segunda-feira, 21 de março de 2011

SOLIDÃO


          Katie  vivia no interior, numa pequena cidade com a família: pais, primos, tios, avós. Apesar do projeto de cursar uma universidade mais prestigiosa, conseguiu apenas estudar numa local. Mas logo mudou-se sozinha para uma cidade maior. Em seis meses, notou que as coisas não iam bem, como imaginava que seriam: vivia doente, com dores nas costas, e não dormia direito. Por passar seu tempo livre em frente a TV, tomando sorvete, havia ganhado 7 quilos. Sentia-se feia, gorda e infeliz. O que tinha acontecido? Simples: Katie estava sozinha.
              Esta é uma das histórias  contadas no livro Solidão (Record), em que o psicólogo evolutivo John T. Caccioppo apresenta, com a ajuda do jornalista William Patrick, os resultados de pesquisas feitas por ele e outros cientistas, ao longo de anos, com dezenas de estudantes e voluntários de meia-idade, para avaliar os efeitos da solidão no organismo.
           Comparando esses resultados a uma miríade de estudos de antropólogos e primatologistas, Caccioppo concluiu que contato social é uma necessidade física, da mesma forma que se alimentar, beber água e dormir, e que isso est´´ inscrito em nossos genes.
            Mas o que é exatamente a solidão? Não é algo que pode ser medido pelo número de amigos no Facebook ou por quantas vezes se sai com grupinhos. Existe quem viva cercado de pessoas e assim mesmo se sinta solitário, e há quem fique legitimamente satisfeito em ter um ou dois amigos íntimos que vê duas vezes por mês. "Solidão é definida como isolamento percebido. Isolamento objetivo pode certamente ter um efeito, mas as pessoas podem se sentir solitárias na multidão", disse Caccioppo.
            Há pessoas que vivem numa mesma casa com outras pessoas, mas se sentem solitárias por não serem entendidas, por não terem quem as ouça, divida com elas suas alegrais ou suas dores.  Assim como há as que gostam de viver sozinhas porque se sentem bem assim, não gostam de dividir seu espaço, nem abrirem mão de sua privacidade em nome do bom relacionamento.           
           Em termos práticos, solidão causa estresse constante, similar ao sentido diante de ameaças físicas, como um carro vindo em sua direção. Isso leva a uma perda da qualidade do sono, ao envelhecimento precoce e a uma série de problemas cognitivos, como maior dificuldade de autocontroIe.
             Aliás, outra conclusão importante é que a dor da solidão não é apenas uma metáfora Exames com ressonância magnética provaram que a região do cérebro que registra a dor social é a mesma que registra a dor física. Não é à toa que monges que buscam mortificar o corpo passando fome, fazendo voto de pobreza ou usando um cilício também procuram o isolamento social como castigo autoimposto.
            Assim como com a dor física, a sensibilidade para esse sentimento varia entre as pessoas. "A necessidade de inclusão ou a sensibilidade à exclusão de algumas pessoas é baixa o bastante para que possam tolerar sem muito sofrimento um afastamento grande em relação aos amigos e à família Outras foram moldadas por genes e ambientes para precisar de uma imersão diária de contato físico estreito para se sentirem tranquilas", diz Caccioppo. Há pessoas que se casam para viver o tempo inteiro grudadas e há quem prefira viver em casas separadas e se ver no fim de semana - não há o certo e o errado aqui, apenas uma variação natural. Para os autores, é um fator determinante no sucesso do casamento que os dois sejam parecidos nesse ponto.
          Mesmo que alguns sejam mais "na sua", ninguém é monge trapista por natureza. A razão por que a necessidade de estar com os outros está nos nossos genes e na evolução: éramos animais sociais mesmo antes de nos tornarmos humanos. Na sociedade atual, uma pessoa pode tranquilamente viver trancada num apartamento, trabalhando pela internet e vendo apenas o entregador de pizza. Na Idade da Pedra e antes, ser isolado era urna sentença de morte quase certa - não éramos competentes o suficiente para caçar e nos defender sozinhos. Assim, indivíduos que nasciam sem medo de ficar sozinhos acabavam morrendo e não deixando descendentes, vencidos pela seleção natural.
