domingo, 22 de julho de 2012

REFLETINDO


     Um dia desses, arrumando meus livros, encontrei “O Pequeno  Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, o que me fez lembrar de outras épocas. Épocas essas em que as moças bem-educadas deviam ler o poético e surpreendente livrinho. Era, inclusive, de bom tom que uma candidata a “miss qualquer coisa”, indagada sobre qual era o seu livro predileto, respondesse que era “O Pequeno Príncipe”. Hoje, com a mudança de valores, aposto que a maioria nem conhece tal livro, que parece ser uma historinha para crianças, mas traz nas suas entrelinhas muitos conceitos para serem objeto de reflexão, deixados pelo aviador e escritor  francês Antoine Marie Roger de Saint-Exupéry, que desapareceu num voo solitário sobre os Alpes franceses, deixando várias outras obras escritas para a posteridade.
       Posto aqui o meu capítulo preferido deste livro, para que meus amigos, crianças de 08 a 88 anos, possam refletir sobre ele.

                           XXI
E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia - disse a raposa.
- Bom dia - respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui - disse a voz -, debaixo da macieira. . .
- Quem és tu? - perguntou o principezinho.
- Tu és bem bonita. . .
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Vem brincar comigo - propôs o principezinho. - Estou tão triste. . .
- Eu não posso brincar contigo - disse a raposa. - Não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa - disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui - disse a raposa. - Que procuras?
- Procuro os homens - disse o principezinho. - Que quer dizer "cativar"?
- Os homens - disse a raposa - têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?
- Não - disse o principezinho. - Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida - disse a raposa. - Significa "criar laços" . . .
- Criar laços?
- Exatamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual  a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo.. . .
- Começo a compreender - disse o principezinho. - Existe uma flor. . . . eu creio que ela me cativou...
- É possível- disse a raposa. - Vê-se tanta coisa na Terra. . .
- Oh! não foi na Terra - disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Que bom! E galinhas?
- Também não.
- Nada é perfeito - suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua ideia.
- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se me cativares, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo. . .
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
- Por favor. .. cativa-me! - disse ela.
 - Bem quisera - disse o principezinho -, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as ·coisas que cativou - disse a raposa. - Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
- Que é preciso fazer? -. perguntou o principezinho.
- É preciso ser paciente - respondeu a raposa. - Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, a cada dia, te sentarás mais perto. . .
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora disse a raposa. - Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração. . . É preciso ritos.
- Que é um rito? - perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito.
Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!
Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua - disse o principezinho; eu não te queria fazer mal, mas tu quiseste que eu te cativasse. . .
- Quis - disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! - disse o principezinho.
- Vou - disse a raposa.
- Então, não sais lucrando nada!
- Eu lucro - disse a raposa -, por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou:
- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo.
Foi o principezinho rever as rosas:
- Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras.Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.
E as rosas estavam desapontadas.
- Sois belas, mas vazias - disse ele ainda.
- Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela é, sozinha, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. Ê a minha rosa.
E voltou, então, à raposa:
- Adeus - disse ele. . .
- Adeus - disse a raposa. - Eis o meu segredo. Ê muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. - Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa. . .
- Eu sou responsável pela minha rosa. . . - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

(O PEQUENO PRÍNCIPE. Antoine de Saint-Exupéry. Círculo do Livro, cap.XXI, p. 64-71)

sábado, 21 de julho de 2012

AMOR DEPOIS DA GUERRA

         Anos depois de se divorciarem, ex-casais agitam a bandeira branca e retomam a antiga relação - em bases mais sólidas

