MARIA LAURA
NEVES
Imagine-se presidente de uma grande multinacional,
à frente de uma poderosa diretoria maciçamente feminina. Depois do expediente,
você cursa uma especialização e só dá mulheres nos corpos docente e discente.
Ao chegar em casa à noite, seu marido comenta que acabou o iogurte das crianças
e a geladeira está vazia. Cansada, você diz que deixará o cheque para que faça
as compras, já que ele sai mais cedo do trabalho. Segundo a jornalista
americana Hanna Rosin, esse cenário, que parece utopia feminista, é uma
realidade bem próxima da que vivemos hoje e será 100% verdade para nossas filhas
- e filhos. No livro The End of Men and
The Rise of Women (O fim do homem e a ascensão das mulheres), ainda não
publicado no Brasil, ela defende que, após séculos de dominação masculina, o
poder será das mulheres.
Segundo Hanna, isso ocorre porque estamos mais
aptas do que os homens a responder às demandas da nova economia, baseada nos
serviços. Somos mais qualificadas - 60% dos formandos nas universidades
brasileiras são mulheres - e temos habilidades valorizadas hoje, como facilidade
para a comunicação, versatilidade e capacidade de conciliação.
A jornalista baseou sua teoria na constatação de
que a maior parte dos empregos nos Estados Unidos afetados pela crise econômica
estava em setores predominantemente masculinos, como a construção civil e o
mercado financeiro. E a necessidade de ganhar a qualquer custo e o gosto pelo
risco, traços típicos do comportamento do homem, teriam sido decisivos para a
bancarrota. Seria uma prova da falência do modelo de gestão do macho agressivo.
A nova configuração da divisão do trabalho e do
poder levaria a uma crise da masculinidade e transformaria também o modo como
homens e mulheres convivem na intimidade. Hanna diz que americanas de classes
sociais mais baixas já estariam abandonando o marido por acreditar que ele mais
atrapalha que ajuda (só 3% topam cuidar da casa e dos filhos enquanto elas
trabalham). Já as ricas estariam em casamentos mais completos e equilibrados, dividindo
com o parceiro a responsabilidade dos afazeres domésticos. A tese gerou muitas
críticas. Por exemplo, nós ainda ganhamos menos do que eles na mesma função.
Quatro especialistas incrementam o debate.
Esquecido e
desfavorecido (Martin Van Creven)
"Esta não é a primeira vez que uma recessão coloca
as mulheres no papel de vencedoras e os homens assumem o de perdedores. Em
1848, o filósofo alemão Friedrich Engels escreveu que, em tempos de crise
econômica, os homens pobres ficam em casa e as mulheres saem para trabalhar.
Durante a Grande Recessão da década de 1930, elas entraram no mercado de
trabalho porque muitos foram demitidos. Então, essa discussão tem pelo menos
160 anos. Acredito que a atual crise vai passar e que não estamos diante do
'fim' do homem. Ocorre que, quando o mercado está mais cauteloso, a maneira
feminina de agir realmente é mais valorizada. Em geral, os homens são mais
adeptos do risco. Mas, no final, como o capitalismo é movido pela ambição e pelo
gosto ao risco, penso que quem chega ao poder é - e tem de ser - mais agres-sivo e
competitivo. E os homens são melhores do que as mulheres nisso.
De qualquer forma, não é fácil ser homem (mas não
estou querendo dizer que é fácil ser mulher!). As estatísticas mostram que eles
ainda trabalham mais horas do que elas. Os postos mais perigosos, sujos e
pesados são ocupados por eles. Para ter uma ideia, cerca de 90% das mortes em
acidentes de trabalho nos Estados Unidos são de pessoas do sexo masculino. Eles
também são as maiores vítimas de crimes violentos e vivem menos do que as
mulheres. Homens têm um custo de vida menor, mas pagam mais impostos. E, mesmo
assim, recebem menos benefícios do governo. Quais países oferecem direito à
licença paternidade? Homens não amam os filhos menos que as mulheres, mas as
leis do divórcio são favoráveis às mães em muitos países. O pai que se separa e
consegue a guarda dos filhos é exceção. São todas questões já antigas, e eu
ficaria surpreso se fossem resolvidas. Talvez isso aconteça em um mundo gerido
por mulheres - o que não acredito que vá acontecer."
