A pedido de CLAUDIA, o deputado baiano Jean Wyllys, eleito pela revista The Economist uma das 50
maiores personalidades na defesa da diversidade no mun-do
(ao lado do presidente
americano Barack Obama e da paquistanesa Malala Yousatzai), escreve uma carta às famílias sugerindo que
o acolhimento tome o lugar da rejeição narelação
com os filhos
Senhoras e senhores, ao fim deste texto, pretendo
dar-lhes uma humilde contribuição para ajudá-los a
remover a erva daninha que dificulta o
crescimento do amor em suas famílias; a
construir uma vida melhor para seus filhos e filhas e a entregar pessoas mais
fortes para este nosso mundo. Antes, porém, preciso
dar um breve testemunho.
Sou um homem gay, de 41 anos, bem-sucedido
(jornalista premiado, escritor com quatro livros publicados, roteírista, apresentador de um
programa de Tv, ativista dos direitos huma-nos e “estou” deputado federal no segundo mandato), apesar de ter nascido na pobreza material e vivido um conjunto de violências físicas e simbólicas - a homofobia -, que recai sobre mim desde
que me
entendo por gente.
Na primeira
vez em que ouvi o insulto “viado”, eu tinha apenas 6 anos.
Vocês conseguem imaginar o que isso
significa? E qual o impacto para a saúde mental ouvir -
de adultos, de-pois de outros garotos - essa ofensa quando, aos 6
anos, não se tem nenhuma noção do
que seja orientação sexual? Podem mensurar o sofrimento de
uma criança humilhada por fazer algo que deveria ser respeitado
em qualquer situação e que está no cruzamento
das fronteiras de gênero erguidas pela sociedade
(isso é de menino, aquilo de
menina)?
Muitas dessas violências
eram praticadas por pessoas que conviviam
comigo. O que mais me fez sofrer foi o sentimento
de ser menos ou nada amado por minha mãe e,principalmente,
meu pai por causa do meu "jeitinho",
da minha 'diferença'. Supunha que os envergonhava. Talvez
por isso tenha multiplicado os esforços para agradar a
eles desde então. Eu me fazia necessário para ser amado.
Fiquei ao lado de meu pai até seus últimos minutos
de vida. Garanti um tratamento digno para o câncer
que o vitimou. E minha mãe é minha rainha. Cuido dela
nos mínimos detalhes, dou o que tenho de melhor em
mim. Apesar da homofobia que carregavam - e que os
levou a me preterir -, não
desisti deles.
Com o tempo, erradiquei, à base de bons argumentos, a intolerância e
recuperei o amor que se perdia entre nós. Felizmente, meu pai
viveu o suficiente para perceber que estava
errado, no pensamento anti-homossexual, e me pediu
perdão do seu jeito. Minha mãe se converteu em quase ativista, é "uma mãe
pela diversidade" e se orgulha dos filhos gays (tenho
um irmão gay e quatro irmãos hetero). Se tivesse desistido dos meus pais, nossa sorte teria
sido outra: uma má sorte. Quantas relações de amor a homofobia destruiu e ain-da
destrói? Incontáveis! Quantos filhos foram expulsos por
ser homossexuais? Quantos fu-giram de casa
(do bairro, da cidade) para sobreviver e gozar a liberdade de ser quem são,
longe da violência dos que deveriam protegê-Ios? Quantos se viram
empurrados para os destinos imperfeitos que a homofobia associa à
homossexualidade? E quantos desistiram de viver por não suportar a perseguição?
Caros pais e mães de
filhas e filhos homossexuais e/ou
transexuais: pensem nessas questões antes de tomar qualquer
atitude em relação àqueles que vocês puseram no mun-do
e que só desejam amor e compreensão da família. Eles dependem de vocês para ter uma vida autônoma.
Eu sei (e compreendo!) que esperam
escolhas semelhantes às suas. Isso é uma fantasia.
Basta que se comparem aos próprios pais. Vocês
se parecem com eles e cumpriram as expectativas que tinham? Ora, pai e mãe, que
merecem ser chamados assim, amam os filhos como são. E não porque
correspondem aos desejos, às fantasias narcisistas e egoístas do casal.
A primeira atitude que devem tomar é não reprimir a liberdade
e a criatividade infantis. Diante de qualquer suspeita de que sua criança seja homossexual ou
transexual, o melhor - antes de buscar informações em fontes confiáveis,
que quase nunca são pastores e padres - é ouvir
atentamente, e sem julgar, o que ela tem a dizer sobre
si mesma. Lembrem-se de que não são apenas os seus projetos
de felicidade que estão em pauta. São as expectat-ivas
de seus filhos e suas filhas, que não pediram
para nascer, que contam. Eles têm o di-reito de expressar
os afetos de modo diferente. A desculpa de
que vocês não os aceitam gays porque não querem vê-Ios sofrer
é esfarrapada e contraditória. Rejeição e repressão dão
início ao sofrimento que supostamente a
família deseja evitar. Saibam que eles estaiam mais imunes às inevitáveis
maldades do mundo se contassem com o amor de vocês. De resto, por mais que tentem evitar a homossexualidade
ou a transexualidade, elas acabarão se impondo se seu filho ou sua filha não morrerem
antes. Pensem. Isso vai ajudá-los a retirar a erva daninha
- o preconceito - que se alastra em casa.
Cordialmente e com respeito,
Jean Wyllis
(Revista CLAUDIA, dezembro de 2015)
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