  É um roteiro de uma previsibilidade tão banal que dá até uma depressãozinha: a lua de mel acaba, os filhos nascem, a rotina toma conta das horas, a empolgação evapora, as brigas e implicâncias... vão pipocando, os envolvidos na coisa começam a espiar o mundo lá fora e achar que está melhor do que ali dentro. Aí vem a separação. A explosão dos divórcios no Brasil está ai, como uma espécie de comprovação estatística e local de que o amor - o amor mesmo, aquele apaixonado - tem prazo de validade bem defuúdo. Estamos, pois, falando de um ciclo de vida tão definido quanto o das borboletas, certamente.
    Aí é que está... Na verdade, não. Uma das poucas graças de viver em um mundo com 7 bilhões de habitantes é que, dentro de cada multidão que faz movimentos parecidos, há sempre uma outra fazendo o caminho contrário. E eis que está acontecendo o seguinte: nas grandes levas de casais metidos nas ondas de separações em massa, há um monte que já volta atrás - e está se juntando novamente.
      Mas, se era para voltar, por que se separaram?
     Boa pergunta - e não à toa já há tanta gente boa disposta a teorizar sobre o tema. Autor de um monumental conjunto de obras, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman está no panteão dos grandes pensadores da modernidade. Escreveu mais de 50 livros, 16 publicados no Brasil. Um deles, o já clássico Amor Líquido, é uma sensacional adaptação de seu conceito fundamental, o da modernidade líquida, para o campo da vida amorosa. Aos 86 anos, radicado na Inglaterra e boquiaberto com o caráter descartável e substituível de quase tudo na vida dos pobres seres humanos de nossos tempos, Bauman defende que os laços afetivos andam frágeis porque as pessoas estão tratando os sentimentos com a mesma lógica do consumo. E, em entrevista a LOLA, arrisca também uma tese sobre os recasamentos entre exs:
    "Pode ser uma simples tomada de consciência de que relações a dois dão trabalho, exigem dedicação e disposição, coisas consideradas um custo enorme nos padrões de uma sociedade viciada na lógica do consumo. Querem nos fazer crer que podemos escolher um homem ou uma mulher d mesma maneira como escolhemos um iogurte n supermercado. Mas o amor não é redutível a consumismo. A diferença entre um homem e iogurte é que uma mulher não pode colocar um homem em sua vida e esperar que tudo permaneça como está. É ilusão pensar que basta fazer logon ou logoff, com um clique." Professor das universidades de Leeds e Varsórvia, Bauman acredita que é enorme o número de casais que caíram nessas bobajadas - mas que depois podem ter acordado. "O amor precisa renascer a cada dia e a cada hora do dia. Não se encontra em lojas de presentes caros. Se o amor é de verdade em uma parceria, os exs voltarão um para o outro e para seus sentimentos. Provavelmente também para a felicidade que dividiam, enriquecida de consciência de suas condições", disse ele. É uma ótima e poética análise sociológica sobre a disposição para apostar na reconciliação.
    Poder se separar sem que isso vire uma anomalia social, obviamente, está entre as grandes conquistas das últimas décadas. Mas o que ex casais que recasam mostram e especialistas pregam é que o fim de uma relação precisa acontecer bem longe da histeria, muito em voga, de que todos os aspectos da vida precisam estar em uma renovação constante e meio insana. "A pessoas ficam angustiadas com isso. Quem mantém o mesmo emprego - e até o casamento - por muito tempo é facilmente compreendido como acomodado, antiquado, careta. Percebo que, no últimos dez anos, muitos casais retomaram a união porque se deram conta de que quiseram viver essa mudança, e por fim avaliaram que na vida de casado havia mais qualidade do que supunham", avalia a psicóloga Andrea Seixas Magalhães, do Departamento de Pós-Graduação em Psicologia da PUC do Rio.
         Assim como casar cogitando separar é um maluquice, separar pensando em voltar tende ser uma roubada. "Alimentar essa ideia pode ser perigoso. É preciso desligar-se do ex para que a re-escolha seja um caminho natural e saudável. Isso acontece especialmente entre os que têm filhos e tiveram convivência no mínimo civilizada enquanto estiveram separados", diz o psiquiatra e psicanalista Luiz Alberto Py. "Os casais voltam quando ainda existe um vínculo forte, quando acreditam que aquela relação vale a pena. Em geral, estão confiantes da escolha. É uma decisão racional ligada à busca de um refúgio, de uma espécie de porto seguro", completa.
    A gerente de vendas Alana Veroneze, de 39 anos, casou com o ex-marido depois de quatro anos de separação. "Quando me separei, ele era um veterinário recém-formado. Eu ganhava bem, sonhava em parar de trabalhar para cuidar do nosso filho, mas não queria perder o padrão de vida. Tinha de ser a mulher forte da casa, e isso minou a nossa relação. Mas era inexperiência, não percebia que os nossos problemas eram pequenos. Mudamos muito no período em que ficamos longe. Ele também se tornou um homem confiante."
     A dentista Andrea Maluf, de 45 anos, voltou com o ex, com quem havia sido casada por 11 anos - e oito anos depois de se separar. "Vivemos a solteirice e acho que nos desiludimos com ela. Claro, também amadurecemos nesse período e percebemos que as afinidades e os sentimentos não se perderam com o fim da nossa relação."
    A psicoterapeuta Lourdes Maria Rivera, de 53 anos, se deu conta de que queria voltar com o ex-marido, com quem quis romper - 12 anos depois da separação. "Escrevi uma carta pedindo perdão. Ele disse que também tinha errado. Aos poucos, a gente se reaproximou, resgatou a empolgação do namoro, reconstruiu a nossa história."
    Como mostram os três casos aí acima, casais que se separam e depois voltam quase sempre atribuem a ruptura a alguma variável da imaturidade - e a volta, às afinidades que, apesar de tudo e de alguma maneira, ainda estão lá. "Há muitos fatores que levam o ex-casal a revalorizar a antiga vida a dois. A falta que sentem um do outro, a vivência de outras experiências amorosas e sexuais, a solidão, e, principalmente o resgate da identidade. É bem possível que duas pessoas voltem a se unir com maior solidez depois de terem vivido as experiências que acreditavam ser necessárias, de descobrirem que se amam e que aquilo que viveram juntos foi significativo e importante", diz a terapeuta de casais Carmen Cerqueira Cesar.
    A vida lá fora, descobrem os casais separados, não é o paraíso perdido. Mas um eventual retorno pode ser pior ainda se os dois não estiverem legitimamente dispostos a zerar os atritos, ou até mostrarem uma predisposição, mesmo que ligeirinha, para idealizar o casamento que tinham antes. "Deletar as mágoas é trabalhoso, exige disposição afetiva para superar os problemas do passado e para estabelecer um novo contrato amoroso, com os termos de como a relação vai funcionar dali para a frente. É importante, por exemplo, não repetir os antigos padrões", diz a psicóloga Andrea Seixas Magalhães. 

 Autora de uma dissertação sobre conjugalidade e reconciliação amorosa no Departamento de Psicologia da USP, a psicóloga Edilaine Helena Scabello ressalta: driblar os problemas que levaram à separação é uma pedreira. "O perdão requer muito desprendimento da dor e muita confiança no merecimento de ter uma vida prazerosa. E é vital enxergar o ex-parceiro como alguém mais humano e mais falível", diz ela.
    No meio de tanta gente tentando entender o quase divertido fenômeno dos ex-casais que voltanl, há um consenso. "Quando as pessoas retomam porque aprenderam e amadureceram, conseguem recompor a parceria em bases mais evoluídas", diz Carmen Cerqueira Cesar.
     São retomadas sólidas, em contraponto aos amores líquidos.
                                                                                                             
       ( Por  Luciana Ackermann, revista CLAUDIA)                                        

segunda-feira, 16 de julho de 2012

ESTAMOS EMBURRECENDO


   Revendo antigas provas de vestibulares, encontrei este texto que eu sempre achei muito interessante desde que o li pela primeira vez.  Posto aqui para que possamos refletir sobre a verdade do que ele diz.

