quarta-feira, 14 de novembro de 2012

FORA DA ÁREA


   Você fica sem chão quando esquece o celular, quando não há sinal, quando a maldita bateria acaba?? Checa mensagens e acha que o aparelho tocou o tempo inteiro?
   Pode ser nomofobia, o medo patológico de ficar sem conexão - e uma doença que cresce tão rapidamente quanto a telefonia móvel no mundo.
Por Cristina Nabuco

    Em um mundo com 7 bilhões de habitantes, já existem 6,39 bilhões de liinhas de telefonia móvel. O celular chegou até onde nem sequer tem água potável. Só no Brasil, há mais aparelhos habilitados do que habitantes.
  "Símbolo de status, inclusão social e autonomia, o celular atende à exigência de estar disponível o tempo todo - e derruba as fronteiras entre trabalho e vida pessoal", explica a antropóloga Sandra Rúbia Silvia, professora da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que investiga o impacto dessa tecnologia nas relações sociais. "A rotina acaba sendo cadenciada por esse aparelho e há grandes chances de ultrapassar o limite de uso que seria razoável", alerta o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP. Na velha e boa linguagem analógica, todos esses dados e evidências querem dizer o seguinte: com tantos aparelhos à disposição. aumenta a probabilidade de que eles virem unla espécie de extensão do corpo. Portanto, aparece a probabilidade de que os usuários fiquem conectados demais, dependentes demais, doidões demais - até os limites do vício.
    É a nomofobia. O termo vem de um trocadilho criado pela imprensa inglesa: no-mobile ou apenas no-mo. Trata-se do medo de ficar sem conexão via celular, smartphone & que tais. E é um distúrbio bem democrático em sua incidência. Na Grã-Bretanha, por exemplo, subiu de 53% em 2008 para espantosos 66% dos usuários, conforme estudo divulgado neste ano pela SecurEnvoy, empresa especializada em senhas para telefonia móvel. No Brasil, pesquisa da Ipsos feita com mil moradores de 70 cidades, de ambos os sexos, mostrou: 18% admitiram ter dependência de seus aparelhinhos. O número, claro. pode ser bem maior. "Nem sempre existe a noção da dependência. É comum as pessoas alegarem que vivem conectadas por causa do trabalho ou da família", diz a psicóloga Iracema Teixeira, professora de Pós-Graduação da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro.

Usuário ou dependente?
     A designer de joias carioca Karina Gandelman, de 29 anos, passa o dia pendurada no celular. "Uma vez esqueci o carregador. Desesperada, fui de andar em andar procurando um igual. Não achei. Fiquei dez horas no escritório off-line, uma tortura!" Ela usa o telefone nas horas vagas. "Se gosto de algo, fotografo e posto. É quase um Big Brother." Não desliga de madrugada. "Falo ou troco mensagens com uma amiga de Los Angeles às 2 da madrugada." O cabeleireiro Ricardo Lemes, de 33 anos, de São José do Rio Preto, interior paulista, também integra o rol dos hiperconectados. "Nunca esqueço o celular. Já faz parte de mim. Uso para marcar horário para clientes, encontrar endereços. buscar informações sobre cabelos e meus cantores favoritos e interagir com amigos." O máxiimo que consegue ficar desconectado é por algumas horas. Mais do que isso, fica irritado. "É bom ir para o meio do mato, mas com sinal de celular!", diz.
      E aí: Karina e Ricardo seriam usuários habiituais ou doentes? "Depende de quanto a tecnologia interfere na produtividade e nas interações sociais de cada um", esclarece Iracema Teixeira. A nomofobia é um transtorno do controle dos impulsos, assim como a dependência de sexo ou de compras. "Nesses casos, há um impulso incontrolável de executar um ato que pode ser prejudicial para a pessoa ou para os outros, depois uma sensação de alívio, às vezes seguida de culpa", informa Cristiano Nabuco.
     Pistas de que você e seu celular podem estar com uma relação meio neurótica:
• Ele fica ligado por 24 horas, mesmo quando você está dormindo - ele é o despertador!
• Carregá-lo sempre à mão, para atender mais rápido.
• Ver mensagens, tuitar ou atender chamadas em reuniões de trabalho, dentro do cinema, em compromissos familiares e até jantares a dois.
• Interromper o banho, o sono da madrugada - ou até a relação sexual! - por causa dele.
• Não se desconectar nem mesmo no fim de semana para se dedicar a outras atividades.
• Andar com o carregador na bolsa para não correr o risco de ficar sem bateria.
• Entrar em estado de profunda ansiedade ao esquecer o telefone.
• Ouvir amigos e familiares reclamando que você não desgruda do aparelho.
    Um nomofóbico clássico tem dificuldade de conter os arroubos de fazer uma ligação, mandar um torpedo, navegar na rede. Fica abrindo e fechando o aparelho o tempo todo. Pode jurar que ele estava tocando ou vibrando, aí corre para atender e percebe que foi imaginação. É uma movimentação contínua, que alivia a ansiedade, dá prazer e tende a ocupar cada vez mais o seu tempo. "É quando ocorre o desequilíbrio entre a necessidade de uso e o anseio de estar conectado", explica Iracema Teixeira. Obsessivo, o dependente interrompe banho, sono, jantar em família e encontro romântico por causa do celular. Se tivessem de escolher entre sexo e o telefone móvel, três em cada dez mulheres abririam mão da vida íntima, revelou uma pesquisa global da Ipsos com 19 271 adultos de 25 países.
    Longe do aparelho. o dependente entra em estado de angústia e em crise de abstinência, com seus conhecidos sintomas: irritabilidade, agitação, suor frio, taquicardia e dores de cabeça. Ainda que não chegue ao estágio de dependência, o uso compulsivo leva ao estresse e atrapalha a concentração. As demandas constantes de ligações e mensagens mantêm a atenção do usuário sempre meio flutuante: "No jantar, você não se concentra na família e nas crianças. Quando vai ao cinema, não presta atenção no filme, porque está sempre preocupado", exemplifica o psicólogo americano Larry Rosen, no recém-lançado iDisorder (sem tradução em português), que aborda os transtornos causados e potencializados pelo uso excessivo de iPhones e afins.
     O corpo também pena. Duas novas doenças já foram tipificadas e associadas ao uso intensivo desses gadgets. A textingtendinitis é uma lesão por esforço repetitivo que produz inflamação e dor na base do polegar por sobrecarga da articulação - e prejudica movimentos cotidianos, como escrever, apanhar objetos e dirigir. E a textneck aparece por causa da má postura que se adota para olhar celulares e tablets: aquele estranho arco em que a cabeça tende para a frente e o pescoço fica estendido. Tensionados, o pescoço e as costas começam a doer. E há os possíveis - e sempre controversos - efeitos da radiação. Paira sobre o celular a suspeita de danos por aquecimento dos tecidos, como dores de cabeça, catarata, zumbido no ouvido e até câncer. Os estudos não são definitivos, mas, por via das dúvidas e como forma de estimular o uso com moderação, a Organização Mundial da Saúde o classificou como "potencialmente cancerígeno". Banir os celulares hoje, claro, soa tão maluco quanto imaginar que há pouquíssimos anos todo mundo vivia muito bem sem eles. Nos casos de vício bravo e diagnosticado, os especialistas indicam psicoterapia e medicação. Nos casos de suspeita do nomofobia, a regra é cristalina: o melhor é dar uma relaxada para se reconectar à vida real. Conversar com as pessoas, andar no parque, olhar as nuvens, praticar exercícios. E depois não correr para o celular para contar a alguém.

                       (Revista LOLA, outubro de 2012)

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