Por Dagmar Serpa.
Ter mais tempo para as coisas importantes
da vida é o terceiro maior desejo dos brasileiros, de acordo com uma pesquisa
realizada sono começo deste ano em diferentes regiões de do país. Na outra face
da mesma moeda, a cc falta de tempo é a terceira maior preocupação, atrás das
finanças pessoais e dos rumos da carreira. Basta olhar para a própria rotina e
também a alheia para constatar que, de fato, uma agenda mais equilibrada virou
gênero de primeira necessidade com pouca oferta no mercado. E todo mundo anda
trabalhando e correndo demais - e se frustrando com isso. Afinal, o que está
havendo com o relógio?
"É
óbvio que as horas não estão passando mais rápido. Então, são as pessoas que
estão usando mal o tempo, lotando-o com coisas que não têm relevância", decreta
Christian Barbosa, um dos maiores especialistas nacionais no tema, diretor da
Triad PS, consultoria responsável pela citada pesquisa. Autor de livros como Você, Dona do seu Tempo (Gente), ele
admite que, sim, algo mudou e afetou drasticamente a vida de todos: "Hoje, há toda essa tecnologia, que
rouba muito do nosso tempo". Segundo outro levantamento do expert, as pessoas empregam, em média,
duas horas do dia delas com e-mails.
Parece muito? Pois há ainda o tempo
empregado nas redes sociais, nos sites de notícias, nos blogs e em navegações
sem destino na internet. Isso sem contar a troca de torpedos e as conversas
pelo celular. "A promessa das novas
tecnologias é tornar nossa vida mais fácil e eficiente", afirma o
americano William Powers, autor de O
BlackBerry de Hamlet (Alaúde), livro que entrou para a lista dos mais
vendidos do jornal The New York Times
logo na primeira semana de publicação nos Estados Unidos e foi lançado neste
ano no Brasil. Ok, elas até cumprem o prometido. O problema, acrescenta Power,
é que são utilizadas de modo impensado e exagerado, criando uma espécie de
efeito rebote.
"Antes de tudo, é preciso entender que
tempo é um paradigma", observa a doutora em filosofia e palestrante
Dulce Magalhães, autora de Superdicas para
Administrar o Tempo e Aproveitar Melhor a Vida (Saraiva). E continua: "Não é uma quantidade de horas, e sim a
forma como vemos essas horas, o qu depende do modelo mental de cada um".
Assim, pode ser difícil convencer quem acredita firmemente que o lado mais
interessante da vida está nas redes sociais a se desconectar um domingo inteiro
para curtir uma trilha na mata. Não à toa, os especialistas repetem que fazer
um mergulho interior é o primeiro passo para começar a gerenciar melhor a
agenda."Você só conseguirá empregar
seu tempo no que gera impacto positivo na sua vida e realmente tem relevância
depois de conhecer seus propósitos maiores e valores", justifica
Dulce.
Mais um levantamento da consultoria de
Barbosa revela que os brasileiros dedicam só 30% do tempo a atividades
importantes. Outros 30% são empregados em tarefas circunstanciais e 40% em
urgências. Os três ingredientes compõem a teoria da tríade do tempo do expert. Depende do tipo de vida, mas,
grosso modo, a esfera da importância inclui compromissos e tarefas que produzem
efeito positivo a curto, médio ou longo prazos e até merecem horário marcado. O
rol das urgências engloba aquilo que pipoca de repente sem margem para
negociação. Não raro, são necessidades que poderiam ser evitadas. É o caso
daquela súbita dor nas costas que exige uma ida ao pronto-socorro só porque
você faltou a três sessões de acupuntura.
