Quem não
odeia?
Não há coisa pior que ligar para o serviço
do cartão de crédito no meio das compras, cercado de amigos. Estou numa
divertida tarde no shopping. Capturo
os produtos que sobraram das liquidações, de loja em loja. Subitamente, chega
uma mensagem no meu celular. Meu cartão de crédito exige que eu confirme
despesas. Arrepio.
Não há coisa pior do que ligar para o
serviço do cartão de crédito no meio das compras, cercado de amigos. Mas sou
obrigado. A mensagem significa que o cartão está bloqueado até que eu confirme.
É uma espécie de chantagem. Não ultrapassei meu limite, nem gastei mais do que costumo.
Teclo no meu celular, enquanto o vendedor e meus amigos me encaram. Do outro
lado, uma voz eletrônica agradece a ligação e avisa que serei encaminhado a um
dos atendentes. Ouço uma musiquinha tipo new
age. Ouço. E ouço. Finalmente, uma voz humana pergunta em que me pode
ajudar. Explico. Ouço que serei encaminhado a outro atendente. Volta a música.
Devia me trazer harmonia. Minha vontade é atirar o celular para longe.
Passam-se 15 minutos. Desisto. Pago com outro cartão, que vence em data menos
vantajosa.
Mais tarde, em casa, volto a ligar. Que
saga! Ouço a música novamente. Quem programa as músicas de atendimento
eletrônico? Algum especialista em tortura? Quero gritar.
Finalmente, sou atendido. Confirmo meus
dados. Outro momento de terror - vivo confundindo meu CEP. Se errar, bloqueiam.
Como viver sem cartão num mundo que não aceita cheques? Suspiro quando passo
pelo escrutínio. Então começam a confirmar todas as minhas compras dos últimos
tempos. Sou avoado, nem sei em que dia estou. Fui num restaurante, mas não
lembro o nome, ai meu Deus, foi aquele? Quando vou dizer sim, a ligação cai. Dá
vontade de chorar.
Encaro o celular com raiva, a culpa agora é
dele.
- Traidor! - digo.
O celular não responde. Quero mordê-lo, mas
me contenho.
Penosamente, teclo. Ouço a musiquinha, vou
ter pesadelos com ela, eu sei. Tento explicar tudo para a primeira atendente,
mas ela me pede para aguardar. Socorro, a música, a música voltou!
Finalmente outra pessoa me atende. Não a
primeira. A segunda não sabe nada do meu colóquio com a anterior. Pergunta tudo
de novo. E desta vez o CEP! Agarro uma agenda e consigo dizer. Confirmo as
despesas. Meu cartão é desbloqueado. A moça agradece a ligação.
Que alívio depois da maratona!
Quem treina as pessoas do atendimento
eletrônico? Falam iguais a máquinas. Sem expressão. Sem alteração de voz, mesmo
que eu esbraveje. Por que acham que é melhor assim?
Se falar com máquina fosse legal, meu
liquidificador seria simpático. Bateria papo com ele.
-
E aí, rodou muito hoje?
- Vrrrummm... vrummmmmmmm.
O atendimento eletrônico virou uma praga.
Tem em todo lugar. Disco para um laboratório. A gravação me diz que em breve
serei atendido. Vem uma musiquinha. E a mensagem:
- Sua ligação é muito importante para
nós.
Seria ótimo se eu não ouvisse a mesma
mensagem dez, 20 vezes enquanto aguardo. Quando me atendem, pergunto:
- Se a minha ligação é tão importante,
por que demoram tanto para me atender?
A mocinha do outro lado não está
programada para a pergunta e me ignora. Responde tecnicamente:
- Em que posso ajudá-Io?
Quando o caso é mais complexo, nem sequer
sabem o que fazer. Uma amiga do Twitter, Deborah, reclamou de despesas feitas
em seu cartão em Punta deI Este. Era clonagem.
- Não fui para lá - disse.
- Prove que não foi para Punta.
Como alguém prova que não foi a algum
lugar?
No atendimento eletrônico, a questão é
sempre de outro departamento. Quando reclamo, descubro que estou no lugar
errado. Já me aconteceu numa operadora, quando quis discutir uma conta
alucinante.
- Seu problema será encaminhado ao
departamento competente - diz a voz.
- Prefiro falar diretamente com quem
resolva, pode ser?
- Seu problema será encaminhado, senhor
- responde ela, agradável como uma geladeira.
- Mas assim não resolvemos coisa
nenhuma.
- Seu problema será encaminhado, senhor.
Posso ajudá-Io em mais alguma coisa?
- Grrrrrrrrrrrrrrrr.
É óbvio, o atendimento eletrônico é
somente o departamento de... atendimento eletrônico! Não resolve coisa alguma.
As orelhas dos atendentes fervem, mas é só. Estão treinados a ser
profissionalmente simpáticos, mesmo que a gente chore, mie, uive. Sinto falta
de contato humano real. Falar com máquinas é chato. Falar com pessoas que agem
como tais é pior. Sei que é o progresso. Mas será que, em meio a tanta
tecnologia, não há espaço para sentimento real?
(Walcyr Carrasco)