Anos
depois de se divorciarem, ex-casais agitam a bandeira branca e retomam a antiga
relação - em bases mais sólidas
É um roteiro de uma previsibilidade tão
banal que dá até uma depressãozinha: a lua de mel acaba, os filhos nascem, a
rotina toma conta das horas, a empolgação evapora, as brigas e implicâncias...
vão pipocando, os envolvidos na coisa começam a espiar o mundo lá fora e achar
que está melhor do que ali dentro. Aí vem a separação. A explosão dos divórcios
no Brasil está ai, como uma espécie de comprovação estatística e local de que o
amor - o amor mesmo, aquele apaixonado - tem prazo de validade bem defuúdo. Estamos,
pois, falando de um ciclo de vida tão definido quanto o das borboletas, certamente.
Aí é que está... Na verdade, não. Uma
das poucas graças de viver em um mundo com 7 bilhões de habitantes é que,
dentro de cada multidão que faz movimentos parecidos, há sempre uma outra
fazendo o caminho contrário. E eis que está acontecendo o seguinte: nas grandes
levas de casais metidos nas ondas de separações em massa, há um monte que já
volta atrás - e está se juntando novamente.
Mas, se era para voltar, por que se
separaram?
Boa pergunta - e não à toa já há tanta
gente boa disposta a teorizar sobre o tema. Autor de um monumental conjunto de
obras, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman está no panteão dos grandes
pensadores da modernidade. Escreveu mais de 50 livros, 16 publicados no Brasil.
Um deles, o já clássico Amor Líquido, é uma sensacional adaptação de seu conceito
fundamental, o da modernidade líquida, para o campo da vida amorosa. Aos 86
anos, radicado na Inglaterra e boquiaberto com o caráter descartável e
substituível de quase tudo na vida dos pobres seres humanos de nossos tempos,
Bauman defende que os laços afetivos andam frágeis porque as pessoas estão
tratando os sentimentos com a mesma lógica do consumo. E, em entrevista a LOLA,
arrisca também uma tese sobre os recasamentos entre exs:
"Pode ser uma simples tomada de
consciência de que relações a dois dão trabalho, exigem dedicação e disposição,
coisas consideradas um custo enorme nos padrões de uma sociedade viciada na
lógica do consumo. Querem nos fazer crer que podemos escolher um homem ou uma
mulher d mesma maneira como escolhemos um iogurte n supermercado. Mas o amor
não é redutível a consumismo. A diferença entre um homem e iogurte é que uma
mulher não pode colocar um homem em sua vida e esperar que tudo permaneça como
está. É ilusão pensar que basta fazer logon ou logoff, com um clique." Professor das universidades de
Leeds e Varsórvia, Bauman acredita que é enorme o número de casais que caíram
nessas bobajadas - mas que depois podem ter acordado. "O amor precisa renascer a cada dia e a cada hora do dia. Não se
encontra em lojas de presentes caros. Se o amor é de verdade em uma parceria,
os exs voltarão um para o outro e para seus sentimentos. Provavelmente também
para a felicidade que dividiam, enriquecida de consciência de suas
condições", disse ele. É uma ótima e poética análise sociológica sobre
a disposição para apostar na reconciliação.
Poder
se separar sem que isso vire uma anomalia social, obviamente, está entre as
grandes conquistas das últimas décadas. Mas o que ex casais que recasam mostram
e especialistas pregam é que o fim de uma relação precisa acontecer bem longe
da histeria, muito em voga, de que todos os aspectos da vida precisam estar em
uma renovação constante e meio insana. "A
pessoas ficam angustiadas com isso. Quem mantém o mesmo emprego - e até o
casamento - por muito tempo é facilmente compreendido como acomodado,
antiquado, careta. Percebo que, no últimos dez anos, muitos casais retomaram a união
porque se deram conta de que quiseram viver essa mudança, e por fim avaliaram
que na vida de casado havia mais qualidade do que supunham", avalia a
psicóloga Andrea Seixas Magalhães, do Departamento de Pós-Graduação em
Psicologia da PUC do Rio.
Assim como casar cogitando separar é
um maluquice, separar pensando em voltar tende ser uma roubada. "Alimentar essa ideia pode ser
perigoso. É preciso desligar-se do ex para que a re-escolha seja um caminho
natural e saudável. Isso acontece especialmente entre os que têm filhos e
tiveram convivência no mínimo civilizada enquanto estiveram separados",
diz o psiquiatra e psicanalista Luiz Alberto Py. "Os casais voltam quando
ainda existe um vínculo forte, quando acreditam que aquela relação vale a pena.
