"Encarar o passado não é fácil, e
sessões de nostaIgia costumam terminar mal"
O que fazer dos velhos discos, aqueles que
você guardou porque achou que eram importantes - e que trazem, cada um deles,
lembranças de momentos vibrantes, como paixões que pareciam de filme francês ou
dores de cotovelo inesquecíveis? Naquele tempo tudo era festa, até os
sofrimentos por amor. Mas, voltando aos discos: ouvir, nunca mais, pois o
toca-discos (esse móvel? objeto?) já pertence à pré-história. Mas eles estão
lá, na estante, e é preciso ter nervos de aço, sem sangue nas veias e sem
coração, para se desfazer deles. Como nem o porteiro, que sempre resolve esse
tipo de problema, tem toca-discos, só mesmo a lata de lixo, que tristeza! Além
dos discos, tem as fitas e, além das fitas, os CDs, que depois do iPod fazem
parte de um passado remoto.
Quanto maior a quantidade, maior o
problema; encarar o passado não é fácil, e sessões de nostalgia costumam
terminar mal. Algumas fotos trazem lembranças alegres de tempos felizes que
nunca mais. E "nunca mais" são duas palavras difíceis de aceitar -
tratem elas de um homem ou de coisas muito mais sérias, como o cigarro que você
deixou e que também nunca mais.
Se num dia de chuva der aquela vontade de
puxar uma tristeza, pense na noite de on.::~ril, em que você não fez nada de
extraordinário além de ver um filme na televisão comendo uma pizza; pois fique
sabendo que até esse momento banal faz palie do "nunca mais". E, se
quiser ficar ainda pior, nada como abrir a caixa das fotos: vai ter um belo dia
pela frente, e não diga que eu não avisei.
O que fazer, afinal, desse monte de coisas
que é nossa vida - aliás, foi nossa vida? Se tiver coragem, jogue tudo em um
saco de lixo, leve para o sítio e prepare uma bela fogueira. Mas quem consegue?
Quem sabe você fica aliviada, leve, achando que se livrou do passado, que a
partir dali é só o presente ~ o futuro. Mas não tenha tanta certeza assim; quem
somos nós se não temos passado?
A gente acaba empurrando com a barriga e
adiando - quem sabe um dia desses, com um amigo para ajudar, tomando um uísque
e ouvindo Roberto Carlos. E ainda tem mais: além dos discos, fitas e fotos, tem
os recortes de jornais e revistas.
Não é fácil jogar fora o recorte com seu
nome publicado pela primeira vez num jornal. Aquela página amarela arrasa, mas
lembra o que você sentiu quando viu sua primeira foto numa revista? A vida é
mesmo curiosa: tudo o que se guarda é para lembrar, e tem uma hora em que só se
quer esquecer, vai entender. E tem as cartas, ai, meu Deus. As de amor, assim
como as fotos desse tempo, é de praxe que sejam rasgadas logo que o namoro
acaba - e reze para que as que você escreveu tenham sido destruídas, pois, se
alguma viesse parar em suas mãos, seria caso de morrer, tal a vergonha.
A natureza humana é espantosa; como as
pessoas são diferentes umas das outras. Penso, com inveja, nas que vão às festas
do tipo "parece que foi ontem" e nas que se encontram uma vez por ano
com as amigas do colégio para falar do passado. E nas famílias que se reúnem
aos domingos para almoçar e, depois.olham fotos de viagem, fitas de vídeo
feitas nas férias, comentam sorrindo como os netos cresceram e, depois, vão
dormir sem nem precisar tomar tranquilizante, na mais completa paz.
Elas não sabem quanto são felizes.
(Danuza Leão – Revista CLAUDIA,
agosto de 2012.)
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