Já as atividades circunstanciais não levam
a lugar algum, mas acabam sendo cumpridas por obrigação social, pressões ou até
por inércia. Para Barbosa, o ideal seria gastar de 65% a 75% do nosso tempo com
as coisas importantes e entre 15% e, no máximo, 25% com as urgências. O grupo
das atividades circunstanciais deveria corresponder a menos de 10% das nossas
horas. O segredo é manter a vigilância. Por exemplo, as paradas para o café com
os colegas no meio do expediente podem ser de grande valia. "Segundo
pesquisa, o cérebro é capaz' de manter o foco em uma mesma tarefa por até 90
minutos. Depois, a tendência é se cansar e dispersar", diz a psicóloga
Andrea Piscitelli, consultora em gestão de pessoas e professora da Fundação
Getulio Vargas (FGV). Assim, pausas com essa frequência são bem-vindas. "Só que, se forem prolongadas demais,
a pessoa custa a entrar de novo na tarefa ao retomá-Ia." Ou seja, se o
cafezinho de dez minutos virar um bate-papo interminável, deixará de ser
importante para ser desperdício de tempo.
AS HORAS E SEUS
LADRÕES
Estes são alguns dos mais insaciáveis
devoradores de tempo. Fique de olho para bani-Ios de sua vida.
1 Procrastinação - A mania de adiar tudo até o limite do prazo não é só perda de tempo,
mas de qualidade. "O que vai
colocá-la nos eixos é tomar consciência de que está postergando e descobrir os
motivos disso", diz a socióloga americana Jan Yager.
2 Perfeccionismo - Autoexigências excessivas fazem qualquer tarefa nunca ter fim. "É o medo de decepcionar os outros e a
si mesma que faz a pessoa não querer terminar", analisa a psiquiatra
Alexandrina Meleiro. "Aceite seus
limites e os da realidade."
3 Desorganização - Coisas fora do lugar ou realizadas sem método algum atrasam a vida. "Ganha tempo quem tem o armário bem
organizado, com produções já montadas, e põe a chave do carro sempre no mesmo
lugar", diz a psicóloga brasileira Andrea Piscitelli.
4 Tecnologia
- A internet captura a atenção e faz esquecer a vida. Pesquisa revelou que
84,6% dos brasileiros acessam as redes sociais no trabalho. Já 80,9% enrolam
até duas horas durante o expediente em tarefas como fuçar sites de compras e
jogar online.
ALEGRIA E LEVEZA
Hoje Marise Berg da Silva, 36 anos, tem
certeza de que tira o máximo proveito de seu tempo. Por anos, ela foi gerente
de eventos corporativos de uma grande empresa de entretenimento e, como é comum
nessa área, trabalhava não só muitas horas por dia como várias noites e fins de
semana. "Não sobrava tempo para mais
nada", lembra. "Mas eu me
sentia feliz, porque adorava o que fazia e o trabalho era prioridade."
Isso até conhecer o budismo, a ioga e a ayurveda (a medicina indiana), e algo
mudar na sua cabeça. "Descobri que
havia outro tipo de felicidade, mais tranquila e duradoura do que a alegria
eufórica que estava acostumada a ver nos eventos." De repente, ela se
sentiu impelida a estudar a fundo aqueles temas e tratou de abrir espaço na
ocupada agenda. "Fui encaixando
cursos em cada horário livre." Quando se tornou terapeuta e culinarista
ayurvédica, largou o emprego para seguir a nova carreira.
Na vida atual, Marise se divide em três
trabalhos. Em São Paulo, onde mora, atende em uma clínica e dá cursos de
culinária. No interior, produz e comercializa com o marido frutas vermelhas em
um sítio da família. Ainda faz faculdade de nutrição e pratica ioga. "E cuido do meu casamento, de mim, de
dois gatos e de pais idosos no Rio de Janeiro", enumera, rindo.
Para dar conta, Marise diz que utiliza bem
todos os recursos tecnológicos e planeja seus dias. "Mas sem rigor excessivo,pois acho importante executar tudo com
alegria, leveza e naturalidade", ressalta. O principal, ela acredita,
foi ter aprendido a fazer escolhas. "Se
estou em uma semana de provas, posso optar por não ir ao supermercado, e a
gente vai se virar comendo o que tem", exemplifica. "E faço isso sem culpa." Nem
todo mundo consegue realizar sozinho o milagre da multiplicação das horas, como
faz Marise. Há quem precise de ajuda profissional para conseguir ter uma rotina
harmoniosa.Uma vez desvelados os objetivos de vida, a etapa seguinte é
transformar o planejamento em hábito.