   Você já teve a impressão de que seu chefe, seu supervisor ou seus colegas de trabalho estão ficando   menos  inteligentes a cada ano que passa? E que essa onda está afetando inclusive você? Que o mundo está cada vez mais difícil de entender? 
  Se você está se sentindo cada vez menos inteligente, fique tranquilo, estamos todos emburrecendo a passos largos, inclusive eu. O conhecimento humano está aumentando explosivamente.
    Antigamente, dizia-se que o conhecimento humano dobrava a  cada dezoito meses. Hoje, parece que ele dobra a cada nove. Embora coletivamente o mundo esteja ficando mais inteligente, individualmente estamos ficando cada vez mais burros.
  Antigamente, você precisava entender de mecânica para dirigir um carro. Hoje, os computadores são feitos à prova de idiota, graças a Deus! É justamente por isso que sobrevivemos.
    Equipamentos incorporam conhecimento, e muitas vezes tomam decisões por nós. Por essa Darwin não esperava: pela sobrevivência dos menos inteligentes.
     Se você ler três livros por mês, dos 20 aos 50 anos, serão 1000 livros  lidos numa vida, que nem chegam perto dos  40.000 publicados todo ano só no  Brasil. Comparado com os 40 milhões de livros catalogados pelo mundo afora, mais 4 bilhões de home pages na internet, teses de doutorado, artigos e documentos espalhados por aí, provavelmente seu conhecimento não passa de 0,0000000000025% do total existente.
     Há intelectual que acha que tem o direito de mudar o mundo só porque já leu 5000 livros. É muita arrogância!
   A ideia de intelectuais superesclarecidos  governando   nações  hoje   não faz o menor   sentido,   é   até perigosa.
  Como sobreviver num mundo  onde cada um de nós só poderá almejar saber 0,0000000000025% do conhecimento humano ou até menos?
    O segredo é cada um se esforçar para saber 100% de um pequeno nicho,  uma parcela mui, mui pequena do conhecimento humano.
     Não basta mais tirar a nota mínima 5 em 58 matérias e achar que um diploma vai resolver sua vida. Não basta mais saber 90% de uma única matéria acadêmica. Você precisará saber 100% de algo que seja útil para os outros. Você vai ter de ser o maior especialista do mundo num assunto e vender o que sabe fazer bem aos demais miniespecialistas do planeta, e vice-versa. (..)       
      (KANITZ, Stephen, Estamos  emburrecendo. Veja, 6 agosto, 2003, p.06)





quinta-feira, 12 de julho de 2012

APAGUE AS SUAS MÁGOAS


     Saiba por que algumas emoções se tornam tóxicas e podem afetar sua saúde - e siga um programa detox para se livrar delas.  MARIA LAURA NEVES

    O psicólogo sul-africano Peter Frost fazia parte da equipe gestora da Universidade de British Columbia, no Canadá, quando, em 1997, descobriu um melanoma, um tipo de câncer altamente agressivo. Depois do diagnóstico, fez uma reflexão e chegou à conclusão de que os anos no núcleo de comando da instituição foram prejudiciais para sua saúde. Frost acreditava que o turbilhão de sentimentos e o stress a que estava submetido tinham abalado seu sistema imunológico e, por isso, ele teria desenvolvido a doença. Com base nessa teoria, escreveu Emoções Tóxicas no Trabalho (Futura), livro em que aborda a importância de as empresas considerarem o lado emocional dos funcionários. A obra virou um bestseller, e Frost levantou - não apenas no mundo corporativo - a discussão sobre até que ponto raiva, medo e companhia podem afetar a mente e o corpo. Mas o psicólogo não venceu o câncer. Faleceu, em decorrência da doença, em 2004.
    Muitos oncologistas discordam da teoria de Frost para o surgimento de seu melanoma. Nem a ciência provou a relação entre o stress emocional e o aparecimento de um câncer. Mas já se sabe que sim, emoções tóxicas afetam diretamente a saúde.
     Claro que sentir raiva, tristeza ou inveja é inevitável. O problema é quando essas emoções se tornam crônicas. Aí elas podem ser tão prejudiciais que os psicólogos alemães Michael Linden e Andreas Maercker defendem em Embitterment (algo como amargurando, em português), livro não publicado no Brasil, a criação de um novo diagnóstico para facilitar o tratamento de pessoas que arrastam (e ruminam) sentimentos negativos pela vida: o do mal da amargura pós-traumática.
    "Quando sentidas com muita intensidade ou por um período longo, emoções negativas fazem com que o corpo fique estressado. Então, a produção de cortisol aumenta e, em excesso no organismo, esse hormônio debilita o sistema de defesa, nos deixando mais propensos a alergias, vírus e bactérias", diz o médico Ricardo Monezi, pesquisador do Instituto de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo. Portanto, para entender melhor o efeito da contaminação pelas chamadas emoções tóxicas, é necessário compreender o que é o stress. Equivale ao modo de alerta do organismo. Diante da sensação de perigo, ele se prepara para a fuga ou a briga. No entanto, quando se fica permanentemente nesse estado, o feitiço vira contra o feiticeiro. "O que teria a função de nos proteger acaba nos   agredindo. Por exemplo, o sangue corre mais rápido e, em última instância, isso pode levar a um ataque do coração", explica Dean Omish, presidente do Instituto de Pesquisa em Medicina Preventiva, na Califórnia, nos Estados Unidos.
      As emoções tóxicas vivenciadas sem tréguas também podem provocar alterações de comportamento e até distúrbios psiquiátricos, como o transtorno obsessivo compulsivo (TOC). "Sob o efeito da raiva ou tristeza, ficamos inebriados, nosso discernimento diminui, avaliamos mal as situações  e tomamos decisões e atitudes equivocadas", exemplifica a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association no Brasil.
    O universo dos sentimentos ruins é amplo. Vai da fraqueza, que nos faz sentir vítimas, à raiva, que gera ressentimento. A vergonha, a culpa, a tristeza, a solidão, o ciúme e a inveja também estão na lista. E eles surgem em diversos momentos da vida: quando morre um ente querido ou acaba um relacionamento, após uma briga familiar, em uma discussão com um amigo e até se aquela almejada promoção é dada ao colega. Em excesso, até emoções positivas; como a paixão, podem ser tóxicas e desencadear o mesmo processo nocivo. O limite entre o que é ou não saudável depende de cada um.
    "O sofrimento não está no fato em si, mas na percepção que se tem dele", resume Márcia De Luca, especialista em ioga e ayurveda (a medieina indiana).·É preciso saber lidar de modo equilibrado com as adversidades e, se sentimentos negativos surgem, ter estratégias para se livrar logo deles.

