sexta-feira, 23 de novembro de 2012

SEIS PRESENTES PARA SEMPRE

   Seu filho pode não gostar a princípio, mas as ideias desta reportagem são valiosas para fazer dele uma pessoa melhor para o resto da vida.  
DÉBORAH DE PAULA SOUZA 

   Civilização começa em casa. Da arrumação da cama a valores básicos, como verdade e responsabilidade, o núcleo duro da educação segue estável, mas o século 21 trouxe novos códigos e desafios para pais empenhados em criar filhos equilibrados. Há verdadeiros presentes que você pode entregar (mesmo que as crianças não enxerguem dessa forma no primeiro momento e se sintam frustradas) com a certeza de estar cumprindo seu papel de educar. Para criar esse "pacote" pedagógico funcional, CLAUDIA ouviu pais e três feras: Ceres Araújo, psicóloga especializada em crianças e adolescentes, professora de pós-graduação em psicologia na PUC-SP; Silvia Viegas, educadora, coordenadora do ensino fundamental na Escola Viva, em São Paulo; e a consultora financeira Elaine Toledo, de São Paulo. 

1- FACEBOOK SÓ DEPOIS DOS 13 
O que dizem a rede e os especialistas: A idade mínima exigida pelo regulamento do Facebook é 13 anos, e a empresa recomenda que até os 18 anos o perfil seja fechado ao público. Para a psicóloga Ceres Araújo, é importante tentar cumprir a regra. Hoje, as crianças em geral mentem a idade para registrar o perfil- mas Ceres diz que os pais não devem compactuar com a mentira. Aliás, o impasse que as redes colocam para todos nós é exatamente este: a mentira e a criação de falsas identidades. "Criança não deve entrar. Se ela quiser estrear aos 13, sua atividade na rede precisará ser monitorada até a maioridade", opina. "E os pais têm direito de conhecer a senha dos filhos enquanto eles forem menores de 18 anos." O conselho da psicóloga: desde o início: combine com o adolescente que de vez em quando o pai ou a mãe entrarão no mural dele. Faça isso com ele por perto, pois monitorar não é invadir. Explique os motivos da atitude alertando sobre questões de segurança e privacidade na rede e o risco da aproximação de pessoas com identidades falsas. Peça que conte quando surgir qualquer contato que cause estranheza. 
O que dizem os pais: Qualquer criança de 8 anos já sabe como driblar a regra oficial do Facebook. A garotada tem acesso a computadores em casa, nos clubes e nas escolas e falseia a idade para entrar na rede. É o caso de Gabriel, 10 anos, filho da dentista Márcia Freitas, de São Paulo. "Um dia cheguei do trabalho e o Gabriel veio me mostrar o perfil dele. Minha filha mais velha, que já faz faculdade em outra cidade, reclamou comigo, disse que era cedo, mas ele alegou que a maioria dos colegas da escola já está no Face." Márcia ficou amiga dele e da turma toda para monitorar. "Para mim, o pior não é ele ter mentido a idade no formulário eletrônico - no mural, está com foto e nome verdadeiros -, e sim o fato de ficar exposto a conteúdos que nem sempre podemos controlar. Fico de olho." Nicolau, 11 anos, filho do empresário Marcos Labriola, de São Paulo, também é ativo no FB. "Ele registrou que tinha 19 anos, mas colocou sua foto de criança e conversa com os colegas da escola. Além deles, eu, a mãe e alguns adultos do nosso convívio nos tornamos amigos de Face. Isso salvou o garoto num grande apuro. Na lan house do clube, Nicolau esqueceu de fechar a página dele na hora de ir embora. Resultado: outro garoto a invadiu e xingou todo mundo. "Um amigo nosso estranhou e nos comunicou imediatamente", conta o pai. "Eu e a mãe comandamos uma verdadeira força-tarefa: bloqueamos o acesso, avisamos o funcionário do clube e aí minha ex-mulher entrou no mural dele, apresentou-se, pediu desculpas e explicou o que tinha acontecido. Tem que monitorar. Digo ao meu filho que a rede é como a rua: não dá para ficar amigo de todos. Pode existir violência, boato, bullying. A maior segurança é estar presente no cotidiano deles." 

