segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

CARTAS, MANOBRAS E CABEÇADAS: A PEQUENA POLÍTICA VENCEU

     
      A pequena política triunfou. O conceito cunhado pelo filósofo Antonio Gramsci explica o que se passa hoje no Brasil. Trata-se de um tipo de política engendrada nos corredores do Parlamento e dos palácios, às escondidas, em conluios obscuros, repleta de intrigas e traições, reduzida a uma luta de facções por cargos e nacos de poder. É a antípoda perfeita, o oposto absoluto da grande política, aquela que se propõe a discutir os fundamentos da ordem social e formular projetos estruturais para o país. Só a grande política seria capaz de refundar o Estado, com a proposição de uma nova visão de mundo         
     Em vez disso, a semana que passou nos deu a noção exata do grau de mediocridade da fornada de políticos mais tacanha e obtusa que o Brasil já produziu. Três episódios foram especialmente constrangedores, e têm apenas a vantagem de desmascarar seus protagonistas. A carta do vice-presidente da República, fingindo beicinho para conspirar, as manobras protelatórias do presidente da Câmara Federal, usando seu cargo para inviabilizar a investigação contra ele no Conselho de Ética da casa; e a escaramuça dos deputados durante a votação secreta para a eleição da comissão do impeachment, com troca de insultos, empurrões, sopapos e cabeçadas entre suas excelências.
    É importante deixar claro que a contraposição entre a pequena política e a grande política nada tem a ver com a distinção entre progressistas e retrógrados, ou entre esquerda e direita. O que se compara aqui é a ocultação de interesses e a disposição sincera ao diálogo, a indigência teórica e o brilho de novas formulações, a mera técnica de obtenção de maioria parlamentar e a elaboração de projetos de país. A vitória da pequena política tem um pouco a ver com a distinção feita por Max Weber entre os políticos que vivem "para a política" e os que vivem "da política". Basta olhar para o que se transformou, hoje, o PMDB. Um partido que já foi protagonista da mais alta política, sob o comando de líderes da estatura de um Ulysses Guimarães ou de um Miguel Arraes, é hoje capitaneado
por figuras como Eduardo Cunha e Renan Calheiros.
     O partido da presidente Dilma padece do mesmo mal. Para quem já teve um Florestan Fernandes ou um Plínio de Arruda Sampaio em seus quadros parlamentares, dá vontade
de chorar ao ouvir a retórica de "líderes" como Siba Machado e Delcídio do Amaral que, aliás, já saiu de cena pelas razões conhecidas. Ao aceitar as regras do jogo parlamentar do troca-troca, aderindo à pequena política como estratégia para governar, o PT de Dilma renunciou a qualquer projeto de transformação social, submetendo-se ao contrapeso de aliados interessados em perpetuar o atraso histórico que nos mantém atados à desigualdade iníqua que aprofunda o abismo entre ricos e pobres. É o preço que a presidente tem de pagar. Mesmo sem ter nenhuma prova contra ela, corre o risco de enfrentar um processo de impeachment. A não ser que se convença, finalmente, de que
só a grande política pode salvá-la.


  (Marcelo Canellas -  Diário de Santa Maria, 13/12/2015)

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