Novo sexo
frágil (Luiz Cuschnir)
"Não acredito no 'fim' dos homens, mas em uma
crise da masculinidade que começou há anos e ainda não foi resolvida. À medida
que o poder foi deixando de ser exclusivamente masculino, eles passaram a se
dedicar mais aos filhos e à casa e a prestar atenção nos próprios sentimentos.
Aí se assustaram e se amedrontaram com a própria fragilidade. Ficaram perdidos
e deprimidos. A ascensão feminina continuou, abalando cada vez mais a auto
estima dos homens, porque a masculinidade se confirma pelo poder e pela
vitória. Se as mulheres tomam a dianteira de tudo, eles não sabem o que fazer.
Outro ponto que fragiliza é que os homens perderam espaço no mercado, mas não
se afirmaram completamente em casa. Por exemplo, quando se dispuseram a se
aproximar mais dos filhos, encontraram resistência. Raramente a mulher quer
mesmo dividir o poder dentro de casa. Qual de vocês nunca criticou o marido por
não dar banho ou vestir o filho do jeito certo quando ele resolve fazer isso
sozinho? A atitude deixa o homem desestimulado e o paralisa. Porque não há
jeito certo de cuidar dos filhos ou da casa. Existem jeitos diferentes. Homens
e mulheres precisam aprender a dividir o poder, dentro e fora de casa."
Era de
igualdade (Marl Justad)
“Discutir o “fim” do homem e a ascensão da mulher da
maneira como propõe a teoria de Hanna não acrescenta nada ao debate da igualdade de
direitos. O machismo se baseia na noção da superioridade inata do homem e nas
diferenças absolutas entre os gêneros, que nunca foram comprovadas. Sugerir uma nova era em que
o poder e as regras serão invertidos é
se basear nas mesmas premissas do
machismo. A maioria dos americanos acredita que homens e mulheres são iguais.
Suspeito que há pessoas interessadas apenas em colocar fogo na guerra dos sexos
porque iisso vende livros.
Analisando as mudanças apontadas pela autora, o que
vejo, na verdade, é um novo período, em que homens e mulheres terão a mesma
autonomia. Penso que a crise da masculinidade exista apenas entre os homens que não aceitam que a mulher
ganhe mais ou tenha mais prestígio que
eles. Não acho que se trate de uma crise generalizada, e sim de uma aflição que
atinge somente aqueles que ainda não se
adequaram a uma era de igualdade. Não estamos mais em uma guerra entre uma
guerra entre os sexos. Isso é resíduo de uma mentalidade masculina estreita,
criada por uma ideologia patriarcal, da
qual alguns têm dificuldade de escapar. Considero importante ressaltar que as
questões que prejudicam homens negros ou
gays não estão contempladas nesse tipo de discussão. O segundo grupo, por
exemplo, desafia o conceito de masculinidade há
décadas e nada foi dito sobre isso."
Longa Jornada
(Nina Madsen)
"Não estamos nem perto de presenciar o “fim”
do homem no Brasil. Estudos mostram que a velocidade da participação feminina
em espaços predominantemente masculinos vem diminuindo da década de 1990 para
cá. A escalada das mulheres a postos de poder foi intensa entre os anos 1970 e
1980, mas, depois, o ritmo diminuiu. E nós ainda ganhamos 70% do salário deles.
Além disso, nossa ocupação do mercado de trabalho
não levou a alterações na divisão das responsabilidades em casa e dos serviços
domésticos. Isso continua em nossas mãos. Mulheres gastam cerca de dez horas
semanais com tarefas da casa, enquanto os homens utilizam apenas uma hora com
isso. A vida deles não mudou nada com nossa entrada no mercado de trabalho ou
nossa ascensão a postos de poder. Mas nós ficamos mais sobrecarregadas. Outro
ponto é que, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, por aqui a crise
econômica de 2008 abalou mais as mulheres que os homens. Um estudo do governo
federal mostrou que, no Brasil, o emprego delas foi mais afetado que o deles.
Um detalhe é que, quando um homem perde o trabalho, ele se mantém no mercado
na categoria de desempregado. Quando é com a mulher, ela volta para casa e sai
do páreo. Não vejo nenhum grande avanço."
(Revista
CLAUDIA,novembro de 2012)
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