2-REGULE O USO DE CELULAR 
O que dizem os especialistas: Mais importante do que fixar regras é mostrar o sentido de liberar ou proibir em certos momentos, acredita a educadora Silvia Viegas. Na escola onde ela trabalha, funciona assim: os adolescentes do ensino médio podem portar celular, mas devem desligá-Io em sala de aula. Já no ensino fundamental, é simplesmente proibido. Se o aluno insistir, o aparelho será recolhido e devolvido ao responsável. "No horário escolar, os pais sabem que a criança está lá. Proibimos quando percebemos que muitas crianças não interagiam mais, ficavam no seu canto, entretidas com fotos e joguinhos. A escola deve estimular o convívio e as trocas pessoais", afirma Silvia. Na opinião dela, o papel dos adultos é mostrar que as escolhas dependem de reflexão e acordos. "Nossa orientação aos pais é que expliquem às crianças os motivos da compra e as condições de uso - seja de celular, de computador, seja de tablet, etc. Isso os ajudará a perceber qual é a melhor hora para oferecer um aparelho ao filho." 
O   que dizem os pais: O empresário Marcos Labriola liberou o celular para o filho mais velho, Diego, 13 anos. "Facilitava, por exemplo, localizá-Io na hora de buscar no clube." Mais tarde, o caçula, Nicolau, 11, ganhou um aparelho de uma tia. "Mas prefiro que brinquem, joguem bola, leiam mais." 

3-DELEGUE TAREFAS EM CASA 
O que dizem os especialistas: Guardar os brinquedos, fazer a própria cama, ajudar a pôr e tirar a mesa das refeições, enrolar os brigadeiros da festa ... São muitas as possibilidades de uma criança pequena participar das atividades da casa. Com a idade, as tarefas podem ficar mais complexas. "É possível ensinar tudo de um jeito lúdico e criativo", sugere Ceres Araújo, para quem a prática desenvolve a autonomia e combate o egoísmo. A criança percebe que ela tem um papel, que aquilo que faz pode beneficiar a todos. Isso é valioso para o presente e o futuro, mas geralmente as mães brasileiras poupam os filhos." Aqui, o hábito de contratar empregadas domésticas dificultou ou adiou a colaboração dos pequenos em casa. Mas essa é uma tendência em declínio, e o estímulo das competências tende a crescer. Cabe aos pais educar os pequenos para desenvolver essa inteligência doméstica. 
O que dizem os pais: "Aos 9 anos, Sophia participa de tudo em casa, pois tenho marido e três filhos, e a faxineira vem apenas uma vez por semana. Todos colaboram", explica a fotógrafa Zaida Siqueira, de São Paulo, mãe também de Matteo, 17, e Giulia, 18. A caçula, além de cumprir tarefas básicas - como colocar a louça que usa na máquina de lavar, arrumar sua cama e seus pertences -, sabe recolher roupa do varal e promete na cozinha. Prepara chá, ovos mexidos, panquecas de aveia e até arroz integral. ''Aprendeu comigo, e agora já deixo ligar o forno para fazer torradas e bolo. Meus filhos maiores também cozinham. Gosto bastante de gastronomia. Nas férias, costumo oferecer oficinas de massas em casa." 

