domingo, 26 de agosto de 2012

NÃO MEXA COM QUEM ESTÁ QUIETO

 A escritora americana Susan Cain causou estardalhaço com a tese de que as pessoas introvertidas são mais focadas, criativas e inovadoras – vantagens despercebidas num mundo que acredita que todo bom trabalho tem de ser realizado em equipe. “As grandes conquistas e invenções da história foram feitas por pessoas sozinhas”, diz. 

A advogada e escritora norte-americana Susan Cain defini-se como uma pessoa introvertida – alguém que prefere “pensar antes de falar, ouvir mais do que falar e ler a socializar-se”. Foi com essa características que se formou na Faculdade de Direito de Harvard, uma das mais disputadas do mundo, e trabalhou com grandes clientes em escritórios de Nova York. Fácil não foi. Susan teve de faz das tripas coração para extrair as virtudes de uma personalidade que frequentemente sofria com a timidez – muitas vezes causadas pela pressão da sociedade. Certa vez, em Harvard, a a caminho de um grande anfiteatro,vomitou no meio do corredor de tanto nervoso que tinha ao falar em público. Já advogada, quase perdeu um cliente importante por não conseguir falar na hora da reunião. Superadas as limitações da timidez, ela começou, em 2005, a pesquisar o assunto a fundo, e o resultado é o livro O Poder dos Quietos, lançado neste mês nos EUA. Ancorada em centenas de entrevistas, Susan defende que pessoas introvertidas e quietas são mais criativas e inovadoras, principalmente no mundo do trabalho. Em entrevista a LOLA, ela fala das dificuldades dos come-quietos num mundo que aposta a fichas no ‘magnetismo pessoal” e na crença de que todo trabalho tem de ser feito em grupo.

LOLA: Quais são as vantagens de ser introvertido? 

SUSAN CAIN: São muitas; introvertidos, por exemplo, são muito focados, principalmente para solucionar problemas. Eles passarão mais tempo trabalhando neles do que os extrovertidos, e provavelmente se sairão bem melhores. Uma das pessoas introvertidas que eu entrevistei para o livro disse: “A questão não é eu ser mais inteligente; a questão é que eu passei mais tempo trabalhando no problema.” Pessoas mais quietas tendem ainda a escutar as opiniões e as sugestões dos outros, além de serem mais observadoras. O cérebro delas funciona prestando atenção em tudo o que está acontecendo ao redor, é da natureza delas. Por tudo isso, têm mais conhecimento e são mais bem informadas.

São mais criativas também?
Sim, os psicólogos detectam essa característica com frequência entre os mais quietos. Pessoas que ficam algum tempo com elas mesmas têm mais chances de criar. Estar sozinho é um catalisador de inovação. Quando estamos com outras pessoas, adotamos a opinião delas e não conseguimos diferenciá-la do que pensamos de verdade. Só temos noção de nós mesmos quando estamos sós.

Qual a diferença entre introversão e timidez?
Timidez é outra coisa, é algo doloroso. É quando a pessoa se preocupa com o que os outros vão achar dela e pensa que estão tendo pensamentos negativos sobre ela. Por isso ela se retrai. Alguns introvertidos não nascem tímidos, mas se transformam em pessoas retraídas porque sentem como se algo estivesse errado, estão sempre captando a mensagem de "tem algo errado com você e na maneira com que você gasta seu tempo". Isso pode ser um problema. No entanto, a timidez pode ser superada, e o lado bom do temperamento pode ser preservado.

E a diferença entre extroversão e carisma?
Essa é uma questão muito interessante. De fato, elas não são a mesma coisa Você pode ser introvertido com grande carisma. Carisma é mais sobre ter uma presença no ambiente em que você está É uma questão de autenticidade. Se você foca na pessoa com quem está falando e na mensagem que está transmitindo, isso pode transmitir carisma também. O que geralmente digo sobre introversão é que não importa como você vê as coisas. Você pode falar suavemente ou até hesitar um pouco, mas, se falar com convicção, terá carisma! Tendemos a pensar em líderes como pessoas carismáticas no sentido de serem simpáticas, dinâmicas, falantes. Funciona, claro. Mas, se olharmos na história, podemos ver que tivemos importantes líderes que
eram quietos.

