Educar para
crescer
A neurociência turbina a pedagogia e
chacoalha todos os conceitos sobre
aprendizagem – até a desacreditada decoreba foi reabilitada.
Nos
últimos anos, a pedagogia ganhou uma aliada de peso para desvendar o modo como
crianças e adolescentes aprendem: a neurociência. As descobertas mais recentes
nesse campo do conhecimento prometem o impacto de um terremoto na educação nos
próximos anos ao pôr em xeque práticas seculares das escolas e reabilitar
outras até então condenadas. A motivação e a associação afetiva com o que se
aprende ganharam base científica, e mesmo a criticada decoreba vem sendo
reabilitada, agora sem o rótulo de inibidora do raciocínio.
É na
primeira infância, até os 6 anos, que a mente abre mais portas para o
aprendizado - o que faz da educação infantil uma etapa fundamental da
escolaridade, a ponto de governos de países desenvolvidos, como Estados Unidos
e Dinamarca, destinarem recursos crescentes para essa área. A explicação é
literalmente cerebral: imagine que, aos 8 meses de vida, um bebê possui 600
bilhões de sinapses, as conexões entre os neurônios que permitem a propagação
dos impulsos nervosos. Quando chegar à idade adulta, o mesmo bebê terá
cerca de 350 bilhões de sinapses. “A
quantidade de conexões não é sinônimo de capacidade cerebral superior; e sim de
mais caminhos de aprendizagem”, explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor (Sextante). Isso
significa que os estímulos que a criança receber do ambiente as dificuldades
que encontrar e as adaptações que fizer para sobreviver vão definir os caminhos
de seu desenvolvimento. Com o tempo, o cérebro gravará as conexões que
produziram resultados de sucesso - como aprender a falar e a escrever -,
enquanto aquelas ligadas a habilidades inexploradas, como a da música para
alguém que não aprendeu a tocar nenhum instrumento, serão descartadas como
ineficazes ou desnecessárias. Sabendo desse leque imenso de possibilidades, é
quase irresistível investir, por exemplo, no ensino de línguas estrangeiras,
terreno onde há uma diferença clara entre crianças e adultos. A neurociência
explica por que os pequenos aprendem tão facilmente: até os 10 anos, uma mesma
área do cérebro é responsável por atribuir significado a palavras iguais em
idiomas diferentes. Além disso, a criança não apenas reconhece os sons com mais
rapidez como ainda consegue fazer os movimentos necessários para reproduzi-los
sem sotaque. Os pequenos ainda respondem
agilmente aos ensinamentos musicais e são capazes de assimilar comportamentos e
desenvolver sentimentos, como a empatia. "O
aprendizado social também é uma conquista e deve ser estimulado nessa
etapa", afirma o médico João Figueiró, presidente do Instituto 0 a 6,
ONG paulista que investiga como os estímulos nessa faixa etária influenciam a
formação. Estudos de longa duração mostram que as crianças estimuladas na
infância dominam maior número de palavras, demonstram mais habilidade com
estratégias matemáticas, têm uma vida escolar mais bem-sucedida e comportamentos
sociais mais desenvolvidos. Alguns autores calculam que, para cada dólar
investido na infância, economizam-se 10 dólares em programas sociais de
compensação no futuro.
