Aconteceu
há muitos anos. Estava relaxado numa poltrona, num sobrado em San Francisco,
nos Estados Unidos. Uma senhora gorda, esparramada a minha frente, me induzia a
um transe. Falava em inglês que reproduzo traduzido:
- Você está vendo
uma luz. Aproxime-se. Deixe que o Ser tome conta de você.
-Simmmmm...
Eu me sentia vibrando com o Universo.
- Permita que o Ser
responda pela sua boca.
Uma força tomou conta de meu corpo.
- Aqui estooou...
- As energias deste
rapaz são puras, oh, Ser?
- Sim... ele é um
iluminado - respondi, tomado de sabedoria.
- Deve receber as
energias da senda?
- Ooohhhh... sim,
sim.
- Devo fazer sexo
com ele?
Despertei subitamente. Com os olhos
semicerrados, observei a senhora de lábios brilhantes a minha frente.
- Nããããoooo....
vosso caminho é puro - continuei, em voz cavernosa.
- Oh, mas seria
melhor para unir nossas energias.
- Não, não! - disse,
mais preocupado.
Ela me despertou. "Como foi? Não lembro
de nada'; disse. "Ainda há um caminho a trilhar'; ela respondeu.
Desisti dos próximos passos. Tive uma amiga
chilena que largou marido e filhos para integrar-se a um templo em Los Angeles.
Fazia parte dos eleitos de um guru para salvar a humanidade na guerra nuclear.
Com meditação e exercícios, tais eleitos seriam transformados em pilha de
energia positiva para reverter o Armagedon. A escolha movimentou um grande
número de pessoas, de várias nacionalidades, interessadas em virar pilha. O
desprendimento da vida material incluía limpar o templo, pois iluminados não
contratam faxineiras. Cinco dias depois de deixar a família e o saldo bancário
para trás, minha amiga esfregava o chão. De repente, sentiu duas mãos em seu traseiro.
Era o guru.
- Mestre! Que é
isso? - disse ela.
- Sou guru, mas
também sou homem - ele respondeu, apertando um pouco mais.
A chilena fugiu com as malas pela neve.
Antes de continuar, quero deixar claro que
sou espiritualista. Gosto de rezar. Acredito em outras vidas. Em energias
positivas. Mas mantenho o espírito crítico. Gurus me assustam pelo poder que
exercem sobre seus adeptos. E sempre há um candidato a guru por perto.
"Conheço uma mulher que teve uma visão sobre você. Viu uma sombra muito
negativa. Marque um encontro!", me disse um amigo, dia desses.
Corajosamente, recusei-me a conhecê-la. Não
preciso de um baralho para saber a continuação. Ela me dirá o que devo ou não
fazer com minha vida. Eu, hem! Candidatos a guru têm técnicas. Uma é avisar
sobre riscos, como no meu caso.
Outra, falar sobre reencarnações anteriores
em que a nariguda de hoje foi a Maria Antonieta de ontem; e o baixinho,
Alexandre, o Grande. Elogios disfarçados também valem. Um amigo conheceu uma
senhora que olhou para seu rosto e disse:
- Você é uma alma
antiga.
- Sim, sim! - disse
animado.
- Tem uma missão
nobre na Terra.
- Sempre acreditei
nisso!
Quem não quer se sentir um anjo?
Há gurus de todos os estilos: hindu,
budista, celta, bruxo medieval, Nova Era. Todos pregam o abandono da vida
material e a completa submissão. Conheci uma mulher que, em prol do crescimento
interior, mudou-se para uma comunidade em Campos do Jordão, São Paulo,
abandonando a profissão. Anos depois, procurava emprego como doida.
Um conhecido quase perdeu a mulher ao entrar
numa seita que obrigava a castidade umas três vezes por semana. Outro se filiou
a uma que praticava o sexo para a purificação. O grupo quase acabou no Brasil:
os rituais se transformaram em farra, e veio o descrédito.
A intensidade do poder de um guru é
inacreditável. Nem sempre seu interesse é o dinheiro. Há gurus que querem viver
bem. Muitos não se preocupam com isso. Gostam de comandar vidas. Nem é preciso
lembrar tragédias como a provocada pelo americano Jim Jones, que levou 918
pessoas ao suicídio, em 1978. Nos Estados Unidos, há terapeutas especializados
em tratar pessoas abduzidas por gurus e resgatadas pela família.
As religiões tradicionais saem ganhando,
pois suas estruturas impedem o domínio absoluto de um mestre sobre o grupo. Mas
a grande pergunta ainda é: por que uma pessoa precisa de alguém que lhe diga
como deve viver?
De Jesus a Buda, os grandes mestres
aconselham a busca interior como caminho de evolução. Tanto na vida prática
como na espiritual. É uma prova de sabedoria. O melhor guru é o que cada um tem
dentro de si. .
(Walcyr Carrasco é jornalista, autor de livros, peças
teatrais e novelas de televisão.-2 de Julho de 2012, EPOCA )
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