DETOX  EMOCIONAL: seu plano de ação
FIQUE DE OLHO NOS SINAIS  - O corpo mostra quando a mente não vai bem. A pele, o cabelo e o olhar perdem  o brilho. A pressão sanguínea fica alterada. “Bruxismo, alterações do sono e do apetite, pessimismo constante, perda da autoconfiança e da capacidade são sinais  clássicos da presença de emoções tóxicas", enumera a psicóloga Ana Maria Rossi.

IDENTIFIQUE OS MALES - Reflita para identificar qual emoção  tóxica está sentindo e por quê. Raiva? E o que a levou a ficar irada com determinada pessoa? Escreva: pôr as ideias no papel contribui para clarear a mente. "Se não chegar sozinha a conclusões, peça ajuda a uma pessoa que você ama e a ama também e que será sincera", sugere  o médico Ricardo Monezi,da Unifesp.
 
DESAFIE OS PENSAMENTOS - Identificado o sentimento ruim e o que o causou, avalie se sua reação foi ou não exacerbada. Fique atenta às pressões  externas que inflam suas emoções. "As pessoas podem se sentir incapazes por não atingir metas de vendas e esquecer que as empresas estipulam objetivos impossíveis para elas darem o máximo" ,exemplifica Ana Maria.

FALE E DESABAFE  - Se depois da reflexão você considerar que sua reação não foi desmedida, não guarde as emoções negativas. Converse com pessoas próximas para pôr para fora e, se achar que ficará aliviada, também com quem você se desentendeu ou a magoou  de alguma maneira. "Nas relações tóxicas, há campos de segredos e mágoas não ditas", ressalta a psicanalista Dorli Kamkhagi, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas de São Paulo.

ROMPA  OU  ACEITE - "Não existe emoção eterna, que não possa ser mudada", ressalta o médico Ricardo Monezi. Mas é preciso agir. Se uma relação não lhe faz bem, ponha fim a ela. Isso vale para amores e amizades. "Encerrar traz força. Não precisamos carregar as pessoas por toda a vida", alerta Dorli. Se você não tiver controle algum sobre a situação que a incomoda, apenas tente aceitá-la.

FAÇA A POLLYANNA  - Procure ver o lado positivo do evento que foi nocivo para você. É o que os especialistas chamam de ressignificação  das emoções. Uma boa ideia é tirar uma lição do ocorrido. "Quanto mais pensamos em coisas boas, maior é a chance de nos  recuperarmos das emoções negativas", avisa Monezi. "Esse é um processo que exige muita disciplina."

CUIDE DE VOCÊ SEMPRE - Doses altas de álcool, café e açúcar podem aumentar a ansiedade. Pegue leve e introduza momentos de relaxamento em sua rotina. "Passe as horas de lazer com pessoas queridas", sugere o médico Dean Ornish, da Califórnia. A regra é: faça o que puder por si mesma. A ansiedade no trabalho anda alta? Permita-se chegar mais tarde às vezes ou faça pausas demoradas para o café.

MEXA O CORPO E ALIVIE A MENTE  - Estudos mostram que a prática de ioga diminui o nível de stress no corpo. Mas qualquer exercício é benéfico, de caminhar a correr e dançar. Já a meditação faz com que pensamentos arraigados se dissipem.

APRENDA A DIFERENCIAR  - Emoções negativas podem não se tornar tóxicas. Já se disse que sentir raiva, inveja ou tristeza faz parte da vida. Mais: as dores são importantes para o amadurecimento. Só não deixe que elas tomem conta de sua vida e a corroam por dentro. Aí a fronteira será ultrapassada.

