Escritor americano afirma que fofocar é uma inclinação
natural humana - e isso não é necessariamente ruim. Por Letícia Sorg.
O ensaísta americano Joseph Epstein é um
estudioso das características universais dos seres humanos. Já escreveu livros
sobre a amizade, a inveja e a ambição. Em sua obra mais recente, Gossip (Fofoca), afirma que falar das
pessoas - na ausência delas - é uma dessas inclinações naturais. ''A única coisa errada com o Jardim do Éden
é que não havia ninguém sobre quem Adão e Eva pudessem fofocar", diz
Epstein, em tom bem-humorado. Na sociedade contemporânea, não só há material
suficiente para fofoca - somos 7 bilhões de pessoas -, como também um novo
meio, a internet, que torna públicos os comentários antes restritos a um
pequeno círculo.
Nesta Entrevista a ÉPOCA, Epstein discute
essas mudanças e os lados positivos e negativos desse hábito tão humano.
Por que a fofoca é algo universalmente humano?
Não há assunto mais
interessante que as outras pessoas. Analisar seus erros, suas pretensões, suas
hipocrisias. É muito difícil evitar a fofoca. Não tive de correr atrás do
assunto desse livro. As pessoas me ligavam para contar fofocas interessantes!
Mas o que é fofoca?
Ao longo do livro,
uso várias definições. A primeira considera fofocas os comentários sobre
pessoas de nosso círculo - não sobre celebridades. Outra definição é do
colunista Earl Wilson: "É ouvir algo de que você gosta sobre alguém de
quem você não gosta". De fato, não gostamos de ouvir fofocas sobre nossos
parceiros, pais, filhos...
O conceito de fofoca mudou ao longo da história?
A fofoca começa como
algo pessoal: pessoas falando sobre seus amigos ou inimigos nas pequenas
cidades, nos vilarejos. Em algum momento do século XVII, quando a imprensa foi
inventada e logo depois vieram os jornais, fofocar era falar dos ricos, dos
nobres, das pessoas em posições de destaque. A fofoca começou a ser menos sobre
pessoas e mais sobre celebridades e, com o jornal, tornou-se mais pública que
privada. Agora, com a internet, há fofoca pública sobre pessoas privadas. A
fofoca começou como algo privado, tornou-se público e virou algo privado com
alcance público. É uma grande mudança, que traz vários riscos, porque fica mais
difícil se livrar de uma fofoca que se espalha on-line
Isso quer dizer que a influência da fofoca aumentou?
A fofoca na política
é algo cada vez maior. O vazamento de informações com a intenção de destruir
quem ocupa altos cargos é uma forma poderosa de fofoca. A fofoca não é uma
ocupação trivial, ela tem consequências. No início, era vista como algo
praticado por donas de casa, trivial, mas isso nunca foi verdade.
Mas a imagem da fofoca ainda está muito atrelada às
mulheres...
Há estudos que
mostram que isso não é verdade. Os homens têm tanto apreço pela fofoca quanto
as mulheres. É um quesito em que há igualdade de sexos! Gosto mais de fofoca
que minha mulher, confesso. Sei que há pessoas que diriam: "Não quero ouvir
se for fofoca". Mas ser assim é também perder várias informações
importantes.
De que tipo de fofoca o senhor gosta?
A fofoca tem uma
reputação muito má porque pode ser perversa. Esse tipo de fofoca não me
interessa, pessoalmente. Tenho um amigo, que morreu recentemente, que morava em
Londres e me ligava no meio da manhã perguntando: "Com quem será que Fidel Castro está saindo?" Isso não
tem nada de perverso. Gosto de fofocar a respeito das falhas de caráter das
pessoas, suas vaidades, suas hipocrisias.
A fofoca tem lados positivos?
O ponto positivo
mais fundamental é manter as pessoas dentro de certos limites. Se elas temem
ser alvo de fofoca, podem tentar evitar ter um caso extraconjugal, vão pensar
na reação da comunidade. Outro aspecto bom da fofoca mostra-se no trabalho. Se
alguém está tentando uma promoção dentro da empresa, pode ser útil ter informações
sobre os outros candidatos, inclusive se um deles está dormindo com o chefe ou
se outro teve um colapso nervoso. Mas há também um lado trapaceiro: um assunto
ser fofoca não significa que ele seja verdadeiro - ou falso. É sempre preciso
verificar sua veracidade, avaliar se a fofoca é plausível e perguntar-se quais
as motivações de quem a contou. Há uma imensa variedade de motivos para contar
uma fofoca. Para se vingar, para contar vantagem e até para jogar charme -
fofocar é uma atividade íntima. Quando duas pessoas que não se conhecem se
encontram, um primeiro impulso é fofocar sobre os possíveis assuntos de
interesse. É uma sutil transação social.
Hoje, as pessoas revelam tanto de sua vida nas redes
sociais e em blogs que parece não haver mais segredos sobre os quais fofocar.
