Enquanto há livros e até filmes sobre D. Pedro I, pouco se comenta e se sabe sobre o seu filho D.Pedro II, pois os livros sobre a história brasileira limitam-se a informações sobre o seu papel como governante. Sempre tive curiosidade sobre este personagem e ela foi aguçada ao ler os livros "1808" e "1822", escritos por Laurentino Gomes. Assim, quando enviei um e-mail a ele, parabenizando-o pelas duas obras, aproveitei para pedir que me indicasse um bom livro sobre D. Pedro II. E é baseada no livro indicado por ele (D. Pedro II, de José Murilo de Carvalho) que vou fazer um comentário sobre o personagem.
D. Pedro II foi Imperador do Brasil por 49 anos, 3 meses e 22 dias, num longo governo iniciado em 23 de julho de 1840 e concluído em15 de novembro de 1889. Somente a rainha Vitória, da Inglaterra, superou-o em tempo de reinado (64 anos)e, agora, em 2012, a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, ao completar 60 anos de seu reinado.
Era um tipo bem europeu: alto (1,90m), loiro, olhos azuis,
barba espessa e prematuramente branca. Sua infância marcada pela orfandade: a
mãe , Dª Leopoldina, faleceu quando estava com um ano de idade e o pai, D.
Pedro I, foi obrigado a sair do país quando ele tinha nove anos, deixando-o e
às suas três irmãs Januária, Paula Mariana e Francisca; tendo a mais velha,
Maria da Glória foi com o pai, pois estava destinada a ser rainha de Portugal.
A partir daí, o jovem príncipe viveu nas mãos de tutores, governantas e mestres, que lhe deram uma
educação rígida, com a finalidade de fazer dele um chefe de Estado perfeito,
sem paixões, escravo das leis e do dever. E D. Pedro passou a vida procurando
ajustar-se a esse papel , exercendo com zelo um poder que o destino colocara em
suas mãos.
Porém, escondido atrás do Imperador, vivia um outro homem: o cidadão Pedro
de Alcântara, um ser humano sofrido devido às tragédias domésticas, que
possuía contradições e paixões, que amava as ciências e as letras, detestava as
pompas do poder, e cujo maior prazer era viajar, pois no Brasil, ele era o
imperador Pedro II; viajando pela Europa e Estados Unidos, era o cidadão Pedro
de Alcântara.
Somente um fato mantinha unidos esses dois homens: a grande paixão pelo
Brasil, que permitiu ao homem que carregava dentro de si estes dois seres tão
diferentes dedicar-se integralmente e com persistência à tarefa de governar o
país por tão longos anos. “E
ele fez isto com os valores de um republicano, com a minúcia de um burocrata e
com a paixão de um patriota. Foi respeitado por quase todos, mas não foi amado
por quase ninguém”.
Mas por que isso aconteceu? Porque D. Pedro II era um homem
avesso ao tipo de vida na corte: não adulava os nobres, ricos e importantes,
oferecendo festas e banquetes, sessões de teatro e cerimônias que os fizessem
viver ao redor do imperador, bajulando-o (detestava e achava enfadonhas as
ocasiões em que era obrigado a comparecer a tais eventos). E, como quase não
saía de casa a não ser quando realmente necessário, também o povo não se
aproximava muito dele.
No aspecto político conseguiu realizar muitas coisa, embora
lentamente, pois, como ele dizia, tudo andava devagar demais no Brasil.
Na formação dos gabinetes de governo, cuidava em dar vez tanto aos
conservadores quanto aos liberais e escolhia seus chefes do ministério pela
competência que tinham em conciliar e ter atitudes firmes. Fazia reuniões
constantes com os ministros e participava de todas as decisões a serem tomadas.
Várias vezes viajou pelo Brasil com intenções políticas: de São Paulo ao Rio
Grande do Sul, a fim de prestigiar a província e assegurar a sua lealdade ao
Império ; pelo interior do Rio de Janeiro e São Paulo, para fazer contato com
os barões do café e do açúcar, as duas grandes riquezas da época; o Norte do
país ( na época, da Bahia para cima era Norte), em 4 meses de andanças do
Espírito Santo à Paraíba.
Nessas ocasiões, suportava as cerimônias oficiais, as quais detestava,
e, mal se livrava delas,dedicava-se ao que mais gostava de fazer: visitar igrejas,
conventos, hospitais, fábricas, escolas, prisões, quartéis, para ver como
funcionavam, anotando tudo que achava errado. Todas estas viagens foram
descritas num diário pelo próprio Imperador. Nessas viagens foi sempre
acompanhado pela imperatriz e por um grupo que cuidava de sua saúde e bem-estar
(camareiro, mordomo, médico, padre).
