sábado, 21 de julho de 2012

AMOR DEPOIS DA GUERRA

         Anos depois de se divorciarem, ex-casais agitam a bandeira branca e retomam a antiga relação - em bases mais sólidas

  É um roteiro de uma previsibilidade tão banal que dá até uma depressãozinha: a lua de mel acaba, os filhos nascem, a rotina toma conta das horas, a empolgação evapora, as brigas e implicâncias... vão pipocando, os envolvidos na coisa começam a espiar o mundo lá fora e achar que está melhor do que ali dentro. Aí vem a separação. A explosão dos divórcios no Brasil está ai, como uma espécie de comprovação estatística e local de que o amor - o amor mesmo, aquele apaixonado - tem prazo de validade bem defuúdo. Estamos, pois, falando de um ciclo de vida tão definido quanto o das borboletas, certamente.
    Aí é que está... Na verdade, não. Uma das poucas graças de viver em um mundo com 7 bilhões de habitantes é que, dentro de cada multidão que faz movimentos parecidos, há sempre uma outra fazendo o caminho contrário. E eis que está acontecendo o seguinte: nas grandes levas de casais metidos nas ondas de separações em massa, há um monte que já volta atrás - e está se juntando novamente.
      Mas, se era para voltar, por que se separaram?
     Boa pergunta - e não à toa já há tanta gente boa disposta a teorizar sobre o tema. Autor de um monumental conjunto de obras, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman está no panteão dos grandes pensadores da modernidade. Escreveu mais de 50 livros, 16 publicados no Brasil. Um deles, o já clássico Amor Líquido, é uma sensacional adaptação de seu conceito fundamental, o da modernidade líquida, para o campo da vida amorosa. Aos 86 anos, radicado na Inglaterra e boquiaberto com o caráter descartável e substituível de quase tudo na vida dos pobres seres humanos de nossos tempos, Bauman defende que os laços afetivos andam frágeis porque as pessoas estão tratando os sentimentos com a mesma lógica do consumo. E, em entrevista a LOLA, arrisca também uma tese sobre os recasamentos entre exs:
    "Pode ser uma simples tomada de consciência de que relações a dois dão trabalho, exigem dedicação e disposição, coisas consideradas um custo enorme nos padrões de uma sociedade viciada na lógica do consumo. Querem nos fazer crer que podemos escolher um homem ou uma mulher d mesma maneira como escolhemos um iogurte n supermercado. Mas o amor não é redutível a consumismo. A diferença entre um homem e iogurte é que uma mulher não pode colocar um homem em sua vida e esperar que tudo permaneça como está. É ilusão pensar que basta fazer logon ou logoff, com um clique." Professor das universidades de Leeds e Varsórvia, Bauman acredita que é enorme o número de casais que caíram nessas bobajadas - mas que depois podem ter acordado. "O amor precisa renascer a cada dia e a cada hora do dia. Não se encontra em lojas de presentes caros. Se o amor é de verdade em uma parceria, os exs voltarão um para o outro e para seus sentimentos. Provavelmente também para a felicidade que dividiam, enriquecida de consciência de suas condições", disse ele. É uma ótima e poética análise sociológica sobre a disposição para apostar na reconciliação.
    Poder se separar sem que isso vire uma anomalia social, obviamente, está entre as grandes conquistas das últimas décadas. Mas o que ex casais que recasam mostram e especialistas pregam é que o fim de uma relação precisa acontecer bem longe da histeria, muito em voga, de que todos os aspectos da vida precisam estar em uma renovação constante e meio insana. "A pessoas ficam angustiadas com isso. Quem mantém o mesmo emprego - e até o casamento - por muito tempo é facilmente compreendido como acomodado, antiquado, careta. Percebo que, no últimos dez anos, muitos casais retomaram a união porque se deram conta de que quiseram viver essa mudança, e por fim avaliaram que na vida de casado havia mais qualidade do que supunham", avalia a psicóloga Andrea Seixas Magalhães, do Departamento de Pós-Graduação em Psicologia da PUC do Rio.
