quarta-feira, 23 de setembro de 2015

CHORAR ERA BOM

        
        Hoje, nos defendemos a tal ponto que fingimos não sentir nada. E, de 

tanto fingir, não sentimos.


     Há quanto tempo você não chora? Muito? Como era bom chorar! Hoje, no máximo, os olhos se enchem de lágrimas - mas só em uma cena emocionante de um filme ou livro. Por nossos sofrimentos, quase não choramos. Às vezes, contando um sonho ao analista, nossos olhos até se enchem, mas aquele choro grande que terminava em soluços e sempre motivava alguém a nos dar um ombro - imediatamente aceito - e nos abraçar forte, esse choro faz tempo. E esse ombro e esse abraço também.
  Nunca se soluça sozinho: há sempre que ter alguém por perto para que o choro saia forte,
sem pudor, bem barulhento e sofrido. É a certeza de que haverá alguém para nos consolar
que permitirá que caiamos em prantos - a não ser quando se é muito jovem, o namorado
desfila com outra em uma festa e é preciso correr para chorar no banheiro.
Mas o tempo passa, e os mais atentos sabem que choramos cada vez menos. Será que é porque já vivemos - ou pelo menos vimos - tantas coisas tristes que chorar, ago- 

ra, só por razões muito, mas muito sérias?

Tem gente que, no lugar de sofrer, fica com raiva - o que, dependendo do motivo, é mais 

saudável. A raiva faz com que você se mexa, pense em uma vingança ou estratégia, faça 
planos, se modifique, passe a ser mais esperta, mais rápida para ver e entender as coisas, mais inteligente e mais lúcida, com os pés mais no chão. Já o sofrimento paralisa
e alguns não conseguem fazer nada além de sofrer. Mas certos sofrimentos têm prazo de 
validade, sobretudo os de ordem sentimental.

     Por que é tão difícil chorar nos dias de hoje? Quando se é criança, até um tombo 

que deixa o joelho ralado faz as lágrimas saltarem. Agora você vê pela televisão a tragé- 
dia dos refugiados da África, se horroriza, mas não chora. Será um problema orgânico? 
Antes, o choro vinha tão fácil que era obrigatório para as mulheres levar um lencinho na 
bolsa. Atualmente, a não ser em caso de fortíssimo resfriado - e para isso há os lenços de 
papel. Aqueles de cambraia, com o monograma bordado, não existem mais - se você qui
sesse comprar alguns, será que alguém poderia indicar um bom endereço?

Antigamente se chorava de tristeza quando um amigo viajava, de emoção quando ele voltava, até de saudade se chorava. É bem verdade que o telefone e a internet ajudam a atenuar esse tipo de sentimento. Assim, a pa- lavra saudade - que se dizia com orgulho que só existia na língua portuguesa - vai acabar saindo do dicionário. E alguém tem tem- po de sentir saudade de alguma coisa nessa correria?
Mas estou sendo injusta: se de uma coisa se tem saudade, é do tempo em que se chora- 

va. Não das razões que levavam a isso, mas da capacidade não só de sentir como tam
bém de demonstrar. Hoje nos defendemos a tal ponto que fingimos não sentir nada
E, de tanto fingir, acabamos não sentindo mesmo. O coração vai virando uma pedra, sem sofrimento, mas também sem ternura, amizade, carinho, bondade, solidariedade
E, para não sofrer, descartamos da vida também o amor, é claro. Boas razões, aliás
para cair no choro.  


                                   (Danuza  Leão, CLAUDIA,  setembro de 2015)

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