Como
era o truque do clipe? Ah, enganchar um clipe no puxador do zíper, amarrar uma
linha, colocar o vestido, puxar a linha e daí o zíper subia. Com a linha fina
não ia dar certo. Se puxar, ela arrebenta. E uma mais grossa não cabe no furo
do clipe. E o vestido tinha que ser esse. Outra linha, média, que coubesse no
furo do clipe e não ar- rebentasse, ela não tinha. E agora, com 1 ou 2 quilos a
mais, o zíper ficava mesmo lá embaixo, não subia quase nada e não dava para puxar
só um pouco, ao menos de modo que desse para puxar o resto com a mão. E o pior
é que não havia ninguém para pedir ajuda. Droga. Ninguém para dar assistência.
Não dava para chamar o zelador para isso. Definitivamente, não. Seria
constrangedor, uma intimidade não aconselhável. Um vizinho? Não, não tinha criado
amizade suficiente com nenhum deles a ponto de pedir um favor como esse. E
depois, como? Ia tocar a campainha com um vestido semiaberto, os pneus
saltando, ser alvo de comentários posteriores: "olha como ela engor- dou",
"coitada, tão sozinha", "não tem quem ajude a fechar um
zíper", "será que ela não se toca que esse vestido não serve
mais?". Ela sabia que, uma vez fechado o zíper, a aparência final seria semelhante
à de quando os pneus ainda não existiam ou, ao menos, não eram tão perceptíveis
- não com aquele volume, de um jeito que dá para pegar com os dedos e puxar.
Mas como fechar o zíper?
Talvez com um garfo. Enfiar o dente do garfo
no puxador do zíper, amarrar uma linha
no
cabo do garfo e puxar. Não só a linha soltou do cabo do garfo como o dente deu
uma arranhada nas costas. E o diabo do zíper nada de subir. Ligar para a mulher
do zelador? Pedir um fio mais grosso emprestado? Colocar um casaco por cima?
Trocar de vestido? Assumir- -se mais velha? Aceitar-se como se é, como dizem
essas novas propagandas do sabonete, do sutiã, do carro, do cigarro, da
lavadora? "Mas como é que eu sou? Eu quero usar esse vestido. Quero
parecer mais jovem, mais magra. Mas por que se ele não cabe mais? Porque não
colocar um mais largo, folgado? Afinal, é só para ir até a padaria? Quando ele
cabia, eu não tinha perguntas, não precisava saber se eu era eu mesma nem me
aceitar." Um parafuso comprido. Sim, tinha um desses na caixa de ferramentas.
Ela se deitaria de bruços, engancharia o parafuso no puxador do zíper e amarraria
com o fio mais grosso. Pneus achatados não emperram o zíper. Funcionou.
Levantada, no espelho, viu-se sumarenta, uma mulher e seu vestido, sem
necessidade de zelador nem vizinhos, propaganda de sabonete ou autoaceitação, mesmo
com os pneus escapando, o colo espremido, a respiração difícil.
- Seu Claudionor, veja dois bem torradinhos,
por favor!
- Pois não, dona Odete. Faz tempo que a senhora
não aparece. Vai no capricho. Aliás, a senhora parece mais jovem, mais bonita,
não sei. Foi alguma coisa que mudou, dona Odete?
Comeu as casquinhas crocantes dos dois pãezinhos
ali mesmo, na padaria. Rabo de
um
olho no Claudionor e do outro no espelho: uma mulher de vestido.
Na banca em frente, uma das propagandas de
amor-próprio. Arrancou o miolo de
um
dos pãezinhos e jogou, discreta, no rosto sorridente da mulher do cartaz,
aquela que se
aceita
sem complicações.
(NOEMI JAFFE – escritora, professora e crítica
literária – revista CLAUDIA, julho de 2017)