Os experts
recomendam primeiro escolher uma ferramenta, seja o Outlook ou a agenda de
papel. Depois, é parar regularmente para organizar o futuro imediato. "Não adianta programar só um dia. Tem
de ser pelo menos três, embora o ideal seja pensar na próxima semana
inteira", enfatiza Barbosa. A psicóloga Andrea é mais flexível e acha
que fazer à noite a lista das atividades do dia seguinte já é melhor do que
nada.
"O
importante é que o planejamento seja factível. Não funciona anotar uma série de
tarefas que não podem ser cumpridas", alerta Andrea. "Querer ser
super-heroína só causa frustração." Não é uma postura incomum. "Além de terem a tendência de pensar
mais nos outros que em si, as mulheres costumam querer abraçar tudo, o que é
humanamente impossível", analisa a consultora e palestrante americana
Ruth Klein, autora de Segredos de
Administração do Tempo para a Mulher Que Trabalha (Harbra). "É preciso aprender a escolher o que
vale a pena fazer e a delegar as tarefas que roubam energia."
OPTAR E ENTREGAR-SE
Uma dica ao planejar o dia é nunca
preencher todos os horários. É recomendável deixar livres de 25% a 30% das
horas úteis para encaixar as urgências, como o relatório pedido "para
ontem" pelo chefe, e os eventos circunstanciais, a exemplo da parada
durante o expediente para cantar Parabéns
a Você para a colega. Outra é incluir na programação não só as tarefas do
trabalho mas também a manicure e o pilates. "Não
dá para separar o profissional do pessoal, pois o que temos para gerir é uma
vida", avisa Barbosa.
Para conseguir cumprir o planejado, será necessário
aprender a dizer "não" sem achar que está cometendo um crime. Se seu
dia no trabalho está apertado e você quer terminar cedo para se arrumar para um
jantar especial, não se sinta culpada em dizer ao colega que não pode ler o
e-mail que ele pretende mandar ao cliente e opinar sobre seu teor. No entanto,
feitas suas escolhas, entregue-se. "É
essencial estar verdadeiramente presente em cada atividade", afirma
Branca Barão, palestrante e colaboradora do portal Carreira & Sucesso,
publicação do site de empregos Catho Online. Não adianta ir para casa cedo para
brincar com o filho e ficar pendurada no telefone resolvendo questões do
escritório. A correria gera ansiedade. "Por
si só, ela é até positiva, porque nos faz avançar", diz a médica
Alexandrina Meleiro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de
São Paulo.
É essa expectativa do que está prestes a
acontecer que leva uma pessoa a estudar para um concurso ou a se preparar para
uma apresentação. "Quando atinge
picos, porém, a ansiedade passa a ser algo negativo", explica
Alexandrina. Aí ela afeta a mente e corpo, causando de dores de cabeça, nas
costas e nas articulações a aumento da pressão arterial, alterações no sono,
gastrite e úlcera, principalmente quando se torna crônica.
VERDADE OU PRETEXTO?
Além de ser medida preventiva contra tudo
isso, uma eficiente administração do tempo gera um bônus: de repente, começam a
surgir brechas na agenda. É possível que, em um primeiro momento, você nem
saiba o que fazer com elas. Tudo bem. "Não
é necessário arranjar um uso para cada minuto livre", alerta a
socióloga e consultora americana Jan Yager, autora de Trabalhe Menos, Faça Mais (Gente). "Mas não ter ao menos algumas metas pessoais torna a vida meio sem
graça."
