Aventuras de uma mulher que fez uma cirurgia bariátrica (redução de estômago) para emagrecer.
Achei muito interessante este artigo, principalmente para as pessoas que acham serem as cirurgias uma solução para os seus problemas estéticos, mas não lembram dos sofrimentos por que terão de passar.
ANTES
Não bebo. Sou abstêmia por opção. Entre
comida e bebida, sempre preferi minha parte em sólidos. De preferência,
bocaditos bem temperados , fritos, assados, refogados. Trocava qualquer refeição
por pastel, empada, coxinha, presunto cru, queijos duros, pão, batatinha frita.
Salgados de maneira geral. Nunca, jamais, em tempo algum, pensei que essas
características me credenciassem como caso ideal para a cirurgia bariátrica. Sim.
Sou uma gourmet operada.
Meus terríveis hábitos alimentares levaram o ponteiro da balança a se mexer do
jeito que eu gostava de comer: devagar e sempre. Resisti muito em fazer a
cirurgia. Na verdade, demorei dez anos entre pensar no assunto pela primeira
vez e entrar na faca. Ponderei, argumentei, relutei (tudo isso comigo mesma):
como viveria sem satisfazer minhas caprichosas papilas gustativas? Relutei. Até que a realidade me sacudiu. No ano
passado (que, por uma série de problemas graves de saúde na minha família,
reuniu os piores dias da minha vida), um início de uma hérnia na lombar e um
joelho com a cartilagem desgastada me chatearam bastante. Resultado de um
índice de massa corporal superior a 40 pontos, que me qualificava como obesa
mórbida nível 3. Até tinha paciência de levar a vida assim. Mas toquei o fundo
do poço quando minha pressão bateu 17 por 14. E eu estava tomando remédio para
controlá-la há muito tempo. Operar, então, se tomou uma decisão, pelo menos a
médio prazo, de sobrevivência.
Fui ao cardiologista, que me recomendou
um endocrinologista, Daniel Lerário, que me mandou conversar com o chefe da
equipe com a qual ele trabalha, o gastro Thomas Szegö, precursor da cirurgia bariátrica
por laparoscopia. De imediato, ao ouvir meus hábitos alimentares, ele disse:
"Você é caso ideal. Não é do tipo que gosta de lautas refeições e não
bebe". Das muitas coisas que ouvi naquela consulta, uma me deu fortes
esperanças: "Você vai trocar as
churrascarias pelos restaurantes franceses com suas porções pequenas".
Agora, cá entre nós, o que me convenceu mesmo foi ele dizer que sabia que eu
não conseguia perder peso. Enfim, alguém confirmou que eu sofria de uma
condição de saúde, a obesidade. Eu não era uma fracassada de dietas
profissional.
Contei a decisão para minha mãe. Ela
perguntou todos os detalhes sobre o procedimento, conhecido como derivação
gástrica com reconstrução em Y de Roux. Resumo: um pedaço bem pequeno do meu
estômago seria separado e ligado ao intestino. Apavorada com a ideia, ela jogou baixo: "Minha filha, não faça isso. Você... [pausa
dramática]... nunca mais poderá comer farofa". Balancei. Hoje, sei
que não é bem assim. Eu posso comer farofa. Pouquinho e devagar. Mas nem a
imagem do mundo sem farofa me faria capitular.
DURANTE
Por dois meses, fui a consultas com
fisioterapeuta, nutricionista, psicóloga e tentei não pensar no pós-operatório.
Me viraram da cabeça aos pés, com exames laboratoriais e de imagem. Toda noite
fazia exercícios para aumentar a capacidade respiratória e circulatória. Entre
uma soprada e outra, uma flexão e outra, elaborava mentalmente uma lista de
tudo o que eu queria comer antes da operação. Me contive. O alerta era claro:
se aumentasse de peso até a cirurgia, nada feito. A temporada pré-faca incluiu
uma viagem para Buenos Aires, onde tive a pachorra de tomar um sorvete de doce
de leite com chocolate no Freddo. Isso depois de traçar um bife de tira com
papas fritas. Para compensar, andava bastante. Dois dias depois de chegar a São
Paulo, eu era admitida no hospital.
Dois dias após a operação, veio a alta.
Seis pequenos cortes arroxeados denunciavam a cirurgia. Não tinha dor, mas me
sentia mexida. Não tinha vontade de comer muito. A dieta de caldo, coado, sem
resíduos, bebidas isotônicas, sucos de determinadas frutas, água de coco e
gelatina diet, nos primeiros dias,
caiu bem. Bebia em intervalos de meia hora e em porções de 20 mililitros (meia
xícara de café) divididos em pequenos goles. Ai, credo. Não posso nem escrever
"gelatina diet" que me
embrulha o estômago (pequeno). O gosto do ciclamato foi ficando cada dia mais
acentuado. Até que o simples aroma acabava comigo. Isso se repetiu com tudo que
tinha conservante e corante. O momento alto do meu dia era o beef tea, um caldo bem ralinho feito com
água, vegetais e acém, cozidos durante horas. Aquilo era a única coisa que me
dava força, substância. E era gostoso. Entre o almoço e o jantar, comia caldo
(uma água suja) de aspargos, beterraba (um primo distante do borsh), frango. Zero café, zero chá com
cafeína.