Em que áreas os extrovertidos podem ser melhores?
Extrovertidos são bons em motivação, por exemplo. Se uma empresa estiver em busca de funcionários motivados, os extrovertidos funcionam bem. Eles são muito bons em aproveitar o dia; se querem algo, vão atrás com muito gás. E geral, são pessoas agradáveis de estar por perto, pois transmitem uma ideia de felicidade e sabem passar uma energia positiva. São boas companhias. Isso não significa que, apesar de serem melhores em muitos aspectos para o trabalho, os introvertidos saem perdendo na vida pesso Acho que tanto introvertidos quanto extrovertidos podem se sair bem no trabalho e na vida pessoal. Nós precisamos dos dois tipos, do mesmo jeito que precisamos de homens e mulheres. Os dois tipos podem ser competentes nas duas esferas.

O ideal não seria uma pessoa que se encaixasse entre os dois perfis?
De fato existe a palavra ambiversão, que diz respeito à pessoa que é um pouco introvertida e um pouco extrovertida. Todos nós temos um pouco de cada característica.

O problema está,então, na existência de um culto à extroversão?
Exato, e isso pode ser muito prejudicial. Na escola, os professores acham que as crianças mais quietas têm algo de errado, e contaminar os pais com essa exigência cultural de sermos extrovertidos e participativos. Acabam não estimulando talentos e características positivo das crianças quietas, esperando que elas manifestem suas ideias e talentos da forma tradicional, e não trabalhando para dar a elas habilidades e oportunidades para se expressa de outra forma, do jeito introvertido delas. Não temos como medir o impacto dessa cobrança crescimento de uma pessoa. Nas escolas, mais que nunca, estão estruturando o ensino na base da participação em grupo. Não sei como é no Brasil, mas imagino que seja a mesma coisa.

Trabalhar em grupo não é essencial?
Colaboração pode ser uma coisa maravilhosa. Veja John Lennon e Paul McCartney, eles formavam uma dupla e tanto. Eu não sou contra a colaboração. Sou contra esse conceito de que temos que trabalhar o tempo todo em equipe. Se olharmos as grandes conquistas e invenções da história, a grande maioria foi feita por pessoas que criavam por elas mesmas, sozinhas. Nós Úvemos hoje essa crença na comunidade, que seria fonte de amor e de criatividade. Escolas, ambientes de trabalho e instituições religiosas trabalham em cima dessa crença. É o que eu chamo de novo pensamento de grupo. Para quem defende essa linha de pensamento, a criatividade e as conquistas intelectuais vêm apenas da sociabilidade. Está errado.

A valorização da extroversão está relacionada com uma sociedade que não reserva espaço para a privacidade?
Sim.Quando destruímos a privacidade e a individualidade, acabamos destruindo hábitos naturais de introversão. Cada vez menos as empresas dão autonomia e privacidade a seus funcionários. Estão acabando com o habitat dos introvertidos, que precisam de um espaço de respeito e de um momento de solidão criativa. Os escritórios têm cada vez menos paredes, com interação cara a cara. São lugares que suportam pouca privacidade. Valorizamos demais o pensamento em colmeia, a opinião da multidão, e a colaboração tomou-se um conceito sagrado. O problema é quando extrapolamos o significado de colaboração e, por exemplo, queremos quebrar todas as paredes -
físicas e virtuais - da interação.

Você acha que vivemos uma falsa felicidade, com a ideia de que existem ambientes perfeitos de trabalho quando estamos em equipe?
Às vezes, acho que sim. Realmente, em alguns momentos em que estão juntas, as pessoas estão felizes de verdade. É mais divertido. No entanto, muitas vezes, fingem essa sensação. Sei porque me dizem com frequência. Por causa do tema do livro, as pessoas confessam o tempo todo esse tipo de sentimento. Eu sei que, muitas vezes, estão atuando, para ter a performance que esperam que elas tenham. De fato, não estão se sentindo confortáveis, tendo que falar o tempo todo e compartilhar tudo, o tempo todo, com chefes e colegas de trabalho.

De onde vem esse ideal de extroversão?
No Ocidente, vem de muito tempo. São sociedades baseadas na cultura greco-romana, que investia muito na força do discurso - uma aposta que persiste na sociedade dos grandes negócios.
De repente, tudo ficou focado no que a pessoa demonstra em uma entrevista de emprego ou em como ela fala. Valorizamos algumas características - como magnetismo - mais do que outras coisas.

No Oriente é diferente?
São conceitos bem diferentes nas duas sociedades. Na sociedade oriental, a quietude e a introspecção são muito mais valorizadas. Pessoas que falam muito não são vistas como inteligentes.

        (Por Carol Vaisman , revista LOLA, maio de 2012.)

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