Entretanto, as viagens que mais o fascinavam eram as feitas ao
exterior. Sempre teve encantos pela Europa e visitou várias países: Portugal,
França, Inglaterra, Bélgica, Espanha, Alemanha, Áustria, Itália Suíça. E também
esteve no Egito. Nessas viagens todas, fazia questão de visitar
instituições de cultura, educação e ciência, lugares históricos e visitar
personagens do mundo cultural, como Victor Hugo, Camilo Castelo Branco, Taine,
Pasteur. Procurava fugir das homenagens, pois dizia que quem estava lá era o
cidadão Pedro de Alcântara e não o imperador Pedro II. Por isso, suas
viagens eram custeadas pelo próprio bolso, através de empréstimos pessoais que
fazia, e não pelo governo brasileiro.
Também visitou os Estados Unidos, onde entrou em contato com os
escritores, cientistas e políticos da época (Longfellow, Agassiz, Whittier,
Theodore Roosevelt, Sherman, Grant...). Lá sua rotina de viagem sempre foi a
mesma: visitas a universidades, escolas, institutos de ciência e cultura,
locais históricos importantes, sessões de academias, pois era um eterno
apaixonado pela cultura e conhecimento. Todas essas viagens
realizadas por ele, estão registradas em diários ou em cartas escritas a
familiares e amigos íntimos.
D, Pedro era um leitor voraz: lia de tudo e em qualquer lugar (em casa,
nos navios, nos hotéis, nos trens) e fazia com que outros lessem para ele.
Fazia anotações nas margens dos livros que lia e era dotado de uma memória
prodigiosa que lhe permitia guardar o que lia. A declaração mais clara de
sua vocação para as letras, as artes e a ciência está no seu diário de 1862: "Nasci para consagrar-me às
letras e às ciências, e, a ocupar posição política, preferiria a de presidente
da República ou ministro a de imperador. Se ao menos meu pai imperasse ainda,
estaria eu há 11 anos com assento no Senado e teria viajado pelo mundo". Estão aí afirmados uma vocação, um
desgosto e um prazer: a vocação para as ciências e as letras, o desgosto de ser
imperador, o desejo de viajar. Passou boa parte da vida tentando combinar esses
desejos com os deveres.
Essa mesma paixão pela leitura ele dedicava à escrita. Deixou 43
cadernos de diários, em que descrevia minuciosamente suas viagens no Brasil e
no exterior e os dias de exílio. É enorme o volume de correspondência com
políticos, sábios, artistas, amigos e amigas.
Tinha predileção pelo aprendizado de línguas, no que era ajudado pela
memória fabulosa. Falava latim, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol.
Lia grego, árabe, hebraico, sânscrito, provençal, tupi-guarani. Fazia traduções
do grego, do hebraico, do árabe, do francês, do italiano, do inglês.
D. Pedro possuía um do genuíno interesse pelo cultivo e promoção da
cultura, demonstrado durante toda a vida. Distribuiu bolsas de estudo e
auxílios para experimentos, fez doações a instituições educacionais e
científicas. Doou 100 mil francos para a criação do Instituto Pasteur, doou
coleções ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, doou à Biblioteca
Nacional sua coleção de fotos, concedeu pensão à família do ator João Caetano,
financiou a publicação de obras de Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães.
Protegeu muitas instituições de ciências, fundou a Escola de Minas de Ouro
Preto. Gostava de assistir a tudo que era concurso público. Nas escolas, era o
pavor dos professores, porque acompanhava suas aulas e examinava os alunos, do
primeiro grau ao ensino superior. Também escrevia poesias, mas reconhecia
não ser bom nessa atividade.
Por tudo
isso, pode-se dizer que d. Pedro foi um erudito. Mas não foi um sábio, nem um
cientista, nem um filósofo. Adotava com entusiasmo as inovações tecnológicas da
época. Desde a juventude foi interessado
pela fotografia e, a partir da visita à exposição de Filadélfia,
interessou-se também pelo telefone. Financiava alguns experimentos, tinha seu
pequeno observatório em São Cristóvão. Na viagem aos Estados Unidos,informou-se
sobre fábricas, máquinas e novas tecnologias, pretendendo implantá-las no
Brasil. Seu apoio à ciência, às letras e às artes, à educação e à técnica
foi um exemplo importante num país de 80% de analfabetos. O pouco que se fez no
Brasil no século XIX nesses campos deve-se muito a ele. Projetou no
exterior a imagem de um chefe de Estado culto e mecenas, em contraste com os
generais e caudilhos toscos que povoavam a política da América Latina.
