças nascidas em 2008 foram concebidas fora do casamento.
 (EWERTHON TOBACE E THASSIA OHPHATA, DE TÓQUIO)