Hoje, nos defendemos a tal ponto que fingimos não sentir nada. E, de
tanto fingir, não sentimos.
Há quanto tempo
você não chora? Muito? Como era bom chorar! Hoje, no
máximo, os olhos se enchem de lágrimas - mas só em uma cena emocionante de um
filme ou livro. Por nossos sofrimentos, quase não choramos. Às vezes, contando
um sonho ao analista, nossos olhos até se enchem, mas
aquele choro grande que terminava em soluços e sempre motivava alguém a nos dar
um ombro - imediatamente aceito - e nos
abraçar forte, esse choro faz tempo. E esse ombro e
esse abraço também.
Nunca se soluça sozinho:
há sempre que ter alguém por perto para que o choro saia forte,
sem pudor,
bem barulhento e sofrido. É a certeza de que haverá alguém para nos consolar
que
permitirá que caiamos em prantos - a não
ser quando se é muito jovem, o namorado
desfila
com outra em uma festa e é preciso correr para chorar no banheiro.
Mas o tempo passa, e os
mais atentos sabem que choramos cada vez menos. Será que é porque já vivemos - ou pelo
menos vimos - tantas coisas tristes que chorar, ago-
ra, só por razões muito, mas
muito sérias?
Tem gente que, no lugar de sofrer, fica
com raiva - o que, dependendo do motivo, é mais
saudável. A raiva faz com que você se mexa, pense em
uma vingança ou estratégia, faça
planos, se modifique, passe a ser mais esperta, mais rápida para ver e entender
as coisas, mais inteligente e mais lúcida, com os pés
mais no chão. Já o sofrimento paralisa,
e alguns não conseguem fazer nada além de sofrer. Mas certos
sofrimentos têm prazo de
validade, sobretudo os de ordem sentimental.
Por que é tão difícil chorar nos dias de hoje? Quando
se é criança, até um tombo
que deixa o joelho ralado faz as lágrimas saltarem. Agora você vê pela
televisão a tragé-
dia dos refugiados da África, se horroriza, mas não chora. Será um problema orgânico?
Antes, o choro vinha tão fácil que era obrigatório para as mulheres levar um lencinho na
bolsa. Atualmente, a não ser em caso de fortíssimo resfriado - e para isso há os lenços de
papel. Aqueles de cambraia,
com o monograma bordado, não existem mais - se você qui-
sesse comprar alguns, será que alguém poderia indicar um
bom endereço?
Antigamente se chorava de tristeza quando um amigo
viajava, de emoção quando ele vol- tava, até de saudade se chorava. É bem verdade que o telefone e a
internet ajudam a atenuar esse tipo de sentimento. Assim, a pa- lavra saudade - que se
dizia com orgulho que só existia na língua portuguesa - vai
acabar saindo do dicionário. E alguém tem tem- po de
sentir saudade de alguma coisa nessa correria?
Mas estou sendo injusta: se de uma coisa se
tem saudade, é do tempo em que se chora-
va. Não das razões que levavam a isso, mas da capacidade não só de sentir
como tam-
bém de demonstrar. Hoje nos defendemos a
tal ponto que fingimos não sentir nada.
E, de tanto fingir, acabamos não sentindo mesmo. O
coração vai virando uma pedra, sem
sofrimento, mas também sem ternura, amizade,
carinho, bondade, solidariedade.
E, para não sofrer, descartamos da vida também
o amor, é claro. Boas razões, aliás.
para cair no choro.
(Danuza Leão, CLAUDIA, setembro de 2015)
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