Uma rotina equilibrada cria a oportunidade
que faltava para retomar velhos desejos. Vale aproveitar. Se mesmo assim você
continuar achando que ainda não dá para ter um hobby ou fazer aquela
especialização tão primordial para sua promoção, talvez exista algo mais para
ser investigado. Não é raro que a falta de tempo seja só uma desculpa, para si
e para os outros. Afinal, diante da correria geral, trata-se de uma alegação
até plausível para esconder inseguranças, incertezas, preguiça ou acomodação. "Daí ser tão fundamental fazer uma
reflexão sobre suas reais aspirações e repeti-Ia uma vez por ano, já que
mudam", opina Marcia Palmeira, diretora de talent da consultaria Right Management. Segundo ela, quando uma
pessoa tem clareza do que quer e julga essencial incluir certa atividade na já
atribulada rotina, arranja um jeito de fazer isso. "Nem que seja de madrugada." O problema é que, na prática, pode
não ser tão simples. "Se o exercício
do “não” é difícil, praticar o do “sim” é ainda mais complicado, e a gente
tende a protelar", avalia Dulce Magalhães. "Mas é preciso tentar, pois, se não abro espaço para as coisas
que desejo, como posso esperar que elas aconteçam na minha vida?"
UMA NOVA ATITUDE
O americano Willlam Powers, autor de O Blackberry de Hamlet, propõe repensar
sua vida digital
As novas
tecnologias foram criadas para facilitar nossa vida, mas ocupam muito do nosso
tempo. O que deu errado?
A promessa é tornar
a vida mais fácil e eficiente. Mas, se você usa essas tecnologias de modo
impensado e exagerado, elas têm efeito contrário e gastam mais tempo do que
poupam. O grande milagre da vida digital é o mundo todo ao nosso alcance. Só
que isso é também um problema. Se milhões de pessoas podem ser acessadas a
qualquer momento, a vida se torna inevitavelmente mais ocupada. É como viver no
meio da multidão 24 horas por dia.
Então cometemos abuso?
O grande problema é
nosso comportamento. Falta reflexão. As pessoas são reativas e, se todo mundo
está falando de um dispositivo, saem para comprá-lo e organizam a vida em torno
dele, sem pensar se isso é boa ideia. Por que permitir que um aparelho guie sua
existência?
Qual é o parâmetro para saber se a tecnologia é aliada
ou inimiga?
É sua qualidade de
vida. Você se sente produtiva e satisfeita no trabalho? Em casa, fica relaxada
e feliz? Tem tempo para as coisas que importam para você, como hobbies, amigos
e familiares? Desfruta momentos de sossego quando apenas fica em paz e
recarrega as baterias? Se a resposta for sempre "sim", Sua vida
digital certamente está em boa forma. Se disse "não" As :1 alguma,
precisa avaliar seus hábitos e talvez fazer ajustes.
Quais são seus melhores conselhos para fazermos bom
uso da tecnologia?
Fundamental é pensar
em si como o principal programador de sua existência digital. Todos nós temos
trabalho e obrigações a cumprir. Mas muito do que fazemos em frente de uma tela
é opcional. É preciso saber reconhecer isso e desenvolver rituais para
controlar suas piores tendências. Minha família se desconecta todo fim de
semana. Chamamos de Sabbath da internet, e tem sido ótimo. Meu filho de 14 anos
já disse que adora nosso Sabbath e não quer perdê-lo. Ele usa o tempo
desconectado para ler, tocar sax, curtir ao ar livre.
As pessoas não sabem mais o que fazer quando se
desconectam?
É como a abstinência
do viciado em drogas. Se o cérebro está acostumado a ter a dose de excitação
digital de todo dia e ela é retirada, a pessoa se sente perdida e até
deprimida. Isso aconteceu com minha família nas primeiras vezes de Sabbath.
Desaprendemos a não fazer nada?
Estudos provam que
as boas leias surgem quando nos afastamos das exigências diárias e relaxamos.
Não fazer nada é a melhor maneira de fazer alguma coisa! Mas isso não é óbvio e
nos forçarmos a ficar ocupados. Para nós, "ocupado" é igual a
"produtivo". O mundo digital cria a ilusão de produtividade, quando,
na verdade, podemos estar só desperdiçando tempo precioso em frente a uma tela.
(Revista LOLA, agosto de 2012.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário