domingo, 29 de abril de 2012

UM EUROPEU PERDIDO NOS TRÓPICOS


   Enquanto há livros e até filmes sobre D. Pedro  I, pouco se comenta e se sabe sobre o seu filho D.Pedro II, pois os livros sobre a história brasileira limitam-se a informações sobre o seu papel como governante. Sempre tive curiosidade sobre este personagem e ela foi aguçada ao ler os livros "1808" e "1822", escritos  por Laurentino Gomes. Assim, quando enviei um e-mail a ele, parabenizando-o pelas duas obras, aproveitei para pedir que me indicasse um bom livro sobre D. Pedro II. E é baseada  no livro indicado por ele (D. Pedro II, de José Murilo de Carvalho) que vou fazer um comentário sobre o personagem.


D. Pedro  II  foi Imperador do Brasil por  49 anos, 3 meses   22 dias, num longo governo iniciado em 23 de julho de 1840 e concluído em15 de novembro de 1889.  Somente a rainha Vitória, da Inglaterra, superou-o em tempo de reinado (64 anos)e, agora, em 2012, a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, ao completar 60 anos de seu reinado. 
    Ele subiu ao poder ainda muito jovem, com menos de 15 anos, numa época muito agitada, de revoltas em várias partes do país, inclusive a nossa Revolução Farroupilha. Entretanto, ao ser deposto e exilado, em 1889, com 64 anos, estava consolidada a unidade do país,  a abolição da escravatura fora feita, estavam estabelecidas as bases do sistema representativo através de eleições e havia grande liberdade de imprensa.D. Pedro II marcou profundamente a história do país, devido às transformações que efetuou durante 
   Era um tipo bem europeu: alto (1,90m), loiro, olhos azuis, barba espessa e prematuramente branca. Sua infância marcada pela orfandade: a mãe , Dª Leopoldina, faleceu quando estava com um ano de idade e o pai, D. Pedro I, foi obrigado a sair do país quando ele tinha nove anos, deixando-o e às suas três irmãs Januária, Paula Mariana e Francisca; tendo a mais velha, Maria da Glória foi com o pai, pois estava destinada a ser rainha de Portugal. A partir daí, o jovem príncipe viveu nas mãos de tutores, governantas  e mestres, que lhe deram uma educação rígida, com a finalidade de fazer dele um chefe de Estado perfeito, sem paixões, escravo das leis e do dever. E D. Pedro passou a vida procurando ajustar-se a esse papel , exercendo com zelo um poder que o destino colocara em suas mãos.      
  Porém, escondido atrás do Imperador, vivia um outro homem: o cidadão Pedro de Alcântara, um ser humano sofrido devido às  tragédias domésticas, que possuía contradições e paixões, que amava as ciências e as letras, detestava as pompas do poder, e cujo maior prazer era viajar, pois no Brasil, ele era o imperador Pedro II; viajando pela Europa e Estados Unidos, era o cidadão Pedro de Alcântara.  
    Somente um fato mantinha unidos esses dois homens: a grande paixão pelo Brasil, que permitiu ao homem que carregava dentro de si estes dois seres tão diferentes dedicar-se integralmente e com persistência à tarefa de governar o país por tão longos anos. “E ele fez isto com os valores de um republicano, com a minúcia de um burocrata e com a paixão de um patriota. Foi respeitado por quase todos, mas não foi amado por quase ninguém”
      Mas por que isso aconteceu? Porque D. Pedro II era um homem avesso ao tipo de vida na corte: não adulava os nobres, ricos e importantes, oferecendo festas e banquetes, sessões de teatro e cerimônias que os fizessem viver ao redor do imperador, bajulando-o (detestava e achava enfadonhas as ocasiões em que era obrigado a comparecer a tais eventos). E, como quase não saía de casa a não ser quando realmente necessário, também o povo  não se aproximava muito dele.  
    No aspecto político conseguiu realizar muitas coisa, embora lentamente, pois, como ele  dizia, tudo andava devagar demais no Brasil. Na formação dos gabinetes de governo, cuidava em dar vez tanto aos conservadores quanto aos liberais e escolhia seus chefes do ministério pela competência que tinham em conciliar e ter atitudes firmes. Fazia  reuniões constantes com os ministros e participava de todas as decisões a serem tomadas. Várias vezes viajou pelo Brasil com intenções políticas: de São Paulo ao Rio Grande do Sul, a fim de prestigiar a província e assegurar a sua lealdade ao Império ; pelo interior do Rio de Janeiro e São Paulo, para fazer contato com os barões do café e do açúcar, as duas grandes riquezas da época; o Norte do país ( na época, da Bahia para cima era Norte), em 4 meses de andanças do Espírito Santo à Paraíba. 