Em geral, estão confiantes da escolha. É uma decisão racional ligada à busca de
um refúgio, de uma espécie de porto seguro", completa.
A gerente de vendas Alana Veroneze, de 39
anos, casou com o ex-marido depois de quatro anos de separação. "Quando me separei, ele era um veterinário
recém-formado. Eu ganhava bem, sonhava em parar de trabalhar para cuidar do
nosso filho, mas não queria perder o padrão de vida. Tinha de ser a mulher
forte da casa, e isso minou a nossa relação. Mas era inexperiência, não
percebia que os nossos problemas eram pequenos. Mudamos muito no período em que
ficamos longe. Ele também se tornou um homem confiante."
A
dentista Andrea Maluf, de 45 anos, voltou com o ex, com quem havia sido casada
por 11 anos - e oito anos depois de se separar. "Vivemos a solteirice e acho que nos desiludimos com ela. Claro,
também amadurecemos nesse período e percebemos que as afinidades e os sentimentos
não se perderam com o fim da nossa relação."
A psicoterapeuta Lourdes Maria Rivera, de
53 anos, se deu conta de que queria voltar com o ex-marido, com quem quis
romper - 12 anos depois da separação. "Escrevi
uma carta pedindo perdão. Ele disse que também tinha errado. Aos poucos, a
gente se reaproximou, resgatou a empolgação do namoro, reconstruiu a nossa
história."
Como mostram os três casos aí acima,
casais que se separam e depois voltam quase sempre atribuem a ruptura a alguma
variável da imaturidade - e a volta, às afinidades que, apesar de tudo e de
alguma maneira, ainda estão lá. "Há
muitos fatores que levam o ex-casal a revalorizar a antiga vida a dois. A falta
que sentem um do outro, a vivência de outras experiências amorosas e sexuais, a
solidão, e, principalmente o resgate da identidade. É bem possível que duas
pessoas voltem a se unir com maior solidez depois de terem vivido as
experiências que acreditavam ser necessárias, de descobrirem que se amam e que
aquilo que viveram juntos foi significativo e importante", diz a
terapeuta de casais Carmen Cerqueira Cesar.
A vida lá fora, descobrem os casais separados, não é o paraíso perdido. Mas um eventual retorno pode ser pior ainda se os dois não estiverem legitimamente dispostos a zerar os atritos, ou até mostrarem uma predisposição, mesmo que ligeirinha, para idealizar o casamento que tinham antes. "Deletar as mágoas é trabalhoso, exige disposição afetiva para superar os problemas do passado e para estabelecer um novo contrato amoroso, com os termos de como a relação vai funcionar dali para a frente. É importante, por exemplo, não repetir os antigos padrões", diz a psicóloga Andrea Seixas Magalhães.
A vida lá fora, descobrem os casais separados, não é o paraíso perdido. Mas um eventual retorno pode ser pior ainda se os dois não estiverem legitimamente dispostos a zerar os atritos, ou até mostrarem uma predisposição, mesmo que ligeirinha, para idealizar o casamento que tinham antes. "Deletar as mágoas é trabalhoso, exige disposição afetiva para superar os problemas do passado e para estabelecer um novo contrato amoroso, com os termos de como a relação vai funcionar dali para a frente. É importante, por exemplo, não repetir os antigos padrões", diz a psicóloga Andrea Seixas Magalhães.
Autora
de uma dissertação sobre conjugalidade e reconciliação amorosa no Departamento
de Psicologia da USP, a psicóloga Edilaine Helena Scabello ressalta: driblar os
problemas que levaram à separação é uma pedreira. "O perdão requer muito
desprendimento da dor e muita confiança no merecimento de ter uma vida
prazerosa. E é vital enxergar o ex-parceiro como alguém mais humano e mais
falível", diz ela.
No
meio de tanta gente tentando entender o quase divertido fenômeno dos ex-casais
que voltanl, há um consenso. "Quando as pessoas retomam porque aprenderam
e amadureceram, conseguem recompor a parceria em bases mais evoluídas",
diz Carmen Cerqueira Cesar.
São
retomadas sólidas, em contraponto aos amores líquidos.
(
Por Luciana Ackermann, revista CLAUDIA)
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