
Pode ser
nomofobia, o medo patológico de ficar sem conexão - e uma doença que cresce tão
rapidamente quanto a telefonia móvel no mundo.
Por Cristina Nabuco
Em um mundo com 7 bilhões de habitantes, já
existem 6,39 bilhões de liinhas de telefonia móvel. O celular chegou até onde
nem sequer tem água potável. Só no Brasil, há mais aparelhos habilitados do que
habitantes.
"Símbolo
de status, inclusão social e autonomia, o celular atende à exigência de estar
disponível o tempo todo - e derruba as fronteiras entre trabalho e vida pessoal", explica a antropóloga Sandra Rúbia Silvia,
professora da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que
investiga o impacto dessa tecnologia nas relações sociais. "A rotina acaba
sendo cadenciada por esse aparelho e há grandes chances de ultrapassar o limite
de uso que seria razoável", alerta o psicólogo Cristiano Nabuco,
coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de
Psiquiatria da USP. Na velha e boa linguagem analógica, todos esses dados e
evidências querem dizer o seguinte: com tantos aparelhos à disposição. aumenta
a probabilidade de que eles virem unla espécie de extensão do corpo. Portanto,
aparece a probabilidade de que os usuários fiquem conectados demais,
dependentes demais, doidões demais - até os limites do vício.

Usuário ou dependente?
A designer de joias carioca Karina Gandelman,
de 29 anos, passa o dia pendurada no celular. "Uma vez esqueci o carregador. Desesperada, fui de andar em andar
procurando um igual. Não achei. Fiquei dez horas no escritório off-line, uma
tortura!" Ela usa o telefone nas horas vagas. "Se gosto de algo,
fotografo e posto. É quase um Big Brother." Não desliga de madrugada.
"Falo ou troco mensagens com uma
amiga de Los Angeles às 2 da madrugada." O cabeleireiro Ricardo Lemes,
de 33 anos, de São José do Rio Preto, interior paulista, também integra o rol dos
hiperconectados. "Nunca esqueço o
celular. Já faz parte de mim. Uso para marcar horário para clientes, encontrar
endereços. buscar informações sobre cabelos e meus cantores favoritos e
interagir com amigos." O máxiimo que consegue ficar desconectado é por
algumas horas. Mais do que isso, fica irritado. "É bom ir para o meio do mato, mas com sinal de celular!", diz.
E aí: Karina e Ricardo seriam usuários
habiituais ou doentes? "Depende de
quanto a tecnologia interfere na produtividade e nas interações sociais de cada
um", esclarece Iracema Teixeira. A nomofobia é um transtorno do
controle dos impulsos, assim como a dependência de sexo ou de compras. "Nesses casos, há um impulso incontrolável
de executar um ato que pode ser prejudicial para a pessoa ou para os outros,
depois uma sensação de alívio, às vezes seguida de culpa", informa
Cristiano Nabuco.
• Ele fica ligado
por 24 horas, mesmo quando você está dormindo - ele é o despertador!
• Carregá-lo sempre
à mão, para atender mais rápido.
• Ver mensagens,
tuitar ou atender chamadas em reuniões de trabalho, dentro do cinema, em
compromissos familiares e até jantares a dois.
• Interromper o
banho, o sono da madrugada - ou até a relação sexual! - por causa dele.
• Não se desconectar
nem mesmo no fim de semana para se dedicar a outras atividades.
• Andar com o
carregador na bolsa para não correr o risco de ficar sem bateria.
• Entrar em estado
de profunda ansiedade ao esquecer o telefone.
• Ouvir amigos e
familiares reclamando que você não desgruda do aparelho.
Um nomofóbico clássico tem dificuldade de
conter os arroubos de fazer uma ligação, mandar um torpedo, navegar na rede.
Fica abrindo e fechando o aparelho o tempo todo. Pode jurar que ele estava
tocando ou vibrando, aí corre para atender e percebe que foi imaginação. É uma
movimentação contínua, que alivia a ansiedade, dá prazer e tende a ocupar cada
vez mais o seu tempo. "É quando ocorre
o desequilíbrio entre a necessidade de uso e o anseio de estar conectado",
explica Iracema Teixeira. Obsessivo, o dependente interrompe banho, sono,
jantar em família e encontro romântico por causa do celular. Se tivessem de
escolher entre sexo e o telefone móvel, três em cada dez mulheres abririam mão
da vida íntima, revelou uma pesquisa global da Ipsos com 19 271 adultos de 25
países.
Longe do aparelho. o dependente entra em
estado de angústia e em crise de abstinência, com seus conhecidos sintomas: irritabilidade,
agitação, suor frio, taquicardia e dores de cabeça. Ainda que não chegue ao
estágio de dependência, o uso compulsivo leva ao estresse e atrapalha a
concentração. As demandas constantes de ligações e mensagens mantêm a atenção
do usuário sempre meio flutuante: "No
jantar, você não se concentra na família e nas crianças. Quando vai ao cinema,
não presta atenção no filme, porque está sempre preocupado", exemplifica
o psicólogo americano Larry Rosen, no recém-lançado iDisorder (sem tradução em português), que aborda os transtornos
causados e potencializados pelo uso excessivo de iPhones e afins.
O corpo também pena. Duas novas doenças já
foram tipificadas e associadas ao uso intensivo desses gadgets. A textingtendinitis
é uma lesão por esforço repetitivo que produz inflamação e dor na base do polegar
por sobrecarga da articulação - e prejudica movimentos cotidianos, como
escrever, apanhar objetos e dirigir. E a textneck
aparece por causa da má postura que se adota para olhar celulares e tablets:
aquele estranho arco em que a cabeça tende para a frente e o pescoço fica
estendido. Tensionados, o pescoço e as costas começam a doer. E há os possíveis
- e sempre controversos - efeitos da radiação. Paira sobre o celular a suspeita
de danos por aquecimento dos tecidos, como dores de cabeça, catarata, zumbido
no ouvido e até câncer. Os estudos não são definitivos, mas, por via das
dúvidas e como forma de estimular o uso com moderação, a Organização Mundial da
Saúde o classificou como "potencialmente cancerígeno". Banir os
celulares hoje, claro, soa tão maluco quanto imaginar que há pouquíssimos anos
todo mundo vivia muito bem sem eles. Nos casos de vício bravo e diagnosticado,
os especialistas indicam psicoterapia e medicação. Nos casos de suspeita do
nomofobia, a regra é cristalina: o melhor é dar uma relaxada para se reconectar
à vida real. Conversar com as pessoas, andar no parque, olhar as nuvens, praticar
exercícios. E depois não correr para o celular para contar a alguém.
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