    Nessas ocasiões, suportava as cerimônias oficiais, as quais detestava, e, mal se livrava delas,dedicava-se ao que mais gostava de fazer: visitar igrejas, conventos, hospitais, fábricas, escolas, prisões, quartéis, para ver como funcionavam, anotando tudo que achava errado. Todas estas viagens foram  descritas num diário pelo próprio Imperador. Nessas viagens foi sempre acompanhado pela imperatriz e por um grupo que cuidava de sua saúde e bem-estar (camareiro, mordomo, médico, padre).  
     Entretanto, as viagens que mais o fascinavam eram as feitas ao exterior. Sempre teve encantos pela Europa e visitou várias países: Portugal, França, Inglaterra, Bélgica, Espanha, Alemanha, Áustria, Itália Suíça. E também esteve no Egito. Nessas viagens todas,  fazia questão de visitar instituições de cultura, educação e ciência, lugares históricos e visitar personagens do mundo cultural, como Victor Hugo, Camilo Castelo Branco, Taine, Pasteur. Procurava fugir das homenagens, pois dizia que quem estava lá era o cidadão Pedro de Alcântara e não o imperador Pedro II. Por isso,  suas viagens eram custeadas pelo próprio bolso, através de empréstimos pessoais que fazia, e não pelo governo brasileiro. 
     Também visitou os Estados Unidos, onde entrou em contato com os escritores, cientistas e políticos da época (Longfellow, Agassiz, Whittier, Theodore Roosevelt, Sherman, Grant...). Lá sua rotina de viagem sempre foi a mesma: visitas a universidades, escolas, institutos de ciência e cultura, locais históricos importantes, sessões de academias, pois era um eterno apaixonado pela cultura e conhecimento.   Todas essas viagens realizadas por ele, estão registradas em diários ou em cartas escritas a familiares e amigos íntimos.
    D, Pedro era um leitor voraz: lia de tudo e em qualquer lugar (em casa, nos navios, nos hotéis, nos trens) e fazia com que outros lessem para ele. Fazia anotações nas margens dos livros que lia e era dotado de uma memória prodigiosa que lhe permitia guardar o que lia.  A declaração mais clara de sua vocação para as letras, as artes e a ciência está no seu diário de 1862: "Nasci para consagrar-me às letras e às ciências, e, a ocupar posição política, preferiria a de presidente da República ou ministro a de imperador. Se ao menos meu pai imperasse ainda, estaria eu há 11 anos com assento no Senado e teria viajado pelo mundo". Estão aí afirmados uma vocação, um desgosto e um prazer: a vocação para as ciências e as letras, o desgosto de ser imperador, o desejo de viajar. Passou boa parte da vida tentando combinar esses desejos com os deveres.
    Essa mesma paixão pela leitura ele dedicava à escrita. Deixou 43 cadernos de diários, em que descrevia minuciosamente suas viagens no Brasil e no exterior e os dias de exílio. É enorme o volume de correspondência com políticos, sábios, artistas, amigos e amigas.
   Tinha predileção pelo aprendizado de línguas, no que era ajudado pela memória fabulosa. Falava latim, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol. Lia grego, árabe, hebraico, sânscrito, provençal, tupi-guarani. Fazia traduções do grego, do hebraico, do árabe, do francês, do italiano, do inglês.
    D. Pedro possuía um do genuíno interesse pelo cultivo e promoção da cultura, demonstrado durante toda a vida. Distribuiu bolsas de estudo e auxílios para experimentos, fez doações a instituições educacionais e científicas. Doou 100 mil francos para a criação do Instituto Pasteur, doou coleções ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, doou à Biblioteca Nacional sua coleção de fotos, concedeu pensão à família do ator João Caetano, financiou a publicação de obras de Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães. Protegeu muitas instituições de ciências, fundou a Escola de Minas de Ouro Preto. Gostava de assistir a tudo que era concurso público. Nas escolas, era o pavor dos professores, porque acompanhava suas aulas e examinava os alunos, do primeiro grau ao ensino superior. Também escrevia poesias, mas reconhecia não ser bom nessa atividade.
     Por tudo isso, pode-se dizer que d. Pedro foi um erudito. Mas não foi um sábio, nem um cientista, nem um filósofo. Adotava com entusiasmo as inovações tecnológicas da época.  Desde a  juventude foi interessado    pela fotografia e, a partir da visita à exposição de Filadélfia, interessou-se também pelo telefone. Financiava alguns experimentos, tinha seu pequeno observatório em São Cristóvão. Na viagem aos Estados Unidos,informou-se sobre fábricas, máquinas e novas tecnologias, pretendendo implantá-las no Brasil. Seu apoio à ciência, às letras e às artes, à educação e à técnica foi um exemplo importante num país de 80% de analfabetos. O pouco que se fez no Brasil no século XIX nesses campos deve-se muito a ele. Projetou  no exterior a imagem de um chefe de Estado culto e mecenas, em contraste com os generais e caudilhos toscos que povoavam a política da América Latina.    Em seu funeral, boa parte do mundo intelectual e científico de Paris estava presente.  