Malhação mental
Mais do
que explicar por que a primeira infância é espetacular para o aprendizado, a
neurociência investiga como as informações se fixam no cérebro. Aí desponta uma
novidade surpreendente: está em curso entre os neurocientistas um resgate da
boa e antiga decoreba. Com o pressuposto (correto) de que estimular o
raciocínio é essencial, ao colocarem em segundo plano o estímulo à memorização
as escolas percorreram um caminho que, se extremado, prejudica o aluno. "Houve uma lamentável tendência ao
desprezo pela memorização. Ensinar a pensar é fundamental, claro, mas deve vir
lado a lado com a memorização, que nada mais é que o produto final do
aprendizado", observa Suzana Herculano-Houzel. ''Tabuadas, fórmulas, poemas, nomes e datas são matéria-prima para o
reconhecimento de padrões e a elaboração de pensamentos mais complexos. Quem
precisa recorrer ao Google não tem as mesmas possibilidades de associação de
ideias", complementa Suzana. Isso ocorre porque é preciso diferenciar
a memória de longa duração, ou seja, aquilo que ao final fica registrado no
cérebro (os conhecimentos formais, as estruturas, as sintaxes), e a memória de
curta duração - fatos do dia a dia. "Você
esquece como se resolve uma equação, por exemplo, mas as modificações feitas na
mente de uma pessoa que estudou permanecem", explica a pesquisadora
Elvira Lima, autora de Neurociência e Aprendizagem (lnter Alia). As pesquisas
ainda estão trazendo para os holofotes o ensino de música e de artes,
considerando que a mente humana trabalha como um todo: atenção, percepção,
memória e processamento da linguagem se integram para formar representações e
conceitos. "Um cérebro que estudou
um instrumento musical dispõe de habilidades que têm impacto importante na
aquisição de outros conhecimentos, como a matemática e a escrita", complementa
Elvira. Como herança do nosso processo evolutivo, o cérebro também responde a
gravuras, imagens e símbolos - então, a arte se filma como recurso poderoso
para criar novas conexões.
Um olhar
para os teens
O
comportamento dos adolescentes também está na mira dos pesquisadores. Estudos
financiados pelos Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos descobriram,
entre outras coisas, que muitas atitudes típicas dos teens, como o tédio e a atração pelo risco, não estão ligadas aos
hormônios, mas ao desenvolvimento cerebral. O que se diferencia é o sistema de
recompensa, ou seja, o conjunto de estruturas orgânicas que regulam as
sensações de prazer. De repente, o que fazia a criança feliz não funciona mais;
o jovem busca novas fontes de prazer, inclusive o sexo. Ao mesmo tempo, o
cérebro adolescente se torna mais apto para o raciocínio abstrato: surge o
interesse por filosofia, religião e outros temas. A lapidação mental continua,
impulsionada por experiências que dependem da tomada de decisões - às vezes certas,
às vezes na base da cabeçada. Por isso, na escola e em casa, é preciso
estimular a autonomia do jovem, deixando
espaço para que novas experiências de vida entrem em cena, em um ambiente de
vínculos fortes, respeito à privacidade e muita informação. Em um cérebro agora
estimulado por outro sistema de recompensas, lições chatas perdem força. Por
isso, outro ensinamento da neurociência moderna é a importância de motivar. "Sem motivação, não há prática, que é a
base do aprendizado", afirma Suzana Houzel. Motivar significa propor
atividades diversificadas, inusuais, que vinculem teoria e prática, e também
oferecer desafios à altura da personalidade de cada um. "Aprender é desfazer os nós da mente, buscar respostas para
perguntas feitas por curiosidade", explica Elvira. Se é verdade, como
dizem os neurocientistas, que o cérebro é esculpido ao longo da vida por nossas
vivências, confirma-se o poder decisivo e transformador da educação.
Cérebro sem foco
A
exposição contínua ao ruído de fundo de uma TV prejudica a atividade
intelectual, constatam estudos das universidades de Amsterdã, na Holanda, e
lowa, nos Estados Unidos. Os especialistas acompanharam crianças de 8 meses a 8
anos que passavam quatro horas diárias em ambientes com o aparelho ligado. "Em qualquer idade, o cérebro não trabalha
bem quando precisa se dividir entre diferentes tarefas", afirma a
neuropsicóloga Ana Olmos, de São Paulo. A solução: só ligue a TV quando alguém
for mesmo assistir e não instale um aparelho no quarto do seu filho nem onde a
família faz refeições. "A
recomendação vale também para rádio e computador ligados", diz Ana.
Veja mais em educarparacrescer.com. br
(Revista CLAUDIA, junho de 2012.)
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