Coisas que um dia
foram fonte de vergonha hoje são assuntos de livros de memória. Meu pai abusou
de mim, minha mãe era alcoólatra, meu irmão é pedófilo... Cinquenta anos atrás,
quando essas coisas aconteciam, as pessoas queriam bloqueá-las de sua vida, que
dirá então da vida das pessoas próximas. Agora, tudo se tornou material de
memórias. Isso acontece por causa do que chamo de "triunfo da
terapia". Hoje a pior coisa, segundo a psicoterapia, é reprimir-se. Então,
as pessoas revelam informações M que antes criavam uma desgraça social. Não
estou muito certo de que isso seja um
progresso.
Revelar mais
informações sobre si próprio estimula a fofoca ou ajuda a preveni-Ia?
Se alguém escreve em suas memórias que sofreu abuso
sexual, de certa forma evita que outras pessoas fofoquem a respeito. Os outros
só podem se sentir tristes pelo que aconteceu.
Qualquer assunto se presta a fofoca?
Mesmo hoje em dia, em que há mais notícias
sobre o e assunto e muito mais tolerância, o sexo continua o principal tópico
das fofocas. Está nas manchetes de todos os jornais americanos. O escândalo do
ex-presidente do FMI Dominique Strauss-Khan, acusado de estuprar uma camareira,
o escândalo do pré-candidato republicano Herman Cain, É acusado de assediar
sexualmente várias mulheres... Mas há outros grandes temas: qualquer coisa
relacionada ao poder e à hipocrisia, principalmente daqueles que se arrogam
princípios morais muito elevados e revelam não ter nenhum.
Existem pessoas que conseguem não fofocar sobre nada
É uma questão de
padrões morais muito elevados. Houve
um tempo em que as pessoas não fofocavam tão abertamente, que mulheres de
classe média não falavam sobre sexo. No máximo, diriam: "Eles estão tendo um caso!': Hoje, como
menciono em meu livro, a biografia da princesa Diana feita por Tina Brown diz
que o divórcio entre ela e Charles aconteceu porque a princesa se recusava a
praticar alguns "favores sexuais". Isso soaria tão ultrajante há
alguns anos! Ninguém teria
sussurrado isso, quanto mais publicado em livro! É uma fofoca cuja veracidade
não conseguiremos checar. Essa é uma mudança social muito grande.
Mas falar mais de um assunto que antes era tabu, como
sexo, não é algo positivo?
É sempre difícil decidir.
Nos Estados Unidos, o ex-residente Franklin Delano Roosevelt teve um caso
extraconjugal durante o mandato com uma mulher chamada Lucy Mercer Rutherfurd.
Todos os jornalistas que trabalhavam Em Washington sabiam. Mas achavam que não
deveriam publicar essa informação porque a Presidência era uma instituição e
Roosevelt era um grande homem. Por que, então, derrubá-lo? Era sua vida privada
e não parecia estar afetando seu trabalho. Ninguém falou do assunto até 50 anos
depois de sua morte. Hoje temos o presidente Bill Clinton e o escândalo com
Monica Lewinsky. A esfera que protegia o presidente só quebrou no governo de
Lindon Johnson e, depois, no de Richard Nixon. Havia um sentimento tão forte
contra a Guerra do Vietnã nos Estados Unidos e uma sensação tão forte de que o
presidente estava enganando os jornalistas, que estes começaram a publicar tudo
o que conseguiam contra o presidente. Uma vez que isso aconteceu, o líder dos
Estados Unidos não estava mais a salvo de fofocas e especulações.
Isso quer dizer que estamos caminhando para um mundo
com mais fofocas?
A fofoca pode ter
seu charme, pode entreter, pode dar prazer, mas, se houver só isso, rebaixa o
tom da comunicação da sociedade. Fofoca, como sexo, é um ótimo esporte para
lugares fechados, mas não queira fazer mais do que pode. Quando a fofoca domina
a política, o jornalismo, o entretenimento, de repente a sociedade desce um
degrau na escala da dignidade, da privacidade.
Em seu livro. o senhor "fofoca" sobre sua
própria vida familiar e revela um segredo que sua mãe guardou toda a vida. Por
que decidiu fazê-lo?
Pensei em contar
essa história porque ela ilustra como o mundo mudou. Ao contá-la, vejo como minha
mãe foi heroica em guardá-la - e como não sou igual a ela. Minha mãe não contou
a meu pai, o homem que ela amava, que o pai dela, meu avô, havia se suicidado.
Se fosse hoje, essa informação seria revelada no segundo encontro. E isso é
muito revelador do tempo em que vivemos. Minha mãe era uma pessoa muito
equilibrada, mas suponho que guardar esse segredo por toda a vida lhe causou
sofrimento.
(Revista ÉPOCA, janeiro de 2012)
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