           (Revista  CLAUDIA, julho  de  2012)

terça-feira, 10 de julho de 2012

PARA AFIAR O CÉREBRO


    Quem disse que estamos condenadas a perder a memória e a  agilidade com o passar do tempo? A neurociência aponta o que fazer par manter saudável o órgão mais nobre do corpo.
Por  CRISTlNA NABUCO
    
     Cientistas da Universidade College avaliaram o raciocínio, a linguagem e a memória de 5,2 mil homens e 2,2 mil mulheres entre 45 e 70 anos e descobriram que a atividade cerebral começa a se deteriorar aos 45 anos. Até pouco tempo atrás, os pesquisadores presumiam que o declínio tivesse início aos 60 anos. 
   Supondo que o cérebro agora envelhece mais cedo por culpa da correria diária e do excesso de informações, interpretei meus lapsos como os primeiros sinais da decadência. Tive a sensação de estar à beira do abismo. Felizmente, minhas conclusões foram precipitadas. "Antes as pesquisas eram feitas apenas com idosos; agora incluem pessoas bem mais jovens", revela Sonia Brucki, vice-coordenadora do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia. “Não podemos afirmar que envelhecemos mais cedo. A medicina hoje detecta alterações imperceptíveis no passado." Segundo Sonia, embora a troca de informações entre as células nervosas fique mais lenta com o tempo, uma pessoa saudável não perde a memória, a lucidez e o raciocínio apenas porque chegou a certa idade. É possível manter um desempenho cognitivo normal.
     O neurocientista brasileiro Miguel Nicollelis, professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e autor de Muito Além do Nosso Eu (Cia. das Letras), diz  que perdemos neurônios a partir dos 18 anos. Por um  século, a medicina acreditou que o desgaste fosse irreversível e o cérebro incapaz de se reparar. Nas últimas duas décadas, descobriu-se que células nervosas . continuam a ser criadas na idade adulta. E que as tarefas cerebrais não são realizadas por células isoladas, mas por múltiplos neurônios, interagindo como uma orquestra. Outra descoberta fantástica: a rede de células se encarrega das atribuições dos neurônios perdidos, compensando sua ausência.
   É a capacidade de se rearranjar, denominada plasticidade cerebral, que oferece a possibilidade de recuperação em casos de lesão no cérebro. Ela ainda preserva a habilidade de aprender na velhice. A neurocientista  Cheryl  Grady, da Universidade de Toronto, no Canadá, constatou que a partir da meia-idade o ser humano usa mais os dois lados do cérebro, o que permite fazer análises amplas das circunstâncias e resolver melhor os problemas. Um indício de que não somos obrigadas a aceitar passivamente as limitações do envelhecimento. Ao contrário, podemos interferir no processo para impedir que o cérebro enferruje. "A plasticidade afeta o cotidiano e enterra qualquer vestígio de determinismo", diz o psiquiatra Norman Doidge, da Universidade Columbia, autor de O Cérebro Que se Transforma (Record). O livro mostra que estímulos alteram a estrutura e o funcionamento do órgão. "A cabeça tem de estar ocupada com desafios", alerta Orestes Vicente Forlenza, vice-diretor do Laboratório de Neurociências da Faculdade de Medicina da USP.

Malhação mental 
   Passar o dia vendo TV aumenta o risco de problemas. "A menos que se escolham programas que motivem a pensar", afirma Sonia. Ler, participar de jogos de tabuleiro e aprender novas habilidades reduz em 50% a perda de memória. A conclusão é da neuropsiquiatra americana Yona Ceda após acompanhar 1,3 mil voluntários. O efeito positivo cresce quando há envolvimento emocional e prazer, explica Orestes: "Uma coisa é fazer palavras cruzadas por fazer. Outra é estudar uma língua e usá-la numa viagem; pesquisar história da música e ir a um concerto". No contraponto, a overdose de atividades prejudica mesmo quando provém de uma fonte só, como o computador. As pessoas interrompem a leitura, abrem links, conferem e-mails, olham o Facebook, o que sobrecarrega a atenção. "Com os múltiplos estímulos, a concentração desaba - as chances de memorizar caem", diz Sonia. O dom das multitarefas - atribuído às mulheres - é um mito e passa longe da eficiência. Na hora de folga, as mães checam a lição das crianças enquanto veem o noticiário e redigem um relatório. "O cérebro não foi projetado para se fixar em duas ou três coisas simultâneas. Há risco de erro e de não gravar os dados na memória", alertam os neurocientistas Stephen L. Macknik e Susana Martinez-Conde em Truques da Mente (Zahar). O saudável, eles lembram, é fazer uma coisa de cada vez.

Vida ativa 
   Um estudo identificou o aumento nas conexões nervosas de adultos sedentários que passaram a caminhar três vezes por  semana. "A prática regular de atividade aeróbica, como natação, corrida, ciclismo e dança, estimula a formação de células nervosas  e libera substâncias protetoras dos neurônios - o que auxilia na associação de ideias. no aprendizado e na fixação na memória. Além disso, combate a ansiedade e a depressão. "O exercício físico é um dos melhores estabilizadores de humor que a neurociência moderna conhece", registra a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no livro Fique de Bem com Seu Cérebro (Sextante). Também ajuda a queimar a perigosa gordura visceral, que se acumula no abdome e, segundo pesquisadores do Hospital das Clínicas da USP, produz substâncias inflamatórias que caem na corrente sanguínea, interferindo na transmissão de informações entre os neurônios.