     Uma característica importante da personalidade de D. Pedro II era a de não ser ligado a dinheiro. Recebia uma dotação modesta do governo, com a qual eram mantidos o palácio e os gastos, inclusive  os de suas viagens dentro do país.Suas viagens ao exterior eram custeadas com empréstimos feitos por ele mesmo, pois se recusava a usar dinheiro público. Grande parte dos seus gastos eram com esmolas, doações a entidades beneficentes e científicas, pensões (correspondiam ao que hoje se chama bolsas de estudo) que financiaram os estudos de 65 jovens do ensino básico e médio no Brasil  e 41 para estudarem no exterior. E para comprovar seu desapego ao dinheiro, ainda era distribuído aos pobres o lucro da Fazenda de Santa Cruz, da propriedade da Coroa.   
     Após sua deposição, no dia 15 de novembro de 1889, foi para a Europa, acompanhado pela família e por um grande número de  amigos (alguns deles levando junto a própria família).Quando lhe perguntaram por que não resistira à rebelião militar, respondeu: “Resistir para quê? O Brasil há de saber governar-se, não precisa de tutor.”  Recusou os 5 mil contos de ajuda oferecidos pelo governo provisório como ajuda de custos. 
    Chegado a Portugal, em seguida sofreu o desgosto da morte da esposa, Dª Teresa Cristina, o que o abalou profundamente, pois se afeiçoara muito a ela nos 46 anos de convivência. Ele viveu o seu exílio em peregrinações por estações de águas, casas de amigos e hotéis de segunda categoria. Suas companhias constantes eram o médico, um professor e o mordomo. Recebia muitas visitas: de admiradores fiéis e ex-ministros, inclusive de generais argentinos e uruguaios que conhecera na época da Guerra do Paraguai, da qual participou como voluntário.     
     Em 1891, mais um desgosto veio abalar a sua já frágil saúde: a morte da condessa de Barral, que se tornara sua amante na época em que fora tutora de suas filhas Isabel e Leopoldina. Essa relação se tornou um amor e amizade para toda a vida: mesmo distantes estavam sempre em contato por cartas. Em outubro do mesmo ano, em Paris, uma pneumonia veio a piorar ainda mais seu estado de saúde, que já era bastante desgastado pela diabetes, os efeitos da malária e de complicações hepáticas. No dia 4 de novembro, entrou em agonia e morreu no início do dia 5, aos 66 anos, dois anos após a sua deposição do governo.  
     Foi grande a repercussão de sua morte. Às cerimônias fúnebres, compareceram representantes das outras casas reais europeias, representantes de governos, inúmeros brasileiros, membros de várias entidades culturais e científicas, a ponto de Joaquim Nabuco dizer que a nave da igreja parecia abrigar um congresso do espírito humano. O governo brasileiro não se fez representar. Seu corpo foi levado de trem para Portugal e sepultado perto de Lisboa, no jazigo da família Bragança, entre o da madrasta, Dª Amélia e o da esposa, Dª Teresa Cristina. (Seus restos mortais, assim como os de sua esposa, seriam depois  trazidos ao Brasil em 1921, a tempo do ce     Nos Estados Unidos, o “New York Times”, do dia 5 de dezembro, não poupou elogios. Em texto de duas colunas, reproduziu a frase de Gladstone, segundo a qual D. Pedro seria o governante modelo do mundo e acrescentou outros louvores por conta própria. D. Pedro, segundo o jornal, foi "o mais ilustrado monarca do século" e "tornou o Brasil tão livre quanta uma monarquia pode ser".
       Os adversários brasileiros do imperador, criticando sua política, ressaltavam sempre seu patriotismo, honestidade, desinteresse, espírito de justiça, dedicação ao trabalho, tolerância, simplicidade. O republicano José Veríssimo salientou que a maior dívida do Brasil com D. Pedro era a atmosfera de liberdade que proporcionara às atividades do espírito. Em seu governo, resumiu: "Todos pensávamos como queríamos e dizíamos o que pensávamos. Eu não sei que maior elogio se possa fazer a um estadista."

 (D. Pedro II - José  Murilo  de Carvalho - Coleção  Perfis  Brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            

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