quinta-feira, 29 de novembro de 2012

CABEÇA DE OTIMISTA


    Por que a gente acredita que tudo vai dar certo - mesmo com tanta desgraceira aparecendo no noticiário? Porque nossos neurônios armazenam mais as expectativas positivas, explica a pesquisadora Tali Sharot, que aliou psicologia e neurociência para mostrar que o cérebro produz otimismo como estratégia de sobrevivência.  POR_ISABELA NORONHA  

    Você se casou achando que é para sempre? Sai de casa todo dia com a certeza de que chegará bem? Bebe umas e fuma um cigarrinho sem ter pensamentos alarmistas demais com a saúde? É seu cérebro otimista trabalhando. "Tendemos a superestimar a probabilidade de coisas boas acontecerem com a gente e subestimar as ruins", explica a neurocientista israelense Tali Sharot. Não é que não acreditemos nas tragédias que pululam nos noticiários. A gente se sensibiliza, perde a fé na humanidade, acha que a economia não segura, que o mundo está perdido...Mas nosso próprio futuro tende a permanecer imaculado, cor-de-rosa. É que, se não acreditássemos que tudo vai dar certo, nem sairíamos de casa. E, possivelmente, ficaríamos loucos com a única certeza que realmente podemos ter sobre o que virá: mais dia, menos dia, partiremos desta para melhor - olha aí outra previsão otimista. Por cinco anos, Tali estudou o cérebro para descobrir como é possível que sempre esperemos coisas boas, mesmo tendo informações suficientes para ter expectativas mais realistas. O estudo foi publicado no livro The Optimism Bias (O Viés Otimista, em tradução livre). Em entrevista a LOLA em seu escritório, no quinto andar do Centro de Neuroimagem da University College of London, no centro da capital inglesa, Tali explica por que o otimismo é uma estratégia do cérebro - para o nosso bem. 

LOLA: O que faz uma pessoa ser otimista? 
TAL! SHAROT: Isso é determinado por uma combinação genética. Alguns genes estão ligados ao otimismo, geralmente os mesmos que são relacionados à depressão. Cerca de 80% das pessoas tem o viés otimista. Claro: você pode ter mais ou menos viés. Há pessoas extremamente otimistas, outras moderadamente, e por aí vai. Estima-se que 30% ou 40% do quão otimista você é baseia-se na genética. O restante são experiências e a influência da família e do ambiente. 

Então, há relação entre depressão e otimismo? 
A depressão é como se fosse uma imagem espelhada do otimismo, está ligada ao pessimismo. A depressão tem relação com a ausência do viés otimista. Uma depressão moderada não está relacionada a nenhum viés, quando o cérebro responde igualmente às informações positivas e negativas. E a depressão severa está relacionada ao viés pessimista, quando as pessoas esperam que as coisas sejam piores do que acabam sendo. 

Você diz que a maioria das pessoas tem o viés otimista. Mas há muita gente que não se vê assim. Por que isso acontece? 
O viés é justamente isso: acreditar em determinadas coisas mesmo que sejam pouco realistas. Mas, para nós, nossa previsão é realista. Se nos considerássemos otimistas, estaríamos admitindo que o que pensamos que vai acontecer é, na verdade, pouco provável. 

É por isso que em seu livro você chama o otimismo de ilusão? 
Sim, o otimismo é algo que criamos, mas não de forma consciente. Ele é produto de processos básicos do cérebro. 

Que processos são esses? 
Algumas partes dos lobos frontais, a parte da frente do cérebro, respondem mais a informações positivas sobre o futuro do que a negativas. Responder significa processar, levar uma informação em conta e incorporá-Ia às suas convicções. Também descobrimos que, quando imaginamos o futuro de forma positiva, partes dos lobos frontais e a amígdala, uma pequena estrutura cerebral importante para processar emoções, ficam mais ativas. Assim, imaginamos eventos bons de maneira mais vivida e construímos uma imagem melhor. Possivelmente porque os lobos frontais estão modulando as atividades da amígdala, direcionando-a a associações positivas. 

E por que o cérebro age dessa maneira? 
O otimismo oferece vantagens para a sobrevivência. Pessoas otimistas tendem a viver mais. Elas são mais saudáveis, porque ficam menos estressadas. E geralmente são mais propensas a tomar atitudes que as ajudem a se desenvolver e a seguir em frente. 

Mas os pessimistas não são menos vulneráveis a frustrações? 
Não. Primeiro porque é menos provável que um pessimista seja bem-sucedido. Se ele pensa que nada vai dar certo, nem se esforça. Além disso, expectativas positivas nos deixam felizes por si só. Um pessimista passará as semanas antes de um exame importante sofrendo, o otimista ficará bem. E não é que ele não vá estudar - ele acha que tudo dará certo justamente porque vai trabalhar para isso. Economistas da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, mostraram que otimistas normalmente se esforçam mais. Por fim, se eles não alcançam o resultado desejado, não se sentem piores. O que o otimista tende a fazer é interpretar a realidade ruim como algo passageiro. 