Prato reforçado 
     A alimentação equilibrada e variada é essencial para o funcionamento do cérebro. Alguns alimentos se destacam: "Peixes  como salmão, atum,  sardinha e algas fornecem ácidos graxos ômega 3, em especial o DHA (docosa-hexaenoico), que faz o neurônio trabalhar melhor", afirma a professora de bioquímica Glaucia Pastore, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. Os cientistas perceberam maior incidência de depressão, transtorno de déficit de atenção e esquizofrenia onde há baixo consumo desse ácido graxo.
Outro aliado é a colina, micronutriente encontrado na gema do ovo e na lecitina da soja. "É a matéria-prima para a síntese da acetilcolina, que atua na interrelação das células da memória", acrescenta a professora. Para neutralizar os radicais livres - produzidos porque o cérebro consome muito oxigênio, cerca de 25% do total do que inalamos - devem ser incluídas na dieta boas fontes de antioxidantes: frutas cítricas (vitamina C), frutas vermelhas (antocianina), azeite de oliva e castanhas (vitamina E), frutas e hortaliças amareladas e vegetais folhosos (carotenoides). Cinco porções de frutas e verduras por dia é o ideal.
     "Tudo que faz bem para o coração é ótimo para o cérebro", lembra Orestes Vicente. No prato, deve haver fibras (aveia, feijão e massas integrais). Já o açúcar, o sal e as gorduras saturadas (carnes gordas, pele de frango e leite integral) devem ser bem reduzidos.

Vilões sob controle
  Um pouco de adrenalina deixa a mente alerta e a memória vigilante. Mas, quando a concentração é grande e a tensão se arrasta, o benefício desaparece. "Excesso de trabalho que rouba tempo de lazer e de conviver com a família deixa as pessoas deprimidas e ansiosas e causa desequilíbrio psíquico", alerta o neurologista Ricardo Teixeira, do Instituto do Cérebro de Brasília, criador do blog ConsCiência no Dia a Dia. (consciencianodiaadia.com).
    O stress crônico reduz a formação de novas células e a comunicação entre elas, sobretudo no hipocampo, região associada à aprendizagem e à memória.
   Um estudo da neurobióloga Rajita Sinha, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, observou que depois da morte de um ente querido ou do fim de uma relação amorosa importante, o cérebro pode encolher. Mas tudo indica que a plasticidade garante meios de reverter o quadro e socorrer o cérebro, diz Rajita. Aliás, cultivar amizades (ainda que o contato se limite às redes sociais) protege a massa cinzenta, assim como ter uma atitude mental positiva. Para Norman Doidge, o que uma pessoa imagina se torna um gatilho para emoções e ações: "Os bons pensamentos são capazes de ligar os centros de prazer do cérebro da mesma forma que a presença de uma pessoa querida".
      Na lista dos inimigos, ainda estão o cigarro e álcool em excesso. Eles podem danificar as células nervosas. Problemas de saúde também precisam ser controlados: colesterol alto, hipertensão arterial e diabetes comprometem os vasos sanguíneos - e má circulação acaba prejudicando o funcionamento do cérebro, adverte Sonia. Na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, realizada em julho do ano passado em Paris, foi dada a boa notícia: a saúde bem cuidada é um bálsamo para a mente. Metade dos casos de Alzheimer, doença degenerativa que arrasa os neurônios e apaga a memória, poderia ser evitada se fossem eliminados o fumo, o sedentarismo, a pressão alta, o diabetes, a obesidade e os quadros depressivos. Assim, talvez seja possível estimular novas conexões neurais e, finalmente, vencer essa e outras doenças. 
                       (Revista  CLAUDIA, abril  de  2012.)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

INDIFERENÇA OU SABEDORIA?


        Mais  uma  ótima  crônica  de  Danuza  Leão.

      Se alguém perguntar se sua vida foi, até agora, um sucesso ou um fracasso, o que você vai responder? Detalhe: se foi destaque da escola de samba na avenida e levantou a arquibancada, fique logo sabendo que não tem nada a ver. Aliás, dinheiro não tem nada a ver, ser deslumbrante também não, ter aparecido em várias capas de revista também não. Então, o que é ter tido uma vida de sucessos? Bem, depende.
      Todos nós já ouvimos da boca de uma mulher muito modesta a frase: "Criei meus filhos, estão todos encaminhados; posso me considerar muito feliz e realizada". E quem nunca ouviu pessoas que aparentemente têm tudo - por "tudo" entenda-se família, saúde, dinheiro, amor, mesmo que não seja verdadeiro e não necessariamente nessa ordem - se queixando e tentando, inutilmente, entender o significado da vida?
     Temos, quase todos, razões para achar que nossa vida foi gloriosa ou um vale de lágrimas. Você, por exemplo, já deve ter passado por ótimos e por péssimos momentos. Quais ficaram no seu coração? Os melhores ou os piores? Difícil avaliar. Às vezes, a gente se acha uma pessoa privilegiada; outras vezes, uma coitada, dependendo do que mais valoriza naquele momento - pois, conforme a hora, os valores também mudam. Ou será que você se considera uma pessoa coerente?
    Houve um tempo em que seus sonhos se resumiam a passar a vida viajando pelo mundo em jatinhos, comprando tudo o que visse, num turbilhão que não deixasse tempo nem para pensar; isso, sim, seria a felicidade - só que não foi. Depois, tudo o que quis foi encontrar um bom marido, mesmo meio sem graça, que tivesse hora certa para chegar em casa, com um bando de crianças perturbando em volta, para não ter tempo de pensar se era feliz ou infeliz. Isso. sim, seria a felicidade - só que "também não foi.
       Aí, achou que o importante seria a realização pessoal, independentemente de um homem. Também não foi, mas conseguiu o que parecia impossível; viver sem estar permanentemente apaixonada, ou melhor, sem inventar que estava apaixonada. 
      Hoje, se alguém perguntasse se sua vida foi - até agora - um sucesso ou um fracasso você não seria capaz de responder. Foram tantos bons momentos, e tão felizes, que prefere não lembrar. Quanto aos maus momentos, foram também tantos, e tão terríveis, que faz tudo para também não lembrar - e às vezes até consegue.
    Agora, já sabe; às vezes, você acorda feliz - se nem saber por quê -, sai de casa, na primeira esquina tropeça e fica no pior humor da vida. Já dia seguinte, acorda péssima, o telefone toca alguém de quem você gosta, e a vida se toma, ~ repente, boa de ser vivida. É essa certeza de tudo pode mudar em minutos, segundos, que nos ajudam a segurar a onda quando tudo fica difícil. Se as coisas estiverem indo mal, pense em quantas outras ocasiões elas estiveram tão mal quanto, ou até pior, e tudo passou. Não, não reclame, não chore, não se descabele, apenas espere;  se possível, com aquela quase indiferença que já viu tantas vezes nos olhos dos mais velhos, que sabiam que ia passar - porque sempre passa. Essa indiferença pode ser chamada de sabedoria ou experiência, o que, no fundo, é mais menos a mesma coisa. 

