Um dia desses, arrumando meus livros,
encontrei “O Pequeno Príncipe”, de
Antoine de Saint-Exupéry, o que me fez lembrar de outras épocas. Épocas essas
em que as moças bem-educadas deviam ler o poético e surpreendente livrinho.
Era, inclusive, de bom tom que uma candidata a “miss qualquer coisa”, indagada
sobre qual era o seu livro predileto, respondesse que era “O Pequeno Príncipe”.
Hoje, com a mudança de valores, aposto que a maioria nem conhece tal livro, que
parece ser uma historinha para crianças, mas traz nas suas entrelinhas muitos
conceitos para serem objeto de reflexão, deixados pelo aviador e escritor francês Antoine Marie Roger de Saint-Exupéry, que desapareceu num voo solitário sobre os Alpes franceses, deixando várias outras obras escritas para a posteridade.
Posto aqui o meu capítulo preferido
deste livro, para que meus amigos, crianças de 08 a 88 anos, possam refletir
sobre ele.
XXI
E foi então que
apareceu a raposa:
- Bom dia - disse a
raposa.
- Bom dia -
respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui -
disse a voz -, debaixo da macieira. . .
- Quem és tu? -
perguntou o principezinho.
- Tu és bem bonita.
. .
- Sou uma raposa -
disse a raposa.
- Vem brincar comigo
- propôs o principezinho. - Estou tão triste. . .
- Eu não posso
brincar contigo - disse a raposa. - Não me cativaram ainda.
Após uma reflexão,
acrescentou:
- Que quer dizer
"cativar"?
- Tu não és daqui -
disse a raposa. - Que procuras?
- Procuro os homens
- disse o principezinho. - Que quer dizer "cativar"?
- Os homens - disse
a raposa - têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única
coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?
- Não - disse o
principezinho. - Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito
esquecida - disse a raposa. - Significa "criar laços" . . .
- Criar laços?
- Exatamente - disse
a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem
mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também
necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me
cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E
eu serei para ti única no mundo.. . .
- Começo a compreender
- disse o principezinho. - Existe uma flor. . . . eu creio que ela me
cativou...
- É possível- disse
a raposa. - Vê-se tanta coisa na Terra. . .
- Oh! não foi na
Terra - disse o principezinho.
A raposa pareceu
intrigada:
Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse
planeta?
- Não.
- Que bom! E
galinhas?
- Também não.
- Nada é perfeito -
suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou
à sua ideia.
- Minha vida é
monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se
parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um
pouco. Mas se me cativares, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei
um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem
entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse
música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O
trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso
é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me
tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o
barulho do vento no trigo. . .
A raposa calou-se e
considerou por muito tempo o príncipe:
- Por favor. ..
cativa-me! - disse ela.
- Bem quisera - disse o principezinho -, mas
eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece
bem as ·coisas que cativou - disse a raposa. - Os homens não têm mais tempo de
conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem
lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo,
cativa-me!
- Que é preciso
fazer? -. perguntou o principezinho.
- É preciso ser
paciente - respondeu a raposa. - Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim,
assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem
é uma fonte de mal-entendidos. Mas, a cada dia, te sentarás mais perto. . .
No dia seguinte o
principezinho voltou.
- Teria sido melhor
voltares à mesma hora disse a raposa. - Se tu vens, por exemplo, às quatro da
tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando,
mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada:
descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca
saberei a hora de preparar o coração. . . É preciso ritos.
- Que é um rito? -
perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito
esquecida também, disse a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente
dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo,
possuem um rito.
Dançam na
quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso!
Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam
todos iguais, e eu não teria férias!
Assim o
principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa
disse:
- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua -
disse o principezinho; eu não te queria fazer mal, mas tu quiseste que eu te
cativasse. . .
- Quis - disse a
raposa.
- Mas tu vais
chorar! - disse o principezinho.
- Vou - disse a
raposa.
- Então, não sais
lucrando nada!
- Eu lucro - disse a
raposa -, por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou:
- Vai rever as
rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer
adeus, e eu te farei presente de um segredo.
Foi o principezinho
rever as rosas:
- Vós não sois
absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos
cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa
igual a cem mil outras.Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.
- Sois belas, mas vazias
- disse ele ainda.
- Não se pode morrer
por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece
convosco. Ela é, sozinha, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela
que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento.
Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas).
Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas
vezes. Ê a minha rosa.
E voltou, então, à
raposa:
- Adeus - disse ele.
. .
- Adeus - disse a
raposa. - Eis o meu segredo. Ê muito simples: só se vê bem com o coração. O
essencial é invisível para os olhos.
- O essencial é
invisível para os olhos - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que
perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu
perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Os homens
esqueceram essa verdade, disse a raposa. - Mas tu não a deves esquecer. Tu te
tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela
rosa. . .
- Eu sou responsável
pela minha rosa. . . - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
(O PEQUENO PRÍNCIPE. Antoine de Saint-Exupéry. Círculo do Livro, cap.XXI, p. 64-71)