Você diz que normalmente achamos que vai dar certo para a gente, mas não somos tão otimistas com relação ao vizinho ... 
O viés otimista está relacionado a outros vieses comuns: a "ilusão de superioridade" e o "efeito melhor que a média", em que acreditamos ser melhores do que realmente somos e melhores do que as outras pessoas. Se você se acha especial, o próximo passo lógico é acreditar que tudo vai dar certo, que seu futuro será melhor que o dos outros. 

No livro, você cita uma experiência em que estudantes recebem, aleatoriamente, palavras como "esperto" e "estúpido" e acabam agindo de acordo com elas. Isso poderia ser aplicado, por exemplo, na educação de nossos filhos? 
Suponho que sim. Quando as pessoas têm expectativas positivas, tendem a se esforçar mais. Mas não é só isso. Nessa experiência, o que se percebeu é que, quando você espera o melhor de si mesmo, também aprende mais com os erros, porque eles são interpretados como surpresa pelo cérebro. Se você diz a seu filho que ele é bom em futebol e ele joga mal, depois ele tenta entender. "Era para eu ter ido bem, o que eu fiz de errado?" Mas, se não há a expectativa de que jogará bem, ele não refletirá sobre isso. E também não aprenderá. 

Não há riscos em ser otimista? 
Há riscos no excesso, porque você tende a não tomar as atitudes necessárias para se preservar. Já foi demonstrado que o otimismo extremo está ligado a fumar mais, por exemplo. Um otimista extremo pensa: "Vou fumar porque nunca ficarei doente". Um otimista moderado leva em conta mais informações para tomar essa decisão. Os otimistas extremos são cerca de 20% das pessoas. Então, a maioria de nós é moderadamente otimista. Você pode continuar esperando o melhor, mas tem que se cuidar. 

Não é uma contradição? 
Não. É possível ter o melhor dos dois mundos. Não estou sugerindo que você seja menos otimista. Mas saiba como seu cérebro funciona e previna-se contra consequências do excesso de otimismo: tome atitudes para se proteger se nada sair como o esperado. 

Dá para aprender a ser mais otimista? 
Alguns estudos indicam que sim. O psicólogo americano Martin Seligman tem pesquisas mostrando que métodos semelhantes à terapia cognitivo-comportamental, em que há uma mudança na forma de interpretar a realidade, conseguem tornar as expectativas otimistas. Quando um pessimista recebe uma promoção, por exemplo, tende a pensar: "Isso só aconteceu porque fulano saiu da empresa, não tem nada a ver com minhas qualidades ou com o futuro e com outras áreas da minha vida". Um otimista promovido pensa: "Isso é porque eu sou talentoso e, portanto, me sairei bem não só no meu trabalho, mas em tudo o que fizer". No método que Seligman usa, ele ensina as pessoas a interpretar acontecimentos positivos como os otimistas, ou seja, como duradouros. estáveis e aplicáveis a outras áreas. E os negativos, da forma inversa. 

Mas isso altera os processos no cérebro?
 Toda conversa, tudo o que acontece com você, muda a forma como os neurônios conversam entre si. Claro: é uma questão de grau, de fazer as coisas com frequência. Por exemplo, na primeira vez em que joga tênis, as mudanças que ocorrem são poucas. Mas, se você joga várias vezes, modifica as conexões entre os neurônios. Por isso, após dois anos jogando, é automático: seu cérebro se acostumou a determinados movimentos. 

Qual a relação entre memória e otimismo? 
O cérebro usa o mesmo sistema para lembrar e para imaginar o que virá. A imaginação baseia-se em fragmentos de memória. Para prever algo, sua próxima festa de aniversário, por exemplo - você usa sua memória. É dela que você tira informação. Você se lembra do restaurante em que fará festa, dos convidados - talvez nem de festas suas, mas de seus amigos. É tudo uma questão de como você combina esses fragmentos para produzir algo novo. 

Então, os otimistas são aqueles que veem o lado bom do passado? 
De forma alguma. A gente não analisa o passado com um viés. Não é preciso ser positivo em relação ao que passou para ser positivo em relação ao futuro. Um otimista olha para trás e pensa: "Errei nos meus cinco últimos relacionamentos, mas aprendi e, por isso, meu próximo namoro vai dar certo". Ele avalia o passado para descobrir como fazer o futuro ser melhor, independentemente de esse passado ter sido bom ou mim. 

Às vezes, conseguimos o que havíamos imaginado, mas não parece tão bom ... 
É difícil saber o que nos fará feliz. Quando imaginamos o futuro, pensamos em apenas parte dele. É como ver o trailer de um filme só com cenas emocionantes. E a gente prevê como vai se sentir baseando-se nisso. Quando o futuro chega, os momentos empolgantes até estão lá, mas a maior parte dele é a vida comum. Quando fazemos escolhas - em que cidade viver, onde passar as férias, tendemos a nos basear apenas na parte boa, não em nosso dia a dia. E aí a gente erra. 

Agora que sabemos disso, ficaremos menos otimistas? 
Não. A ilusão do otimismo é como qualquer outra. Mesmo que saibamos que ela existe, não deixamos de tê-Ia. Não é algo que possa ser modificado pelo conhecimento. 

Então não é verdade que, quanto mais velhos, mais sábios somos? 
Depende da definição de "sábio". Não acho que ter expectativas realistas seja sábio. Ser otimista torna sua vida melhor.  

       (Revista LOLA, outubro de 2012.)

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