                              (Revista CLAUDIA,  julho  de  2012.)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

AS FILHAS QUE O XINGU ESQUECEU


       O recente filme Xingu, do diretor Cao Hamburger, trouxe às telas  a história dos irmãos Villas Boas, famosos sertanistas que contribuíram muito para o trabalho junto aos indígenas brasileiros e para a criação do Parque Nacional do Xingu. Aproveitando o momento, a revista Claudia trouxe aos seus leitores a história da filha que um dos citados irmãos teve com uma índia. E a reportagem me remeteu a uma outra índia do Xingu  que teve um romance com o sertanista uruguaianense Ayres da Cunha.
     Certamente muitos já ouviram falar da célebre Expedição Roncador-Xingu, que  foi uma parte do processo de interiorizacão do Brasil, a Marcha para o Oeste, criada em 1943 pelo governo de Getúlio Vargas. Os irmãos Vilas-Boas (Cláudio, Orlando e Leonardo) se integraram a ela e passaram cerca de trinta e cinco anos no Brasil Central e contribuíram de maneira expressiva para o conhecimento da região e para a preservação do local. Catalogaram cerca de cinco mil indígenas e várias tribos. Criaram algumas cidades como postos de base na região, como a cidade de Nova Xavantina. Criaram também o Parque Indígena do Xingu. A chefia dos irmãos mudou o caráter da Marcha para o Oeste, que tinha tudo para ser uma expedição violenta, mas se tornou uma expedição de contato baseado no ideal do Marechal Cândido Rondon: "Morrer se preciso, matar nunca".
        Mas o que muita gente não sabe ou não lembra é de um drama familiar que sucedeu aos Villas Boas quando um dos três irmãos (Leonardo, o mais impulsivo, destemido e teimoso) apaixonou-se por uma índia camaiurá , chamada Mavirá, que era uma das esposas do chefe da tribo, Kutumapy. Leonardo tomou-a do chefe, levou-a para viver com ele e pediu autorização ao Serviço de Proteção ao Índio e à Fundação Brasil Central para casar-se com ela. O pedido foi negado, pois os índios eram considerados inimpuitáveis aos olhos da legislação e não poderiam casar-se perante a lei. Além disso, o fato poderia abrir um precedente para os mateiros e peões das expedições quererem casar-se com índias.. O problema agravou-se com a indignação dos índios perante o roubo de uma das esposas do chefe. E Leonardo, preocupado com a segurança de Mavirá, fugiu com ela de barco pelo rio Culuene, ajudado pelos irmãos. 
    Tempos depois, tendo os índios desistido de vingar-se, voltaram para a aldeia, estando Mavirá grávida. Nasceu uma menina, registrada como filha de Leonardo e Mavirá, a qual recebeu o nome de Maialu. Entretanto, Leonardo  tinha medo de que os índios pudessem fazer alguma coisa contra a menina, pois o infanticídio era comum entre os camaiurás, principalmente se a criança tinha algum defeito físico ou não tinha um pai oficial. Além disso, os filhos de brancos com índias eram raros e mal vistos nas tribos. Assim, quando a menina estava com 10 meses, Leonardo encarregou um major da expedição de roubar a menina de Mavirá e levá-la de avião para a família dele em São Paulo.
    Assim, Maialu foi criada pela tia Lourdes, irmã dos Villas Boas. "Ela foi a minha mãe verdadeira. Cresci como filha dela e nunca mais retomei ao Xingu. Mas sempre foi uma  situação tranquila. Minha tia me amou muito”, afirmou  Maialu em entrevista exclusiva a CLAUDIA. “Meus  tios (Orlando e Cláudio) sempre disseram que me afastaram da minha mãe biológica para minha segurança.” Aos 5 anos, a tia Lourdes lhe contou a verdade .  "Ela disse que minha mãe era uma índia do Xingu e que meu pai tinha gostado muito dela, mas  que não puderam ficar juntos. Apenas isso; eu era pequena para uma conversa mais profunda." Desde que tirara Maialu da mãe, Leonardo manteve-se afastado dos camaiurás. Receoso de que todo o trabalho  caísse por terra com a repercussão negativa, Orlando o enviou para trabalhar com os índio xicrins , no Pará, bem longe das confusões. Mas sempre que podia vinha a São Paulo para ver Maialu. Em 1961, entretanto, Leonardo morreu de complicações cardíacas, aos 43 anos. Ele sofria de febre reumática, consequência da vida difícil nos sertões. Após uma cirurgia malsucedida, uma calcificação acabou desencadeando um infarto fulminante. "Ele era difícil, mas comigo foi muito carinhoso e presente," diz Maialu.
    Os Villas Boas sempre trataram com discrição da história de Maialu. "Não era um segredo. Tenho orgulho de saber que temos esse laço direto com o Xingu. Meu pai, porém, toda a vida tentou protegê-Ia de qualquer exposição indevida", conta Noel Villas Boas, filho de Orlando e guardião da história da família.   "‘Sinto que a minha história era um tabu. Acho que fizeram tudo isso para proteger minha mãe Lourdes. Eu também não fui além nas perguntas porque não queria que pensasse que eu não a considerava boa mãe," fala Maialu. 
