Pus a mãos na tela para amparar minha
perplexidade: alguém jogou uma bomba na praça da minha infância.
Eu não sei o nome daquela praça que há em
frente ao Hospital de Caridade, mas nós a chamávamos de pracinha do hospital.
Tinha gangorra, escorregador, balanço, caixa de areia e roda giratória. Tudo
bem simples, de madeira e ferro, mas pintado com cores pri-márias, dando ainda
mais vida àquele lugar fervilhante de crianças de todas as idades. Eu brinquei muito
ali com meu irmão. Minha irmã caçula, 12 anos mais moça do que eu, pas-sava as
tardes brincando ali. Quando tive meus filhos, eu fiz questão de trazê-Los para
conhecer o lugar que me remetia ao encantamento da infância. Meu irmão fez o
mesmo, e os filhos de minha irmã também brincaram muito na pracinha do
hospital.
Na semana passada eu quis ir até lá com
minha mãe para lembrarmos juntos o tempo que passamos fazendo castelos de areia
com um baldinho de plástico azul e duas pazi-nhas amarelas. Foi na pracinha do
hospital que eu e minha mãe lutamos de capa e espada contra vilões malvados,
enfrentamos dragões e bruxas, decolamos em foguetes espaciais ou simplesmente sentamos
num banco para descansar e sentir o afago de uma cidade que nos abraçava
oferecendo o colo da convivência. Em vez disso tudo, encontramos um cadeado no
portão.
Pus as mãos na tela para amparar minha
perplexidade: alguém jogou uma bomba na praça de minha infância. Em um terreno
morbidamente vazio, há quatro ou cinco montes de entulho. Enxergo neles, a sepultura
de cada brinquedo.
Quem permitiu transformar a pracinha do
hospital num cemitério de escorregadores e gangorras? Uma praça trancada a
cadeado é um símbolo poderoso. A gestão pública está nos dizendo que a cidade
não nos pertence. Ao negar-nos o espaço do convívio, A prefei-tura rouba das
crianças a oportunidade da partilha, do aprendizado que o contato humano
proporciona, do acontecer solidário que ocorre toda vez que famílias se
encontram para brincar com seus filhos. Uma praça fechada é uma afronta à
cidadania. Não há justificativa para isso. Não me venham falar em crise ou
falta de dinheiro.
Para um burocrata, pode até ser que uma
praça fechada seja um item da planilha do corte de despesas. Mas, se eu fosse
prefeito e me deparasse com um cadeado no portão, eu rasgaria a planilha, mandaria
arrebentar a corrente e iria pessoalmente para o meio do terreno, empurrando um
caminho de mão, para dar início à retirada do entulho e à ressur-reição dos
balanços sepultados pela inépcia e pelo descaso. Não é a falta de dinheiro que
decreta a falência de uma comunidade. Uma cidade que impede seus moradores de
entrar numa praça é que é uma cidade falida. Espero, sinceramente, que o novo
prefeito tenha peito de governar arrebentando cadeados.