Em seu funeral, boa parte do mundo intelectual e científico de Paris
estava presente.
Uma característica importante da personalidade de D. Pedro II era
a de não ser ligado a dinheiro. Recebia uma dotação modesta do
governo, com a qual eram mantidos o palácio e os gastos, inclusive os de
suas viagens dentro do país.Suas viagens ao exterior eram custeadas com
empréstimos feitos por ele mesmo, pois se recusava a usar dinheiro público.
Grande parte dos seus gastos eram com esmolas, doações a entidades beneficentes
e científicas, pensões (correspondiam ao que hoje se chama bolsas de estudo)
que financiaram os estudos de 65 jovens do ensino básico e médio no Brasil
e 41 para estudarem no exterior. E para comprovar seu desapego ao
dinheiro, ainda era distribuído aos pobres o lucro da Fazenda de Santa Cruz, da
propriedade da Coroa.
Após sua deposição, no dia 15 de novembro de 1889, foi para a
Europa, acompanhado pela família e por um grande número de amigos (alguns
deles levando junto a própria família).Quando lhe perguntaram por que não
resistira à rebelião militar, respondeu: “Resistir para quê? O Brasil
há de saber governar-se, não precisa de tutor.” Recusou os 5 mil
contos de ajuda oferecidos pelo governo provisório como ajuda de custos.
Chegado a Portugal, em seguida sofreu o desgosto da morte da esposa, Dª
Teresa Cristina, o que o abalou profundamente, pois se afeiçoara muito a ela nos
46 anos de convivência. Ele viveu o seu exílio em peregrinações por estações de
águas, casas de amigos e hotéis de segunda categoria. Suas companhias
constantes eram o médico, um professor e o mordomo. Recebia muitas visitas: de
admiradores fiéis e ex-ministros, inclusive de generais argentinos e uruguaios
que conhecera na época da Guerra do Paraguai, da qual participou como
voluntário.
Em 1891, mais um desgosto veio abalar a sua já frágil saúde: a
morte da condessa de Barral, que se tornara sua amante na época em que fora
tutora de suas filhas Isabel e Leopoldina. Essa relação se tornou um amor e
amizade para toda a vida: mesmo distantes estavam sempre em contato por cartas.
Em outubro do mesmo ano, em Paris, uma pneumonia veio a piorar ainda mais seu
estado de saúde, que já era bastante desgastado pela diabetes, os efeitos da
malária e de complicações hepáticas. No dia 4 de novembro, entrou em agonia e
morreu no início do dia 5, aos 66 anos, dois anos após a sua deposição do
governo.
Foi grande a repercussão de sua morte. Às
cerimônias fúnebres, compareceram representantes das outras casas reais
europeias, representantes de governos, inúmeros brasileiros, membros de várias
entidades culturais e científicas, a ponto de Joaquim Nabuco dizer que a nave
da igreja parecia abrigar um congresso do espírito humano. O governo brasileiro
não se fez representar. Seu corpo foi levado de trem para Portugal e sepultado
perto de Lisboa, no jazigo da família Bragança, entre o da madrasta, Dª Amélia
e o da esposa, Dª Teresa Cristina. (Seus
restos mortais, assim como os de sua esposa, seriam depois trazidos ao
Brasil em 1921, a tempo do ce Nos Estados Unidos, o
“New York Times”, do dia 5 de dezembro, não poupou elogios. Em texto de duas
colunas, reproduziu a frase de Gladstone, segundo a qual D. Pedro seria o
governante modelo do mundo e acrescentou outros louvores por conta própria. D.
Pedro, segundo o jornal, foi "o mais ilustrado monarca do
século" e "tornou o Brasil tão livre quanta uma
monarquia pode ser".
Os adversários brasileiros do imperador, criticando sua
política, ressaltavam sempre seu patriotismo, honestidade, desinteresse,
espírito de justiça, dedicação ao trabalho, tolerância, simplicidade. O
republicano José Veríssimo salientou que a maior dívida do Brasil com D. Pedro
era a atmosfera de liberdade que proporcionara às atividades do espírito. Em
seu governo, resumiu: "Todos pensávamos como queríamos e dizíamos
o que pensávamos. Eu não sei que maior elogio se possa fazer a um estadista."