     Mas ter crescido em São Paulo não afastou totalmente Maialu da tribo camaiurá. "Os índios vinham para São Paulo e ficavam na casa da minha mãe.” Nessa época, ela teve contato com alguns familiares indígenas, como o pai adotivo de Mavirá, o cacique Mariká. "Eu não falava tupi muito bem, sabia apenas umas canções que meus tios tinham me ensinado” Mas eles insistiam em falar comigo no idioma camaiurá," conta. "De algum modo, me sentia parte deles.'".
        Mavirá, a mãe de Maialu, ainda é viva. Ela fugiu da aldeia e foi viver com um índio carajá, o cacique Maluaré, morando na região da Ilha do Bananal, na divisa de Mato Grosso e Tocantins. Hoje, aos 75 anos, Mavirá parece te reconquistado o respeito entre os camaiurá. Retoma todos os anos para a aldeia onde nasceu para visitar a irmã. Continua bonita, é alta, altiva e se impõe.
     Maialu nunca mais encontrou a mãe biológica. Foi no enterro de Orlando, há nove anos, que, pela primeira vez na vida adulta, teve notícias dela. Soube que estava viva e viu sua imagem. Uma meia-irmã índia, filha de Mavirá com o cacique carajá, veio a São Paulo para a ocasião e trouxe uma fotografia
     Atualmente, Maialu dedica-se à família que  formou. Casada desde os 26 anos com João Francisco Menella, um colega que conheceu na faculdade de matemática, tem duas filhas, a socióloga Ana, 32 anos, e a professora de português Giovanna, 29, que ainda mora com os pais em uma casa no bairro do Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo. Hoje, Maialu está aposentada por causa de uma tendinite no ombro. 
     Para Carmen Junqueira, a história de Maialu é um exemplo do impacto da política na vida dos índios, sobretudo das mulheres. "Essa trama teve um pano de fundo político. Todos os personagens atuantes foram os homens, que decidiram o destino delas sem consultá-las. No fim, Mavirá e Maialu acabaram separadas por toda uma vida.”  A tristeza surgiu nos olhos de Maialu apenas uma vez durante a conversa com CLAUDIA, que ela encerrou com uma confissão: "Sempre tive a sensação de que, se meu pai não tivesse morrido tão cedo, muita coisa  teria sido diferente. Sentia que ele estava esperando eu crescer para falar sobre minha mãe.”
     Outro caso parecido com esse, mas com final mais triste foi o da índia Diacuí, retirada do Xingu por um sertanista, para uma breve felicidade, cujo fim prematuro e trágico comoveu a todos. O sertanista chamava-se Ayres da Cunha, homem branco, gaúcho natural de Uruguaiana, benquisto na tribo de Diacuí, os kalapalos.
     Fascinado pela beleza da índia, Ayres propôs-lhe que viessem para o Rio de Janeiro, onde se casariam. Consultado, o pai de Diacuí consentiu, resolvendo acompanhar o casal à cidade grande. Houve dificuldades burocráticas, pois a maioria se indagava se era correto a um civilizado desposar uma “selvagem”, no regime em que o Código Civil mantém nossos silvícolas.
   Superados os entraves, graças ao prestígio da então poderosa cadeia de Jornais e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, que encampou a festa, dela tirando o maior proveito publicitário, realizou-se o casamento, que encheu muitas páginas da imprensa, não só nacional como internacional.
    Diacuí e Ayres da Cunha voltaram para a tribo dispostos a viver mais tranquilos. Pelo menos era isso que garantia o sertanista. Foi  então que Diacuí ficou grávida. Mas infelizmente não chegou a ver o fruto do seu amor, pois morreu  após o  parto.
    Passaram-se os anos e, quando andava profissionalmente pelo Rio Grande do Sul, fazendo uma série de reportagens, acompanhado pelo fotógrafo Antonio Ronek, o jornalista Mário de Moraes soube, em  Uruguaiana, que a filha de Diacuí, de quem ninguém tinha notícia, encontrava-se naquela cidade. Investigaram  e era verdade. Ninguém, até então, sabia do seu paradeiro,pois, depois da morte de Diacuí, Ayres levou a filha para local ignorado.
      A menina nada sabia sobre sua mãe. Para ela, a vovó Honorina, mãe do sertanista Ayres, é que era a sua “mãezinha”.  Quando o jornalista  descobriu a filha de Diacuí, trazendo o assunto novamente para a mídia, ela vivia na casa de um tio, Arnóbio, irmão solteiro de Ayres. Ninguém desejava perturbar a sua imensa alegria de viver, que herdara da índia Diacuí. Seu sorriso, cheio de inocência, era o mesmo sorriso da mãe que não a conhecera.
    Isto aconteceu em 1958. Hoje, se viva for, a filha de Diacuí estará com 53 anos. Possivelmente casada e mãe de alguns filhos.