:4- ESTIMULE  A CULTURA 
O que dizem os especialistas: Mais do que simples entretenimento, as viagens e os passeios ao cinema ou ao museu ampliam o relacionamento com pessoas diferentes e o hábito da reflexão. "O contato com outras culturas oferece novos modos de ler o mundo", diz a educadora Silvia Viegas. Cada família pode adaptar a vida cultural ao seu orçamento. Ouvir música e ver um bom vídeo em família são também bons programas. 
O que dizem os pais: "Costumamos ouvir música e ver muitas exposições. Meus três filhos sempre tiveram intenso contato com a cultura popular", afirma a fotógrafa Zaida. Pesquisadora cultural, ela já clicou muitas festas e ritos nacionais, e, desde que os maiores tinham 8 anos, acompanham a mãe em suas viagens. "Sempre ficaram fascinados com as festas do Divino, de São Jorge, com as cavalgadas gaúchas." Dois momentos marcantes: Matteo conhecendo um rito de passagem de meninos indígenas e Giulia, ainda pequena, ajudando a decorar com flores uma rua em Ouro Preto (MG). A caçula já segue a mesma trilha. Na opinião de Zaida, o contato com a diversidade cultural é libertador. "Ficamos livres da falsa ideia de que só existe um jeito certo de viver e nos abrimos para o novo." 

5-DÊ MESADA A PARTIR DOS 7 
O que dizem os especialistas: É importante que a criança já conheça as notas e moedas e saiba fazer contas simples. Na faixa de 6 a 7 anos, ela já tem essas noções e, com acompanhamento de adultos, será capaz de desenvolver a capacidade de controlar a mesada. "O grande benefício - e também o maior desafio - é fazer escolhas com uma quantia limitada de dinheiro", acredita a consultora financeira Elaine Toledo, autora de "Saiba Mais para Gastar Menos" (Alaúde). Para ela, educação financeira nada mais é do que ensinar a pensar, com foco na economia. A mesada pode ajudar a criança a conter impulsos e assimilar o que significa adiar uma compra, poupar, avaliar o custo de um objeto de desejo e os benefícios (e prejuízos) das opções que faz. O valor, porém, é relativo e deve acompanhar os hábitos e os acordos de cada família. "Se é para a criança comprar lanche na escola ou para um sorvete nos fins de semana, a quantia, claro, vai depender dos lugares que ela frequenta." No cálculo, considere que a mesada só será educativa se exigir administração e reflexão sobre os gastos - se for alta demais, perde a função pedagógica. 
O que dizem os pais: "Dou mesada para o Gabriel desde que ele fez 9 anos", conta a dentista Márcia. O objetivo é que ele aprenda a lidar com o dinheiro e economize para conseguir o que deseja. "Mas ele ainda é um pouco imaturo e de vez em quando torra tudo. Certa vez, recusei um brinquedo. Ele foi juntando, conseguiu comprá-Io e ficou feliz. Foi uma conquista muito importante para meu filho. Em outro momento, poupou, pediu ajuda extra da irmã e me deu um presente. Recentemente, jogou futebol em casa e acabou quebrando um lustre. Suspendi o benefício, mas vou retomar. Como tenho uma filha mais velha, sei que esse é um recurso que funciona para a criança ter noção do custo das coisas e da necessidade de poupar." 

6-MENOS PAPO, MAIS EXEMPLO 
O que dizem os especialistas: O exemplo sempre foi a base da educação, mas, em tempos de politicamente correto, com tantos discursos vazios, tornou-se ainda mais valioso. "Não adianta a mãe dizer que é importante respeitar as pessoas se a criança a vê destratando funcionários", explica Silvia Viegas. Adolescentes estão muito atentos a isso e se ressentem da incoerência dos adultos que falam uma coisa e fazem outra. Esse item do pacote pedagógico obriga os pais a questionar seus valores. De que vale enaltecer a verdade e depois pedir à criança para dizer ao telefone que você não está em casa? Só o adulto que souber honrar a palavra terá como ensinar isso aos seus filhos. 
O que dizem os pais: Habituada a lavar a louça nos almoços de domingo na casa dos avós de seu filho, a dentista Márcia decidiu certa vez descansar antes da tarefa. Ao chegar à cozinha, encontrou tudo pronto. O autor da façanha era Gabriel, 10. "Ninguém pediu a ele. Gabriel agiu assim porque me vê fazer isso sempre. É a força do exemplo." 

Nenhum comentário:

Postar um comentário