Uma
dor de cabeça infernal abriu minha segunda semana depois de operada. Claro,
abstinência de café. No dia que se seguiu, comecei a saber a hora que cada
pessoa chegava em casa. Pelo olfato. Virei uma cachorra caçadora de trufas,
pensava! Um amigo médico explicou que meu corpo estava em cetose, um estado
metabólico induzido pela falta de carboidrato. Sim, eu sentia fome. Que era
saciada rapidinho, com a porção que me cabia. E logo em seguida tinha fome de
novo. Só que eu, a gordinha gourmet, não queria a mesma sopa da meia hora
anterior. Isso transformou minha cozinha numa fábrica de caldos.
Uns 20 dias depois do ato cirúrgico eu
já estava subindo pelas paredes. Nem era tanta vontade de usar os dentes para
os devidos fins. Mas de sentir algo mais consistente na boca. Reclamei tanto
que fui autorizada a bater a sopa e a coar. A vida, aos poucos, foi ganhando
corpo: cremosa, pastosa e, enfim, sólida.
DEPOIS
Aos pouquinhos, fui tentando coisas
"novas". E tudo foi ganhando outra dimensão. O que antes eu comia na
maior tranquilidade deixou de ser assim. E, graças: o inverso também. Descobri
que desidratação dá, antes de mais nada, um baita enjoo. Uma náusea me
acompanhou várias manhãs, até eu descobrir o melhor antídoto: frutas. Cheias de
líquido e açúcar, elas se tomaram, como nunca antes nos meus 44 anos,
apetitosas. A sensação de bem-estar que se segue a uma boa salada de frutas,
hoje em dia, é impagável. Se me dissessem isso há seis meses (eu operei há
quase cinco), eu chamaria a pessoa de louca. Nunca fui fã de frutas: só de
manga, banana e fruta-do-conde. Aquelas que os endocrinologistas não recomendam
em suas dietas.
A mudança mais radical de todas passou a
ser a potência dos sabores. Alimentos de sabor forte e intenso passaram a não
me enlouquecer, como no passado (nem tão distante). Iguarias defumadas, por
exemplo, não rolam. Têm sabor acentuado demais. Comer virou uma experiência
muito mais intensa Que não termina quando eu engulo. Hoje em dia, ao colocar um
pedacinho de qualquer coisa na boca, sou capaz de lhe dizer se aquilo vai ou
não cair bem no meu estômago, essa coisinha pequetita. E quando digo "cair
bem" é de modo literal.
Pães, uma das minhas maiores perdições,
perderam boa parte de sua graça. Eu tentei, confesso. Passei a La Motte (já
provou?), uma manteiguinha com sal marítimo, num pedaço de pão francês quente. O sabor na boca era o mesmo,
explosivo, reconfortante para a alma. Fiz, como recomendou a nutricionista, uma
papinha na boca e engoli. A primeira dentada desceu bem. A segunda também. Pois
bem, a terceira parou no meio do caminho, como se eu tivesse comido um pedaço
grande de carne assada, seca, sem molho. Estacionou e puxou o freio de mão. Ato
reflexo: tomei um belo gole d'água. Catástrofe: em vez de o líquido me ajudar,
me afogou. Comecei a salivar em quantidades industriais. Pavor, suor frio,
sensação de sufoco. Ruim o bastante para não querer repetir a experiência.
Meu cérebro passou a registrar de forma
rápida e esperta tudo o que me dá prazer. E não são, necessariamente, as mesmas
coisas de antes da cirurgia. Por exemplo, toda vez que monto meu prato, incluo
vegetais. Eles não passaram a ter um sabor sensacional, mas segregam água, que
me ajuda na "descida" do alimento. Carnes, só as bem ensopadas,
molhadinhas. Gordura, só o essencial. Ainda AMO pastel. Só que não como mais
ele inteiro (ok, eram dois de feira). Um terço agora me satisfaz. Fina, né?
Não estou aqui fazendo apologia da
cirurgia. Porque só eu sei o que passei no pós-operatório. E o medo que tive: o
que faria com o tempo livre? Porque vamos combinar uma coisa: é matemático. Eu
gastava muito mais que o dobro do que hoje com refeições e afins. O que faria
para me divertir com tanto tempo de sobra? Até o presente momento, tenho me
distraído bastante. Perdi 29,5 quilos e um guarda-roupa, o que me levou ao
maravilhoso mundo das compras. Fazia anos que não conseguia comprar peças no
Brasil, país onde as gordas só usam tecido estampado escuro e de fibra
sintética. Ai, credo! E ainda como. Ontem mesmo. Comi uma bombinha incrível,
recheada de creme, com cobertura de chocolate meio amargo belga. Só que eu comi
uma. Todo mundo comeu de duas para cima. Ela era pequeninha, coisa de 4
centímetros. E me satisfez.
(Por Patrícia Hargreaves, revista LOLA, abril de 2012)
Adorei o blog....
ResponderExcluirDecidi pela bariatrica e vou ter minha primeira consulta agora em outubro.., mas ja agendei os demais profissionais pra ganhar tempo....
Enfim ler e pesquisar nessa fase e muito animador obrigada por dividir tanta coisa legal...experiencias vivas...bjs