         Assim como casar cogitando separar é um maluquice, separar pensando em voltar tende ser uma roubada. "Alimentar essa ideia pode ser perigoso. É preciso desligar-se do ex para que a re-escolha seja um caminho natural e saudável. Isso acontece especialmente entre os que têm filhos e tiveram convivência no mínimo civilizada enquanto estiveram separados", diz o psiquiatra e psicanalista Luiz Alberto Py. "Os casais voltam quando ainda existe um vínculo forte, quando acreditam que aquela relação vale a pena. Em geral, estão confiantes da escolha. É uma decisão racional ligada à busca de um refúgio, de uma espécie de porto seguro", completa.
    A gerente de vendas Alana Veroneze, de 39 anos, casou com o ex-marido depois de quatro anos de separação. "Quando me separei, ele era um veterinário recém-formado. Eu ganhava bem, sonhava em parar de trabalhar para cuidar do nosso filho, mas não queria perder o padrão de vida. Tinha de ser a mulher forte da casa, e isso minou a nossa relação. Mas era inexperiência, não percebia que os nossos problemas eram pequenos. Mudamos muito no período em que ficamos longe. Ele também se tornou um homem confiante."
     A dentista Andrea Maluf, de 45 anos, voltou com o ex, com quem havia sido casada por 11 anos - e oito anos depois de se separar. "Vivemos a solteirice e acho que nos desiludimos com ela. Claro, também amadurecemos nesse período e percebemos que as afinidades e os sentimentos não se perderam com o fim da nossa relação."
    A psicoterapeuta Lourdes Maria Rivera, de 53 anos, se deu conta de que queria voltar com o ex-marido, com quem quis romper - 12 anos depois da separação. "Escrevi uma carta pedindo perdão. Ele disse que também tinha errado. Aos poucos, a gente se reaproximou, resgatou a empolgação do namoro, reconstruiu a nossa história."
    Como mostram os três casos aí acima, casais que se separam e depois voltam quase sempre atribuem a ruptura a alguma variável da imaturidade - e a volta, às afinidades que, apesar de tudo e de alguma maneira, ainda estão lá. "Há muitos fatores que levam o ex-casal a revalorizar a antiga vida a dois. A falta que sentem um do outro, a vivência de outras experiências amorosas e sexuais, a solidão, e, principalmente o resgate da identidade. É bem possível que duas pessoas voltem a se unir com maior solidez depois de terem vivido as experiências que acreditavam ser necessárias, de descobrirem que se amam e que aquilo que viveram juntos foi significativo e importante", diz a terapeuta de casais Carmen Cerqueira Cesar.
    A vida lá fora, descobrem os casais separados, não é o paraíso perdido. Mas um eventual retorno pode ser pior ainda se os dois não estiverem legitimamente dispostos a zerar os atritos, ou até mostrarem uma predisposição, mesmo que ligeirinha, para idealizar o casamento que tinham antes. "Deletar as mágoas é trabalhoso, exige disposição afetiva para superar os problemas do passado e para estabelecer um novo contrato amoroso, com os termos de como a relação vai funcionar dali para a frente. É importante, por exemplo, não repetir os antigos padrões", diz a psicóloga Andrea Seixas Magalhães. 

 Autora de uma dissertação sobre conjugalidade e reconciliação amorosa no Departamento de Psicologia da USP, a psicóloga Edilaine Helena Scabello ressalta: driblar os problemas que levaram à separação é uma pedreira. "O perdão requer muito desprendimento da dor e muita confiança no merecimento de ter uma vida prazerosa. E é vital enxergar o ex-parceiro como alguém mais humano e mais falível", diz ela.
    No meio de tanta gente tentando entender o quase divertido fenômeno dos ex-casais que voltanl, há um consenso. "Quando as pessoas retomam porque aprenderam e amadureceram, conseguem recompor a parceria em bases mais evoluídas", diz Carmen Cerqueira Cesar.
     São retomadas sólidas, em contraponto aos amores líquidos.
                                                                                                             
       ( Por  Luciana Ackermann, revista CLAUDIA)                                        

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