“A ATUAL
ESTÁ ESTAFADA”
Os pais, em nome da capacidade de
proteção, acabam desprotegendo e enfraquecendo seus filhos. É curioso quando os
pais falam "poxa, eu não quero que meu filho passe pelo que eu
passei". Fico imaginando: o que esse pai e essa mãe passaram? Tiveram de
fazer comida? Limpar a casa? Cortar lenha, como o meu caso? Qual é o nível de
sofrimento dessas tarefas? Ao meu ver, pelo contrário faziam parte da partilha
de tarefas. Hoje, não mais. Durante muito tempo, a geração adulta cuidava de si
mesma e dos filhos. Quando os filhos cresciam, os pais diziam: "Bom, agora
você vai e cuida da sua vida. A atual geração de adultos cuida de si
mesma. Se tiver filhos, cuida dos filhos. Às vezes, cuida também dos pais, com
plano de saúde, atendimento. E, no caso de alguns, até dos netos. A atual
geração que tem entre 35 e 40 anos cuida de três gerações. Ela está estafada,
cansada, vive em estado de sonolência e deseja, de maneira repetida,
libertar-se disso. E só há uma maneira de fazer isso: a procura contínua pela
partilha das tarefas. Neste sentido, a educação escolar é uma parte que ajuda
nesta questão. Mas ela depende também do coletivo, não apenas da escola. As
novas gerações não podem crescer como adultos em férias, que vão ao cinema,
passeiam, comem fora ... Só não trabalham. Essa condição é malévola. Pode ser
até gostoso oferecer isso aos filhos, mas produz um enfraquecimento da
capacidade do esforço mais adiante. Não é fazer o filho sofrer, mas viver de
uma maneira mais partilhada o desgaste e o esforço.
“E A
NOVA É MAL
EDUCADA”
A nova geração não tem problema de
formação. Ela é ligada à conectividade. Tem um nível de escolaridade que, mesmo
que fragilizado, ainda consegue ser ultrapassado ... Mas ela chega mal educada
no mundo do trabalho, sem percepção de hierarquia. Está acostu- mada a ser quem
subordina os adultos em casa, tanto que há pais e mães que vivem em função dos
filhos. Ao mesmo tempo, esta geração não tem, necessariamente, compro-misso com
meta e prazo. Abandona coisas com facilidade. É comum ouvir falar hoje de jovem
que começa uma faculdade e passa para outra. Ele descobre que não é o que quer,
aí vai estudar mecânica, depois vai para a metalurgia, e passa para a
gastronomia. Isso não é excesso de opção, é confusão mental. É ausência de
clareza de onde se quer che-gar. E essa mesma geração é rica e exuberante naquilo
que consegue, que é a criatividade. Se você observar as startups, são inéditas.
Mas de quem são? Daqueles que vão fazer um esforço. As coisas não são
automáticas, não acontecem sozinhas. Há um esforço imenso a ser feito para que
as coisas tenham concretização. E a gente observa que o jovem, muitas vezes,
chega até uma nova empresa e supõe que a chefia dele é como um pai e uma mãe, que
têm de resolver as coisas para ele. ( ... ) Há uma expressão que precisa ser lembrada:
o amor verdadeiro é aquele que não aceita tudo. Não podemos deixar que esta
nova geração acredite em uma coisa, que é muito perigosa para a vida coletiva:
confundir desejos com direitos.
(MÁRIO CORTELLA - filósofo e escritor, em trechos de uma entrevista a Zero Hora)
Nenhum comentário:
Postar um comentário