          A solidão, entretanto, tem uma particularidade importante. Ainda que a pressão para encontrar pessoas seja uma sensação física e genética, há uma diferença na forma como sede, sono e fome agem em relação a ela. Sentir sede, sono ou fome toma mais fácil beber, dormir ou comer - afinal, essas necessidades nos motivam e facilitam a ir nessa direção. Já o indivíduo sob os efeitos da solidão pode se tornar menos competente em conseguir companhia. O medo da rejeição torna as pessoas defensivas, o que, aliado a diminuição no autocontrole, pode fazer com que elas sejam, efetivamente, rejeitadas. "A triste ironia é que esse comportamento parcamente regulado, motivado por sensações de terror, com frequência produz a rejeição que tanto tememos", afirmam os autores. Solidão, assim, se toma um círculo vicioso, do qual é difícil se escapar.
         Estudos antropológicos, como a escala Geert Hofstede, consideram o Brasil um pais não individualista, o que significa que as pessoas valorizam muito o contato - o abraço e o beijo no rosto como cumprimento diário entre profissionais, por exemplo. Mas isso não quer dizer que não haja solitários por aqui, e talvez eles sofram até mais diante da pressão social por ter amigos.
          Para as pessoas presas nesse labirinto, a maior recomendação que o autor  dá é recuperar o autocontrole: evitar ser defensivas demais em relação aos outros e não cair no extremo oposto de se tomar excessivamente "boazinhas" e acabar sendo abusadas, quebrando a cara e ficando ainda mais rancorosas com as pessoas. Outra coisa importante é não embarcar, por desespero, em relações furadas. O primeiro passo, contudo, é identificar o problema. Isso pode economizar muitos anos de vida.
            Uma série de estudos, testes psicológicos e exames físicos mostra os estragos físicos de estar sozinho num mundo social:
OBESIDADE  - Os pesquisadores notaram que os jovens solitários e acompanhados comiam de maneira semelhante, mas as pessoas de meia-idade mais solitárias tendiam
a consumir aproximadamente 25% a mais de gorduras diárias que os mais sociáveis. Satisfeitos socialmente tinham uma chance 34% maior de fazer exercícios que os solitários.
PROBLEMAS COGNITIVOS - Testes psicológicos efetuados por Caccioppo em estudantes mostraram que as pessoas solitÁrias tendem a ser menos capazes de atenção e autocontrole que as demais. Elas foram piores em provas de matemática e em outros testes psicológicos. Para os cientistas, "é como se a solidão criasse um transtorno de déficit de atenção".
PROBLEMAS CIRCULATÓRIOS - Em um estudo realizado em 1979, a epidemiologista Usa Berkman mostrou que pessoas solitárias tinham entre duas e três vezes mais risco de morrer de doenças circulatórias, câncer ou derrame do que pessoas socialmente incluídas. Uma das causas para isso é o estresse, que libera adrenalina e aumenta a pressão sanguínea, sobrecarregando o coração.
ALCOOLISMO E DEPRESSAO - Na juventude, os solitários costumam beber menos que
os sociáveis, mas a tendência se inverte com a idade. Um estudo sueco de 1992, citado pelos cientistas, mostrou que alcoólatras de meia-idade tendem a ser menos gregários. A depressão, por sua vez, está tão relacionada com solidão que perguntar se alguém se sente só é parte do teste-padrão que os psicólogos fazem para diagnosticar a doença.
SONO RUIM - Caccioppo e sua equipe testaram o sono de 64 jovens classificados pela Escala de Solidão da Ucla. Primeiro, eles dormiram no laboratório, depois em casa. Descobriram que os solitários acordavam 25% mais durante a noite e demoravam 15 minutos a mais para dormir. Isso leva à fadiga ao longo do dia.
ENVELHECIMENTO PRECOCE - O estresse e a sobrecarga de adrenalina cobram seu preço ao corpo. A longo prazo, isso causa maior desgaste e liberação de radicais livres no organismo, o que provoca rugas e outros sinais de idade antes da hora.
                                                          FONTE:  revista LOLA, nº 6, março de 2011.

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